Tributação de subvenções aumentará carga de impostos

MP 1.185/23 muda radicalmente a sistemática de tributação de benefícios fiscais do ICMS

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As empresas terão um aumento de carga tributária se a Medida Provisória 1.185/23 (MP 1185), enviada pelo governo ao Congresso Nacional, for aprovada. A medida propõe que incentivos fiscais de ICMS concedidos por Estados para atrair e reter empresas passem a ser tributados por impostos federais (IRPJ, CSLL, Pis e Cofins). Atualmente, respeitadas algumas condições, as empresas que receberam subvenções podem deduzi-las das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, o que reduz o valor a pagar dos impostos federais.

A MP também retomou um conceito que já se considerava superado por uma importante decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de abril deste ano: a distinção entre subvenção para custeio e para investimento. Essa diferença existia até 2017, quando foi editada a Lei Complementar 160/17 (LC 160/17). Quando uma empresa estava aumentando sua capacidade produtiva ou fazendo um novo investimento e recebia benefício do ICMS para isso, não havia a incidência de IRPF e CSLL sobre o valor da subvenção. No segundo caso, o custeio, os impostos eram cobrados. A LC 160/17 considerou todas as subvenções como de investimento, mas a Receita Federal continuou autuando contribuintes e exigindo a comprovação dos investimentos.

Na decisão relativa ao Tema 1.182, o STJ considerou que o contribuinte poderia abater os benefícios fiscais do ICMS da base de cálculo dos impostos federais se as subvenções forem registradas como reservas de lucros específicas no patrimônio líquido, utilizando-a apenas para a absorção de prejuízos ou aumento de capital social . Ou seja, o STJ não discutiu os conceitos de subvenção para custeio ou para investimento – pois a LC 160/17 considerou todas as subvenções como para investimento – e sim decidiu que não seriam tributados os contribuintes que atendessem os requisitos previstos no artigo 10 da LC 160/17 e no artigo 30 da Lei 12.973/14.

Bianca Mareque e Raphael Castro, associados do Vieira Rezende Advogados, consideram que a MP 1.185/23 vai além do que foi decidido pelo STJ, ao prever que as receitas oriundas de incentivos fiscais deverão ser tributadas pelos quatro tributos. No caso do IRPJ, os valores recolhidos gerarão créditos, mas estes não serão nem automáticos  nem imediatos – a empresa deverá se habilitar perante a Secretaria Especial da Receita Federal. E esse crédito vale para empresas que receberam subvenção para a implantação ou a expansão do empreendimento econômico.

MP 1.185/23 e o aumento da carga tributária

“Esse cenário tende a reduzir drasticamente os impactos positivos dos benefícios fiscais concedidos pelos entes federativos, já que se está diante de um cenário de significativo aumento da carga tributária imposto às empresas que tenham direito à fruição desses benefícios”, consideram Mareque e Castro.

Pedro Simão e Marina Guimarães, associados do Freitas Ferraz Advogados, concordam:A partir das alterações propostas, caso aprovada como lei, deverá ocorrer um aumento na carga tributária atual.” Eles lembram que, além da tributação de valores que antes podiam ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, somente certas receitas relacionadas à implantação ou expansão do empreendimento econômico poderão ser computadas na apuração do crédito fiscal a ser criado. Outro ponto é que mesmo quando o contribuinte tiver crédito a receber, ele vai pagar os quatro impostos federais sobre os valores da subvenção, mas receberá em retorno apenas o crédito referente a um dos impostos, o IRPJ – de forma que não é possível afirmar quando e como o crédito será retornado ao contribuinte.

Para os advogados do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende, há vários pontos na MP 1.185/23 (caso seja convertida em lei) que podem ser questionados na Justiça pelo contribuinte. O governo estimava arrecadar 35,3 bilhões de reais com a medida. Mas, dada a reação que ela suscitou, estuda-se que ela seja transformada em Projeto de Lei.

Na entrevista abaixo, Mareque, Castro, Simão e Guimarães abordam os principais pontos da medida.


O que a MP 1.185/23 mudou com relação à tributação de benefícios fiscais do ICMS? Como vão funcionar os créditos financeiros sobre o valor da subvenção?

Bianca Mareque e Raphael Castro: O Governo Federal alterou por completo a atual sistemática de tributação dos benefícios fiscais de ICMS por meio da Medida Provisória 1.185/2023.

