Começam em Brasília movimentos em torno da reforma tributária

Executivo enviou ao Congresso proposta que envolve, entre outros pontos, unificação de PIS e Cofins

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Depois de longos anos de discussões e embates, de muito vaivém de sugestões esparsas e de projetos mais robustos, começa a se consolidar em Brasília um movimento relacionado à reforma tributária. No último dia 21 de julho, o governo federal enviou ao Congresso Nacional uma primeira parte de sua proposta de alteração estrutural do sistema de cobrança de impostos no País.

Em linhas gerais, esse plano inicial inclui a unificação do PIS e da Cofins sob a CBS (contribuição social sobre operações com bens e serviços), cuja alíquota foi fixada em 12%. O governo também sugere seletividade na cobrança de imposto sobre produtos industrializados, uma reforma nas regras do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas e tributação de dividendos.

A tramitação não deve ser nada trivial, a exemplo do que aconteceu durante a reforma da previdência. Como destaca Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados, os temas e discussões inerentes a uma reforma tributária são marcados por uma complexidade superlativa. Ele lembra que no Brasil, historicamente, há pouca confiança entre os entes federados e que uma sucessão de recordes de arrecadação pela União inviabilizou quaisquer chances de êxito na tramitação de propostas anteriores.

Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, observa que uma boa reforma não depende exclusivamente de empenho do Executivo federal. “Os tributos de alta complexidade que atualmente mais impactam uma potencial simplicidade do sistema são justamente os impostos sobre consumo, ISSQN e ICMS, de competências municipal e estadual, respectivamente. Assim, ainda que o governo federal tome a frente nas propostas de reforma, não se pode falar que, por si só, poderá alavancar uma reforma razoável”, afirma.

A seguir, Coimbra e Braichi falam desses pontos e também de questões como a eventualidade de criação de uma “nova CPMF” e dos efeitos da pandemia como gatilho para o processo. 


Depois de muitos anos de discussões e embates, começa a se consolidar em Brasília um movimento relacionado à reforma tributária. Quais são as suas primeiras impressões sobre os debates ora em curso?

Os temas e discussões inerentes a uma reforma tributária são marcados por uma complexidade superlativa. Historicamente, um contexto de pouca confiança entre os entes federados, associado a uma sucessão de recordes de arrecadação pela União, inviabilizou quaisquer chances de êxito na tramitação de propostas anteriores.

A União, que deveria encabeçar a reforma tributária, a despeito dos repasses que é obrigada a fazer, concentra aproximadamente 70% de todos os tributos arrecadados no Brasil. Há uma concentração de poderes financeiros muito preocupante e pouco saudável para nosso federalismo. Essa é uma fonte de graves distorções no federalismo brasileiro: o ente federado mais distante dos cidadãos é o que mais arrecada. E no longo percurso de Brasília até as genuínas e candentes necessidades dos cidadãos, sobretudo os mais carentes, há muita ineficiência e deficiência na aplicação do recursos públicos.

Já os estados, grandes interessados, não se entendem. Em sua grande maioria, se envolveram em guerras fiscais travadas em torno do ICMS e do IPVA e em disputas políticas decorrentes de interesses divergentes entre estados de diferentes regiões.

Os municípios são, em geral, os mais prejudicados no contexto atual. São cerca de 5,6 mil municípios que, em conjunto, não chegam a arrecadar 7% dos tributos no Brasil, apesar de serem os entes mais próximos dos cidadão. Um total disparate.

A iniciativa privada, que deveria ser a maior interessada na reforma tributária, até então, salvo raras iniciativas isoladas, tem tido um papel ínfimo no debate. Essa omissão contrasta com a luta em torno do protagonismo que se observa entre os políticos. Nesse cenário, não será fácil obter avanços que venham ao encontro dos anseios e necessidades da sociedade brasileira.

Um dos pontos que merece atenção, nas principais propostas em discussão, se refere à tributação dos serviços, que pode sofrer um aumento exponencial.

O sistema tributário brasileiro, sem dúvida, é bastante complexo e necessita urgentemente de reforma. Hoje, há duas principais propostas de emenda à Constituição com trâmite avançado, as PECs nº 45 e nº 110. Elas criam um tributo sobre valor adicionado (IVA), o chamado IBS, que abarcaria tributos federais (no caso da PEC nº 45, IPI, contribuição ao PIS e Cofins), impostos estaduais e municipais (ICMS e ISSQN).  

