Terço de férias: pagamento de contribuição previdenciária é recomendável

Apesar de decisão do STF suspendendo processos sobre o tema, Fisco pode autuar empresas que não efetuarem recolhimento

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Embora o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), tenha determinado a suspensão de todos os processos administrativos e judiciais que envolvem o questionamento da contribuição previdenciária do terço de férias, advogados tributaristas consideram que as empresas devem continuar provisionando os valores. Isso porque a suspensão dos processos não impede que a Receita Federal autue as empresas que não recolheram a contribuição.

A suspensão dos processos, ocorrida no fim de junho, é válida até o julgamento dos embargos de declaração interpostos pelos contribuintes contra a decisão do STF que julgou constitucional a cobrança da contribuição previdenciária sobre o terço de férias. Marcello Coimbra e Renan D’ Elia, associados do Vieira Rezende Advogados, explicam que a medida tem a sua aplicabilidade restrita à esfera processual (administrativa e judicial) e não possui efeito vinculante à administração pública. “Portanto, nesse momento, o melhor caminho a ser adotado é o provisionamento dos valores, para que as empresas não sejam surpreendidas com a lavratura de autos de infração.”

Já Sávio Hubaide e Pedro Simão, associado e sócio do Freitas Ferraz Advogados, lembram que, em face de quaisquer cobranças, é recomendável que os contribuintes adotem as medidas necessárias, como apresentar defesas administrativas ou judiciais para assegurar a suspensão. Eles recomendam que as empresas que ainda não retomaram o pagamento das contribuições o façam, considerando os fatos geradores ocorridos após a decisão do STF sobre o tema (que ocorreu em de 2020). “Por outro lado, em relação aos fatos geradores anteriores, há fundamentos a justificar o não provisionamento, pois é difícil imaginar razões para não ser aplicada a modulação dos efeitos da decisão que reverteu drasticamente a jurisprudência dominante. De todo modo, a análise deve ser realizada caso a caso por cada contribuinte.”

A diferença de comportamento (recolhimento ou não da contribuição) se dá porque foi em 2020 que o STF surpreendeu a todas as empresas e decidiu que era constitucional a cobrança da contribuição previdenciária sobre o terço de férias. A maioria das empresas não recolhia o tributo, amparada em entendimento dos tribunais. Em 2016, a matéria era considerada infraconstitucional e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia decidido, em sede de repercussão geral, que as empresas não precisavam efetuar o recolhimento.

Os contribuintes recorreram à decisão do STF, apresentando embargos de declaração – pleiteando que a modulação temporal dos efeitos seja adotada, ou seja, que a contribuição passe a ser cobrada apenas após a publicação do acórdão da decisão de 2020.

Coimbra e D’Elia consideram possível que a modulação seja adotada, pois havia um entendimento jurisprudencial sólido e vinculante (Tema Repetitivo 479) relacionado à impossibilidade de incidência da contribuição. “Contudo, não se pode ter certeza sobre qual será a postura do Supremo, tendo em vista o seu histórico desfavorável no que tange à modulação dos julgados em que a fazenda pública restou vitoriosa.” Para eles, o caminho mais conservador – de recolhimento da contribuição – não traz prejuízo ao contribuinte, já que ele poderá pedir restituição do valor pago a mais, se a modulação for adotada e as cobranças passarem a ser válidas apenas depois de 2020.

Para Hubaide e Simão, a modulação preservaria a confiança e a estabilidade das relações jurídicas e seria aplicável porque “a decisão proferida no Tema nº 985/STF representou verdadeiro rompimento com a jurisprudência até então dominante”. No julgamento dos embargos de declaração, o placar era favorável à modulação (5 votos a favor e 4 contrários). Os advogados do Freitas Ferraz consideram que isso pode sinalizar uma possibilidade de adoção, mas lembram que se trata de mera tendência porque o julgamento será reiniciado.

Na entrevista abaixo, Simão, Hubaide, D’ Elia e Coimbra relembram o histórico da questão e abordam a recente decisão de suspender os processos que questionam o pagamento do terço de férias.


Como se originou e qual a evolução do questionamento sobre a tributação do terço de férias? Atualmente, qual é a situação das empresas? Elas estão recolhendo os impostos devidos?