Sobre esse tema, vale recordar que, diante do antagonismo das teses propostas pelos contribuintes e pelo Fisco acerca da tributação ou não das subvenções para custeio e para investimento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento no sentido de que não serão tributados os contribuintes que atendam os requisitos previstos no artigo 10 da Lei Complementar nº 160, de 2017 e no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014.

Por outro lado, a redação trazida pela referida MP vai além do que foi decidido pelo STJ, ao prever que as receitas oriundas de incentivos fiscais deverão ser tributadas pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), pela Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e pelas contribuições ao Programa de Integração Social (PIS), em contrapartida ao recebimento de um crédito fiscal referente ao valor das subvenções.

No entanto, há que se destacar que, a partir dessa nova sistemática, apenas os valores recolhidos a título de IRPJ gerarão créditos, cujo aproveitamento não será automático e nem imediato.

Além disso, a MP 1.185/2023 prevê que poderá ser beneficiária do crédito fiscal da subvenção para investimentos a pessoa jurídica habilitada perante a Secretaria Especial da Receita Federal. Sobre isso, deve-se destacar que o artigo 4º da MP foi cuidadoso ao indicar os requisitos necessários à referida habilitação.

Adiante, o artigo 7º da MP indicou quais são as receitas de subvenção que compõem referido crédito fiscal, sendo elas: as que estejam relacionadas com a implantação ou a expansão do empreendimento econômico; e as que sejam reconhecidas após a conclusão da implantação ou da expansão do empreendimento econômico; e do protocolo do pedido de habilitação da pessoa A MP é expressa ao indicar que não integrarão o crédito fiscal:

  • as receitas não relacionadas com as despesas de depreciação, amortização ou exaustão relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico;
  • a parcela das receitas que superar o valor das despesas mencionadas no item anterior;
  • a parcela das receitas que superar o valor das subvenções concedidas pelo ente federativo;
  • as receitas que não tenham sido computadas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL;
  • as receitas decorrentes de incentivos do IRPJ e do próprio crédito fiscal de subvenção para investimento; e,
  • as receitas reconhecidas após 31/12/2028.

Esse cenário tende a reduzir drasticamente os impactos positivos dos benefícios fiscais concedidos pelos entes federativos, já que se está diante de um cenário de significativo aumento da carga tributária imposto às empresas que tenham direito à fruição desses benefícios.

Pedro Simão e Marina Guimarães: A concessão de subvenções resulta em isenção ou redução nos tributos estaduais pagos pelas companhias, com objetivo de estimular a criação ou expansão de suas operações. Esse tipo de benefício acaba por reduzir a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. No entanto, foi publicada em 30/08/2023, a MP 1.185/23 que trouxe importantes alterações na tributação de tais incentivos fiscais, ao revogar dispositivos que tratavam, até então, da desoneração relativa ao IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Sendo assim, caso seja aprovada, qualquer subvenção passará a ser tributada pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, independentemente da natureza do benefício e da constituição de reserva.

Apesar disso, está prevista a concessão de crédito fiscal de IRPJ para alguns tipos de subvenção para investimento, para as empresas optantes pelo regime do lucro real. Esses créditos poderão ser utilizados para fins de compensação com débitos próprios, de tributos federais, e para ressarcimento em dinheiro.

As subvenções alcançadas pelos novos créditos deverão envolver a fixação de condições e contrapartidas, a serem observadas pelas pessoas jurídicas beneficiadas. Os créditos serão limitados a receitas de subvenção para implementação de novos projetos ou para a expansão de empreendimentos existentes, e que sejam reconhecidas após a conclusão dessas fases do empreendimento econômico.

O conceito de “implantação” se refere à subvenção relacionada a empreendimento em localização geográfica em ente federado distinto daquele onde a pessoa jurídica beneficiada tem domicílio. Nesse mesmo sentido, o conceito de “expansão” é direcionado a subvenções para ampliação da capacidade, modernização ou diversificação da produção de bens ou serviços do empreendimento econômico, ainda que seja no mesmo domicílio da pessoa jurídica beneficiada.

Além disso, há previsão de necessária habilitação pela Receita Federal do Brasil (RFB), com exigência de ato concessivo que seja anterior à implantação ou expansão do empreendimento, e que estabeleça as condições e contrapartidas a serem observadas. Ainda, na apuração do crédito fiscal, não poderão ser computadas: a parcela das receitas que superar o valor das subvenções concedidas pelo ente federativo; as receitas que não tenham sido computadas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL; as receitas decorrentes de incentivos do IRPJ e do próprio crédito fiscal de subvenção para investimento; as receitas reconhecidas após 31 de dezembro de 2028.