Com a controvérsia a respeito do tema, ganha força a proposta de início da reforma a partir de um suposto IVA federal, que só vai unir a contribuição ao PIS e a Cofins. Todavia, não me parece ser a melhor estratégia. Em verdade, o grande desafio da reforma tributária brasileira volta-se aos impostos estaduais e municipais, os quais não são alcançados por um IVA federal.  

De todo modo, os singelos passos no sentido de concretização da reforma são importantes, ainda que não correspondam às principais expectativas, sendo necessário reconhecer a evolução desse processo. 

 


Na sua opinião, o governo federal tem hoje condições de capitanear uma reforma tributária da magnitude que o País precisa?

Aparentemente, o atual Poder Executivo da União, diferentemente dos seus antecessores, revela um desejo genuíno de avançar com a reforma tributária. Algumas de suas posições, reflexos das convicções isoladas de alguns de seus representantes — a exemplo da CPMF (ou congênere) — têm sido um considerável obstáculo na busca dos entendimentos necessários.

Idealmente, a reforma tributária, em síntese, simplificaria o sistema brasileiro. Mas essa meta definitivamente não me parece simples, na medida em que depende de muitas variáveis. Além disso, o governo federal, isoladamente, não é capaz de solucionar o problema de guerra fiscal entre os entes federados. Os tributos de alta complexidade que atualmente mais impactam uma potencial simplicidade do sistema são justamente os impostos sobre consumo, ISSQN e ICMS, de competências municipal e estadual, respectivamente. Assim, ainda que o governo federal tome a frente nas propostas de reforma, não se pode falar que, por si só, poderá alavancar uma reforma razoável. 

 


Qual a sua avaliação sobre as negociações em torno da criação de uma contribuição assemelhada à antiga CPMF?

A CPMF, e tributos similares, que têm incidência cumulativa, são extremamente prejudiciais à economia nacional. Conduzem, de forma inexorável, à majoração do custo dos produtos nacionais (já bastante elevado), prejudicando sua competitividade no mercado internacional.

Foi comentado pelo governo o intuito de criar um tributo que incida sobre as transações, ideia inicialmente rechaçada pelo Congresso Nacional. O tributo buscaria ampliar a base de arrecadação, englobando os principais players da economia contemporânea, que atuam no comércio eletrônico. Apesar das críticas ao aumento da base arrecadatória, a ideia do governo é abarcar setores não tributados para que possa reduzir a carga tributária em áreas mais oneradas, como, por exemplo, ampliando a desoneração da folha de pagamentos. Assim, o governo federal necessitará de outra fonte de receita para que consiga desonerar a folha salarial. Nessa lacuna entra a proposta de tributação de transações eletrônicas que, aos olhos dos contribuintes, muito se parece com a CPMF.  

Entretanto, introduzir novos tributos — o que não se confunde com a aglutinação de tributos em um novo IVA — não me parece ser a melhor solução. Isso porque o principal problema a ser enfrentado é a complexidade do sistema tributário vigente, de sorte que a simplificação da tributação sobre o consumo acabaria por promover uma distribuição de renda mais igualitária, suavizando a carga tributária suportada pelo consumidor. Essa simplificação seria mais eficiente, a meu ver, do que a oneração do comércio eletrônico em prol do esvaziamento da carga tributária em outros setores.

 


Até que ponto a situação de pandemia e crise econômica ajuda — ou atrapalha — as negociações em torno de um tema tão intrincado quanto a reforma tributária?

O desconforto, em geral, tende a favorecer mudanças. Mas gera o risco de mudanças menos refletidas, inspirando cuidado e cautela.

As tratativas da reforma tributária, dado o tamanho do impacto em todos os setores do País, certamente são delicadas. Apesar de o momento de crise suscitar os anseios públicos pelos avanços no sistema tributário, que podem contribuir para o aquecimento da economia após a pandemia, é importante lembrar que ela não pode ser gatilho para a aprovação de algo impensado. Sobretudo diante do volume de contencioso judicial em assuntos tributários, destaca-se a necessidade de detalhamento na PEC a ser aprovada. É imprescindível que não ampliem as margens de insegurança jurídica e dúvida aos contribuintes que já existem. Por isso, mesmo diante de um cenário de crise, que incita a discussão sobre a urgência de mudanças, há de se ter em mente que não é possível realizar uma reforma coerente e completa de modo imediato.  

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