Marcello Coimbra e Renan D’ Elia: O entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores era consolidado pela impossibilidade de incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título do adicional de 1/3 de férias, rubrica popularmente conhecida como o “terço constitucional de férias”. Inclusive, à época, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Tema Repetitivo nº 479, assentou que a importância paga a título de terço constitucional de férias possuiria natureza compensatória/indenizatória, razão pela qual sobre ela não seria possível a incidência da contribuição previdenciária.

Ocorre que o cenário mudou quando o Supremo Tribunal Federal (STF) foi instado a se manifestar sobre a matéria, via RE 1.072.485/PR – Tema nº 985 da repercussão geral –, ocasião na qual decidiu, em 2020, pela possibilidade de incidência da contribuição sobre a referida rubrica, superando o entendimento jurisprudencial até então consolidado – fenômeno conhecido como overruling.

Neste momento, as empresas, em sua grande maioria, estão optando pelo recolhimento da contribuição sobre o terço constitucional de férias apesar de o entendimento do STF ainda não restar consolidado, uma vez que estão pendentes de apreciação embargos de declaração opostos pelos contribuintes.

Ressalta-se que, nesse recurso, pugna-se pela modulação dos efeitos, para aplicação do julgado com eficácia ex nunc, isto é, que o novo entendimento seja aplicado apenas daqui para frente, ressalvando os contribuintes que ingressaram com ações antes do julgamento da matéria pelo Supremo.

A opção pelo recolhimento imediato do tributo tem como objetivo evitar possíveis autuações fiscais, sobre as quais seriam aplicados multa e juros. Isso porque, caso o STF venha modular os efeitos do que restou decidido no Tema nº 985 da repercussão geral, os contribuintes que se enquadrarem na proposta da modulação poderão pleitear a restituição dos valores recolhidos indevidamente em períodos anteriores, quando a jurisprudência considerava o terço constitucional de férias não estaria sujeito à incidência das contribuições previdenciárias.

Com isso, inexiste prejuízo para aquele contribuinte que optou pelo caminho mais conservador, dada a possibilidade de recuperação dos valores que estão sendo recolhidos.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: O questionamento sobre a tributação do terço de férias chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) após a interposição de Recurso Extraordinário pela Fazenda Nacional, contra acórdão de segunda instância que havia reconhecido a não incidência das contribuições previdenciárias sobre o terço de férias gozadas e indenizadas.

A tese dos contribuintes até então acolhida pelos tribunais reconhecia a não incidência das contribuições sobre o terço constitucional de férias por entender ser uma verba indenizatória/não remuneratória e paga de forma não habitual, conforme previsto no rol do artigo 28, §9º, da Lei nº 8.212/91.

No entanto, em 2020, ao julgar o Tema nº 985 de Repercussão Geral, o STF alterou a jurisprudência até então dominante para reconhecer como legítima a incidência das contribuições sobre o terço constitucional de férias gozadas.

Atualmente, portanto, a Suprema Corte possui precedente vinculante que reconhece a incidência das contribuições sobre o terço constitucional de férias gozadas, limitando a hipótese de não incidência prevista na Lei nº 8.212/91 somente ao terço relativo às férias indenizadas. Nesse sentido, caberia às empresas recolher contribuições sobre o terço de férias gozadas.


Com relação à modulação temporal da decisão do STF que considerou a tributação constitucional, é possível apontar alguma tendência em relação à sua adoção?

Marcello Coimbra e Renan D’ Elia: O instituto da modulação dos efeitos busca concretizar o princípio constitucional da segurança jurídica, preservando os contribuintes que possuíam uma legítima e plausível expectativa sobre o entendimento jurisprudencial sobre a matéria, que veio a ser modificado e/ou superado posteriormente.

Nesse sentido, tendo em vista que havia um entendimento jurisprudencial sólido e vinculante (Tema Repetitivo 479) relacionado à impossibilidade de incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias, o qual veio a ser superado pelo Supremo, é possível que seja aplicada a modulação dos efeitos do Tema nº 985 da repercussão geral.

Contudo, não se pode ter certeza sobre qual será a postura do Supremo, tendo em vista o seu histórico desfavorável no que tange à modulação dos julgados em que a fazenda pública restou vitoriosa.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: A decisão proferida no Tema nº 985/STF representou verdadeiro rompimento com a jurisprudência até então dominante.

