Modulação sobre cobrança do ITCMD cria distinções entre contribuintes

STF conclui julgamento sobre imposto relativo a heranças recebidas do exterior

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O julgamento sobre o pagamento do imposto sobre transmissão causa mortis e doações (ITCMD) relativo a heranças e doações recebidas do exterior foi finalizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas criou situações distintas para os contribuintes. 

A corte já havia decidido que os estados só podem cobrar o imposto com base em uma lei complementar federal, ainda inexistente, que discipline a matéria. No entanto, ainda havia divergência com relação à modulação dos efeitos da decisão — ou seja, a partir de quando ela começaria a valer. Após idas e vindas sobre o assunto, decidiu-se que a data de corte seria 20 de abril de 2021. Isso significa que, a partir dela, não incide ITCMD sobre heranças e doações recebidas do exterior até que seja editada uma lei complementar federal sobre o assunto. 

Conforme explica Paulo Coimbra, sócio do Coimbra, Chaves & Batista Advogados, a modulação criou distinções entre os contribuintes. Quem não pagou o imposto até a data de referência, mas entrou com uma ação judicial, não precisa pagá-lo. Quem não pagou, mas não entrou na Justiça, pode ingressar a partir de agora, argumentando que o pagamento do ITCMD não foi feito porque era inconstitucional a cobrança por lei estadual sem prévia lei complementar federal.

Já aqueles que pagaram o imposto até a data podem entrar com uma ação pleiteando a restituição, mas Coimbra considera que as chances de êxito são remotas por conta da modulação. “Infelizmente, percebe-se uma excessiva leniência de nossa Corte Suprema com inconstitucionalidades tributárias. Em prol da proteção do Erário, sacrifica-se a própria Constituição e a segurança jurídica, estimula-se a já superlativa litigiosidade entre fisco e contribuintes e são fornecidas indevidas vantagens ao Estado em decorrência da edição de leis inconstitucionais”, afirma o advogado.

A seguir, Coimbra esclarece aspectos relevantes relativos à modulação dos efeitos da decisão.


O que prevê a modulação de efeitos da decisão referente à incidência de ITCMD sobre heranças recebidas do exterior?

Paulo Coimbra: Na ADI 6834 o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) modulou os efeitos de decisões da corte em ADIns sobre leis estaduais que disciplinam o ITCMD, de forma que elas passem a produzir efeitos a partir de 20 de abril de 2021.

Essa é a data de publicação do acórdão proferido no RE 851.108, julgamento no qual o STF definiu que Estados não podem criar leis para tributar doações e heranças de bens no exterior, sem que haja lei complementar federal exigida constitucionalmente.

Assim, 14 leis estaduais sobre o tema foram declaradas inconstitucionais, por não cumprirem o estipulado no tema 825 de repercussão geral, em que resta vedado aos estados e ao Distrito Federal instituírem o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem prévia regulamentação por lei complementar federal.


Como fica a situação de contribuintes que não pagaram o ITCMD referente à herança recebida do exterior antes de 20 de abril de 2021, mas que não ingressaram com ações na Justiça? Eles ainda podem acionar a Justiça para questionar a necessidade de pagamento do imposto? Qual é a chance de sucesso? 

Paulo Coimbra: Os contribuintes que não pagaram o ITCMD antes da data-referência à modulação dos efeitos da decisão da ADI 6834, mas também não ingressaram na Justiça, podem ingressar a partir de agora, sob o argumento de que não realizaram o pagamento do ITCMD por considerarem inconstitucional a cobrança por lei estadual sem prévia lei complementar federal.

A modulação feita pelo STF não deve impedir, em nosso sentir, a avaliação da questão pelos demais juízes em seu controle difuso de constitucionalidade. Especificamente no caso da incidência do ITBI, a questão comporta discussões bastante complexas sobre a extensão da soberania estatal e seu decorrente poder de tributar. 

Não se pode decidir a questão apenas no âmbito intrafederativo, sem enfrentar a questão se a República Federativa do Brasil pode tributar, por exemplo, a herança de imóveis situados no território de outro país. Há, portanto, questões relativas à dupla ou mesmo pluritributação que precisam ser enfrentadas.


Como fica a situação de contribuintes que pagaram o ITCMD referente à herança recebida do exterior antes de 20 de abril de 2021? Eles podem pleitear a restituição dos valores pagos?

Paulo Coimbra: Os contribuintes que realizaram o pagamento do ITCMD em data anterior à 20 de abril de 2021 podem pleitear a restituição dos valores pagos, com base na inconstitucionalidade da cobrança, na medida em que a Constituição assegura amplo acesso ao Judiciário. 

Entretanto, as chances de êxito desse pleito seriam bastante remotas, mercê da modulação realizada. Infelizmente, percebe-se uma excessiva leniência de nossa Corte Suprema com inconstitucionalidades tributárias. Em prol da proteção do Erário, sacrifica-se a Constituição e a segurança jurídica, estimula-se a já superlativa litigiosidade entre fisco e contribuintes e são fornecidas indevidas vantagens ao Estado em decorrência da edição de leis inconstitucionais.


Alguns argumentam que a modulação cria tratamentos distintos para contribuintes na mesma situação. Qual é a sua avaliação sobre esse argumento?

Paulo Coimbra: Infelizmente, a crítica é procedente. A modulação com base no argumento ad terrorem do consequencialismo, para a proteção do Erário, fere irremediavelmente a isonomia. 

Nesse contexto de leniência com inconstitucionalidades, aqueles contribuintes que desejarem ter a chance de ter seu direito reconhecido de forma efetiva precisam recorrer ao Judiciário antes de uma eventual modulação da questão pelo STF. Lastimável essa nova dinâmica que gera a práxis não raro adotada pelo Supremo, incentivadora e fomentadora de conflitos, na contramão do desejável consensualismo.

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