Limite à compensação tributária impactará fluxo de caixa

Teto fixado pelo governo deve elevar desembolsos das empresas com impostos

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O teto imposto pelo governo às compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado deverá ter efeitos negativos no fluxo de caixa das empresas e pode até mesmo inviabilizar o aproveitamento dos créditos tributários a que os contribuintes têm direito.

Este é o impacto esperado por Frederico Bakkum e Renan D’ Elia, associados do Vieira Rezende Advogados, do limite às compensações determinado pela Medida Provisória 1.202/23 e regulamentado pela Portaria Normativa MF Nº 14/2024. “O impacto imediato dessa limitação é afeto ao fluxo de caixa das empresas, na medida em que não poderão utilizar a integralidade do crédito, de uma só vez, para realizar compensações tributárias. Somado a isso, há casos em que o próprio aproveitamento do crédito ficou em risco, pois a utilização nos prazos estabelecidos pelo governo, muitas vezes, extrapola o prazo prescricional de 5 anos (contados do trânsito em julgado) para realização das compensações”, afirmam.

A compensação tributária é um mecanismo para ressarcir o contribuinte de valores arrecadados a mais pelo Fisco – é uma espécie de encontro de contas, que permite que o contribuinte pague um tributo com créditos. Ela não se dá de forma automática e precisa ser aprovada pela Receita Federal a partir da apresentação de uma declaração – o Fisco tem cinco anos para homologá-la ou não. Caso a aprove, considera-se o imposto quitado. 

A polêmica MP 1.202/23

No caso em questão, o governo limitou as compensações de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado. Isso será feito por meio da limitação do quanto o contribuinte pode compensar a cada mês. Um exemplo numérico mostra como a medida impacta o fluxo de caixa. Se uma empresa tem um crédito de 20 milhões de reais e precisa pagar 10 milhões de reais de imposto, ela antes podia usar o crédito de uma vez só e ainda ficaria com 10 milhões de saldo. Agora, ela terá que dividir a compensação em doze meses – poderia compensar mensalmente apenas 1,66 milhão de reais e teria que pagar o restante do imposto com seu caixa.

O governo alegou que a compensação tributária aumentou muito após o desenrolar da “tese do século”, que gerou créditos para as empresas. A compensação subiu de 71 bilhões de reais em 2018 para 225 bilhões de reais em 2023, segundo os cálculos do governo. A MP 1.202/23 veio no âmbito da tentativa de reerguer a base de arrecadação do governo federal, mas, além de ainda estar em negociação no Congresso, passará pelo crivo do Supremo Tribunal Federal (STF). Este vai analisar Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.587 relativa à medida – que também extingue os benefícios do e reonera a folha de pagamento de 17 setores da economia.

Vale a pena usar precatórios?

Em vez de usar a compensação tributária para usar os créditos tributários, as empresas podem também receber precatórios federais, mas a opção costumava ser pela primeira forma pela celeridade, já que o precatório demora de dois a quatro anos para ser quitado. Com o teto à compensação, essa situação pode mudar: “Agora, o precatório pode ser uma opção interessante ou até mesmo a única opção, a depender do valor dos créditos e da dinâmica de débitos federais de cada contribuinte”, consideram Bakkum e D’ Elia. Até mesmo porque o Supremo Tribunal Federal (STF), em dezembro de 2023, julgou o teto de pagamento dos precatórios imposto pelo governo passado como inconstitucional e autorizou o pagamento dessas dívidas por meio de crédito extraordinário, sem afetar o resultado primário do governo.

Na entrevista abaixo, os advogados do Vieira Rezende abordam os impactos da medida sobre as empresas – e falam também sobre a possibilidade de a questão ser judicializada.


Quais são as limitações que o governo impôs à compensação tributária decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado? Para as empresas, qual é o impacto esperado dessa limitação? 

Frederico Bakkum e Renan D’ Elia: Por meio da MP 1.202/23, o governo federal trouxe mudanças na sistemática das compensações de créditos decorrentes de decisões judiciais. Em linhas gerais, ela autoriza o Ministro da Fazenda a limitar o montante mensal a ser compensado pelos contribuintes que possuem créditos reconhecidos por decisões judiciais transitadas em julgado, em até 1/60 por mês, quando o crédito é superior a R$ 10 milhões. Basicamente, a ideia é suavizar o impacto das compensações, prolongando a utilização do crédito no tempo.