Anteriormente, o STF deixava de examinar a questão, por entender que a incidência ou não das contribuições sobre o terço constitucional de férias seria matéria infraconstitucional. Não bastasse, desde 2014 o STJ já havia pacificado a questão, ao fixar a tese do tema nº 479 dos Recursos Repetitivos, de que as referidas contribuições não incidem sobre o terço constitucional de férias (indenizadas ou gozadas).

Trata-se, portanto, de hipótese que se amolda perfeitamente aos requisitos que ensejam a modulação de efeitos, conforme previsto no seu artigo 927, §3º do Código de Processo Civil (CPC). Além da alteração de jurisprudência dominante do próprio STF e do STJ, deve-se preservar o interesse social e a segurança jurídica. Diante da existência inclusive de precedentes vinculantes que fundamentavam o não recolhimento até o julgamento do tema nº 985/STF, deveria ser preservada a confiança e a estabilidade das relações jurídicas, para que as cobranças sejam admitidas somente do tema nº 985/STF em diante.

Iniciado o julgamento dos Embargos de Declaração que pleiteiam a modulação dos efeitos, o placar estava em 5 a 4 pela modulação, o que pode sinalizar uma possibilidade de adoção. No entanto, trata-se de mera tendência, pois o julgamento será reiniciado.


Recentemente, o ministro André Mendonça determinou a suspensão de todos os processos judiciais e administrativos que discutem a tributação do terço de férias. O que isso significa para as empresas que moveram os processos?

Marcello Coimbra e Renan D’ Elia: A medida adotada significa que serão suspensos todos os processos que discutem a incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias, até o julgamento definitivo dos embargos de declaração opostos em face do acórdão do paradigma.

Nessa via, aquele contribuinte que estiver discutindo a matéria, seja no Judiciário ou no âmbito administrativo, terá o seu processo paralisado, até que a matéria seja definitivamente julgada pelo STF.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: Após a recente decisão do ministro André Mendonça, os processos judiciais ou administrativos em trâmite que discutem a incidência ou não das contribuições sobre o terço de férias serão suspensos, até que o STF examine o pedido de modulação de efeitos.

O principal motivo foi evitar que sejam proferidas decisões anti-isonômicas entre os contribuintes. Isso porque, antes da determinação expressa de suspensão de tramitação de todos os processos, poderiam ser proferidas decisões conflitantes, em que um contribuinte poderia ter contra si transitada em julgado decisão que determinasse a cobrança retroativa das contribuições, enquanto outros poderiam ter seus processos suspensos até a possível modulação de efeitos. Caso esse contexto perdurasse, alguns contribuintes poderiam ser cobrados em relação ao período passado, e outros não, daí a ofensa à isonomia.


A suspensão impede que as empresas sejam cobradas pela Receita Federal? O que se recomenda às empresas: provisionar os valores ou aguardar por uma melhor definição?

Marcello Coimbra e Renan D’ Elia: A suspensão não impede que os contribuintes possam ser autuados pela Receita Federal caso não procedam ao recolhimento do tributo, tendo em vista que a medida adotada pelo Supremo tem a sua aplicabilidade restrita à esfera processual (administrativa e judicial), motivo pelo qual não possui efeito vinculante à administração pública.

Portanto, nesse momento, o melhor caminho a ser adotado é o provisionamento dos valores, para que as empresas não sejam surpreendidas com a lavratura de autos de infração. 

Sávio Hubaide e Pedro Simão: A suspensão não impede que a Receita Federal lavre autos de infração para prevenir a decadência das contribuições. Ademais, para assegurar a suspensão, é recomendável que os contribuintes adotem as medidas necessárias, como apresentar defesas administrativas ou judiciais em face de quaisquer cobranças.

Em relação aos fatos geradores ocorridos após a decisão do tema nº 985/STF, caso a empresa não tenha retomado os recolhimentos, recomenda-se o provisionamento. Por outro lado, em relação aos fatos geradores anteriores, há fundamentos a justificar o não provisionamento, pois é difícil imaginar razões para não ser aplicada a modulação dos efeitos da decisão que reverteu drasticamente a jurisprudência dominante. De todo modo, a análise deve ser realizada caso a caso por cada contribuinte.


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1 comentário
  1. amanda Diz

    gostei muito do site parabéns 🙂

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