Cotistas de fundo de participações ganham no Carf

Conselho afasta alíquota superior de imposto a FIP que não identificou investidores finais

0

O Fisco costuma olhar com uma lupa os fundos de investimento em participações (FIPs) por conta de sua tributação específica, que concede benefícios fiscais aos cotistas. E não raro esse exame minucioso termina em autuação quando a Receita Federal entende que seus cotistas não tinham direito a esses benefícios. Por isso, recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que cancelou a cobrança de uma alíquota superior de imposto a cotistas de um FIP foi vista de forma positiva por advogados tributaristas.

“Tendo em vista o histórico de autuações do Fisco sobre FIPs, referida decisão favorável ao contribuinte representa avanços importantes na discussão”, avaliam Thiago Braichi e Marina Guimarães, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados.

Eles explicam que investidores não-residentes (INR) que aplicavam em FIPs tinham isenção do IRRF até a publicação da Lei 14.711/23 (marco legal das garantias), desde que fossem respeitadas três condições: que não detivessem 40% ou mais das cotas do fundo (ou recebimento de mais de 40% dos rendimentos do fundo), não extrapolassem o limite de 5% do capital investido em títulos de dívida e não residissem ou tivessem domicílio em paraíso fiscal. O Fisco, para verificar se essas condições são cumpridas, exige que os administradores dos fundos identifiquem os investidores finais. Quando isso não ocorre, os rendimentos do FIP deveriam ser tributados à alíquota de 15% de imposto de renda retido na fonte (IRRF).

No entanto, no caso em questão (processo de nº 10872.720029/2018-33), a Dynamo V.C. Administradora de Recursos liquidou um FIP e pagou os valores aos cotistas residentes e domiciliados no exterior, que teoricamente estariam isentos do imposto, mas que foram cobrados por uma alíquota bem superior. A administradora não identificou os investidores finais, o que levou à aplicação da alíquota 35% por parte do Fisco – percentual que incide sobre os casos de ilícito contra o sistema financeiro. Braichi e Guimarães consideram que, tendo em vista a documentação disponibilizada pelo contribuinte, a impossibilidade de identificação do último beneficiário da cadeia de investimentos deveria atrair, no máximo, a alíquota de 15% de IRRF.

A decisão que anulou a alíquota de 35% foi tomada pela 1ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf e ainda cabe recurso.

Na entrevista abaixo, Braichi e Guimarães abordam a recente decisão do Carf e explicam por que os FIPs são sempre alvo da fiscalização.


– Em que ocasiões os cotistas de fundos de investimento em participações (FIPs) não residentes estão isentos do pagamento de IRRF?

Thiago Braichi e Marina Guimarães: Antes da sanção da Lei nº 14.711, em outubro de 2023, havia três requisitos importantes para fruição do benefício de alíquota zero de IRRF para os cotistas não residentes (INR) de FIPs:  o “teste” dos 40%, o limite de capital do FIP investido em títulos de dívida e a jurisdição de residência do investidor.

O “teste” dos 40% impedia que os investidores usufruíssem do benefício caso  detivessem 40% ou mais das cotas do fundo ou cujas cotas lhes permitissem o recebimento de rendimentos superior a 40% do total do fundo. Além disso, também era necessário que o próprio FIP respeitasse  o limite máximo de 5% do seu capital investido em títulos de dívida, com exceção de debêntures conversíveis e títulos públicos. Por fim, o cotistas INR também não poderiam ser residentes ou domiciliados em jurisdições com tributação favorecida ou beneficiários de regime fiscal privilegiado, para poderem aplicar a alíquota zero de IRRF sobre seus rendimentos.

Quando algum requisito não fosse cumprido, os rendimentos deveriam ser tributados à alíquota de 15% de IRRF, conforme redação anterior dos artigos 2º e 3º da Lei 11.312/06.

No entanto, a partir da Lei 14.711/23 os requisitos desse benefício fiscal foram alterados. Após revogação dos dispositivos, não é mais aplicado o teste dos 40%, assim como não há um limite de 5% para investimentos em títulos de dívida. Apesar disso, investidores residentes ou domiciliados em jurisdições com tributação favorecida ainda são impedidos de usufruir do benefício. Em complemento, foi criado um novo requisito, quanto à necessidade de enquadramento do FIP como uma “entidade de investimento” o que deve ser avaliado conforme definição do Conselho Monetário Nacional (CMN).