Essa inovação foi regulamentada pela Portaria Normativa MF Nº 14/2024, que  trouxe os seguintes prazos para a compensação:

Valor total do crédito Prazo mínimo para compensação
R$ 10 milhões a R$ 99 milhões 12 meses
R$ 100 milhões a R$ 199 milhões 20 meses
R$ 200 milhões a R$ 299 milhões 30 meses
R$ 300 milhões a R$ 399 milhões 40 meses
R$ 400 milhões a R$ 499 milhões 50 meses
R$ 500 milhões 60 meses

A título de exemplo, um contribuinte com crédito reconhecido por decisão judicial, de R$ 50 milhões, poderá utilizar no máximo R$ 4.166.666,66 por mês desse crédito em compensações. Caso esse limite seja ultrapassado, a compensação é tida como não declarada pela Receita Federal, nos termos do artigo 74, §12, inciso I, da Lei nº 9.430/1996.

O impacto imediato dessa limitação é afeto ao fluxo de caixa das empresas, na medida em que não poderão utilizar a integralidade do crédito, de uma só vez, para realizar compensações tributárias. Somado a isso, há casos em que o próprio aproveitamento do crédito ficou em risco, pois a utilização nos prazos estabelecidos pelo governo, muitas vezes, extrapola o prazo prescricional de 5 anos (contados do trânsito em julgado) para realização das compensações.


Na prática, como isso irá funcionar? Supondo que uma empresa tem um crédito de R$ 20 milhões, por exemplo, em quanto tempo ela conseguirá utilizá-lo por meio da compensação tributária?

Frederico Bakkum e Renan D’ Elia: Na prática, os contribuintes devem dividir o valor do crédito atualizado na primeira declaração de compensação pelo número de meses indicados nos incisos I a VI, do artigo 1ª da Portaria Normativa MF nº 14/2024.

Uma empresa que possua um crédito de R$ 20 milhões deverá compensar a totalidade desse valor em no mínimo 12 meses, por ser enquadrar na primeira faixa da nova limitação (artigo 1, §1º, inciso I, da Portaria Normativa MF nº 14/2024). Assim, o valor máximo mensal a ser compensado seria de R$ 1.666.666,66 (R$ 20.000.000,00 / 12).

Portanto, digamos que esse contribuinte apure um débito de R$ 10 milhões de Cofins e queira utilizar o crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado. Antes da nova limitação, ele poderia quitar integralmente o débito de Cofins com o crédito de R$ 20 milhões que detém, e utilizar o saldo remanescente em outras compensações. Agora, no entanto, poderá utilizar no máximo R$ 1.666.666,66, naquele mês, tendo que pagar o restante em dinheiro ou com créditos de outras naturezas.


A possibilidade de receber um precatório federal, em vez de optar pela compensação tributária, é interessante? O que deve ser analisado pelas empresas?

Frederico Bakkum e Renan D’ Elia: Antes da limitação, era muito comum as empresas optarem pela compensação para materializarem o crédito de forma mais célere, já que o precatório federal costuma demorar de dois a quatro anos para ser quitado. Agora, o precatório pode ser uma opção interessante ou até mesmo a única opção, a depender do valor dos créditos e da dinâmica de débitos federais de cada contribuinte.

Nesse sentido, as empresas devem avaliar se terão condições de utilizar o crédito reconhecido por decisão judicial dentro dos limites mensais impostos pelo governo. Caso positivo, a compensação pode ser interessante, por viabilizar a utilização do crédito de forma mais célere. Do contrário, a empresa deve optar pelo precatório federal, sob pena de se ver impedida de utilizar a totalidade do crédito a que tem direito.


Como você avalia a medida? Há argumentos para a judicialização da questão?

Frederico Bakkum e Renan D’ Elia: A nosso ver, além de não se mostrar razoável a limitação da utilização de um crédito reconhecido por decisão judicial após anos de contencioso, no mínimo a regulamentação da medida demanda ajustes.

De fato, a regulamentação deixou diversas dúvidas: a limitação deve ser aplicada inclusive para as compensações já iniciadas, ou não? Como fica o crédito remanescente de contribuintes que não têm mais prazo para compensar a totalidade dos créditos? O prazo prescricional para utilização do crédito ficará resguardado, para atender ao prazo mínimo estabelecido pelo governo?

São algumas das dúvidas que não foram respondidas pela regulamentação e que, certamente, levarão à judicialização. Em especial por mitigar o direito de propriedade, promover o enriquecimento ilícito da União, em determinados casos, e afrontar o direito adquirido e a coisa julgada.

Vale pontuar que a matéria passará pelo crivo do Supremo Tribunal Federal (STF), tendo em vista a propositura da ADI 7.587, questionado, dentre outros pontos, a limitação das compensações.


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