– Por que os FIPs costumam atrair a atenção da Receita Federal? Quais são os principais focos de atenção do fisco? 

Thiago Braichi e Marina Guimarães: FIPs são fundos de investimento que possuem regulamentação própria e são voltados para a aquisição de participação em sociedades. Estruturas de investimento com a utilização de FIPs são visadas pela Receita Federal porque esse tipo de fundo possui tratamento específico, com benefícios tributários para os investidores.

Do ponto de vista dos investidores brasileiros, FIPs podem ser utilizados em restruturações societárias como forma de otimização da carga tributária eventualmente incidente no ganho de capital da venda de ações, caso fossem realizadas diretamente por uma pessoa física ou jurídica. Isso ocorre porque diferentemente da regra geral aplicável a esses outros grupos, os rendimentos e ganhos auferidos com operações realizadas pela carteira dos fundos de investimento são isentos de IR. Como a norma tributária estipulou um regime específico de tributação para o FIP, os valores são tributados apenas no nível dos investidores, quando há amortização, resgate ou liquidação das cotas dos fundos.

Para os investidores INR, as autuações argumentam que houve planejamento tributário abusivo quando, na prática, o “beneficiário final” daqueles rendimentos não teria cumprido os requisitos necessários para aplicação da alíquota zero de IRRF. Ou seja, nesses casos, o Fisco exige que o FIP apresente documentos para comprovar que toda a cadeia de investidores, sejam eles diretos ou indiretos, cumprem as condições para aplicação do benefício fiscal. No entanto, a identificação de todos os cotistas indiretos pode ser extremamente difícil, tanto pelo número de “níveis” na estrutura, quanto pela legislação local dos países de domicílio dos investidores que não exigem esse tipo de informação.

Além disso, os requisitos anteriormente vigentes, como o limite de 5% dos investimentos em títulos de dívida, demandavam uma gestão consideravelmente detalhista por parte dos FIPs, pois as oscilações na carteira do fundo impactavam diretamente no benefício tributário dos investidores INR.


– Em caso recente, a fiscalização acertou ao cobrar alíquota de 35% devido à falta de identificação dos investidores finais do FIP?

Thiago Braichi e Marina Guimarães: Entendemos que a fiscalização não realizou a cobrança correta, utilizando-se de legislação inadequada ao caso. Nesse sentido, e tendo em vista a documentação disponibilizada pelo contribuinte conforme informações do Acórdão, a impossibilidade de identificação do último beneficiário da cadeia de investimentos deveria atrair, no máximo, a alíquota de 15% de IRRF conforme Lei 11.312/06.


– Qual é sua avaliação sobre o caso e sobre o julgamento por parte do Conselho Administrativo do Carf, que cancelou cobrança de IRRF que incidiria sobre o cotista (não residente) de FIP?

Thiago Braichi e Marina Guimarães: Entendemos que a decisão do Carf no processo de nº 10872.720029/2018-33 foi bem fundamentada para justificar o cancelamento dessa cobrança. Como mencionado, quando se trata de FIPs, os rendimentos de quotistas não residentes poderão estar sujeitos alíquota de 15% ou zero, esta última a depender do cumprimento dos requisitos previstos no §§ 1° e 2°, do artigo 3° da Lei 11.312/06. No entanto, o Fisco autuou o contribuinte com a alíquota de 35%, sobre a base de cálculo reajustada, o que seria aplicável somente quando o beneficiário do pagamento não fosse identificado.

Embora o contribuinte não tenha cumprido com a solicitação de documentos da Receita Federal da forma esperada, não identificamos embasamento legal para tributar os rendimentos enquanto um ato ilícito contra o sistema financeiro nacional. Isso, pois conforme o voto e análise da legislação, os artigos 9 e 10 da Lei 9.613/98, e o artigo 61 da Lei 8.981/95 citados pelo Fisco, não seriam relacionados a questões “primordialmente tributárias” e específicas dos FIPs. Ao contrário, os artigos dispõem sobre crimes financeiros e propõem mecanismos de controle e prevenção da utilização do sistema financeiro para ilícitos, não podendo ser considerados como a norma especial aplicável. Tendo em vista o histórico de autuações do Fisco sobre FIPs, referida decisão favorável ao contribuinte representa avanços importantes na discussão.


Leia também

Os super ricos irão à Justiça?

Tributação de offshores e fundos fechados: é hora de estudar alternativas

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.