Por fim, o crédito fiscal será apurado na Escrituração Contábil Fiscal (ECF) do ano-calendário do reconhecimento das receitas de subvenção, mediante o produto das receitas de subvenção e a alíquota do IRPJ, inclusive a alíquota adicional, vigentes no período de reconhecimento.


Os conceitos de subvenção para custeio (tributáveis) e para investimento (não tributáveis) ainda são válidos? Ou foram alterados em função da MP 1.185/23?

Bianca Mareque e Raphael Castro: A Lei Complementar nº 160/17, ao alterar a redação do artigo 30, da Lei nº 12.973/14, colocou fim à distinção que existia em relação às subvenções para investimentos e custeio. Nesse sentido, a partir da LC nº 160, de 2017, passou-se a prever, simplesmente, que “incentivos e benefícios fiscais ou financeiros-fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal são considerados subvenções para investimentos”.

A partir dessa alteração, os contribuintes passaram a defender que inexistiria diferença entre os benefícios de ICMS; enquanto a Receita Federal propunha uma visão mais restritiva.

Por seu turno, o STJ, ao enfrentar o tema, superou essa discussão, ao decidir, de forma objetiva, que os contribuintes que cumprissem o previsto no artigo 10 da LC nº 160/2017 e no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014, poderiam deduzir os valores das subvenções da base de cálculo do IRPJ e CSLL.

No entanto, a MP 1.185/23 trouxe, novamente, essa diferenciação. Isso porque limitou o crédito fiscal a ser apurado exclusivamente aos valores referentes às subvenções para investimento, ao prever, já no caput do seu artigo 1º, que “a pessoa jurídica tributada pelo lucro real que receber subvenção da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para implantar ou expandir empreendimento econômico poderá apurar crédito fiscal de subvenção para investimento” (grifos nossos).

Pedro Simão e Marina Guimarães: Benefícios fiscais de ICMS passaram a ser expressamente incluídos no conceito de subvenção para investimentos (e não mais subvenção para custeio), a partir da entrada em vigor da Lei Complementar nº 160/2017. No julgamento em sede de recurso repetitivo (Tema 1.182), o STJ estabeleceu que a exclusão dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e CSLL só seria possível se observados os requisitos previstos no artigo 30 da Lei 12.973/2014. Porém, a MP 1.185/23 revoga esse artigo, não sendo mais possível estabelecer a equiparação legal de subvenção para custeio e de investimento.

Apesar da revogação do artigo, entendemos que os conceitos de subvenção para investimento ou custeio não deixam de existir. No entanto, a diferenciação entre esses dois tipos de benefício deixa de ser o único fator determinante para a dedução dos valores das bases do IRPJ e da CSLL.

Além disso, é preciso aguardar o prazo necessário de tramitação da medida provisória para garantir que ela será transformada em lei e aplicada a partir de 2024.


– Com as mudanças trazidas pela MP 1.185/23, haverá aumento da carga tributária para os contribuintes? Em caso positivo, já é possível quantificá-lo e apontar quais empresas podem ser mais afetadas?

Bianca Mareque e Raphael Castro: A MP 1.185/23 altera toda a sistemática referente à tributação dos benefícios fiscais concedidos pelas entidades federativas. Isso porque, se na vigência do artigo 30, da Lei nº 12.973/14, a previsão é pela possibilidade de dedução desses valores da base de cálculo do IPRJ e CSLL (observada algumas condições legais), com o advento da MP 1.185/23 tais valores deverão ser tributados pelos contribuintes, com a possibilidade de apuração de crédito fiscal de subvenção para investimento.

Da análise da nova legislação, é de se observar a possibilidade de majoração da carga tributária para os contribuintes que tenham direito à fruição de benefícios fiscais concedidos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e por algumas razões.

Uma delas se dá pelo fato de que o novo regramento retoma a diferenciação entre subvenção para investimentos e subvenção para custeio e limita o crédito fiscal a que o contribuinte terá direito às subvenções para investimento. Além disso, o normativo traz diversas condições ao reconhecimento da subvenção para investimento, e muitos deles que haviam sido superados pelo STJ quando do julgamento do Tema Repetitivo nº 1.182.

Não só isso, mas porque a MP 1.185/23 também aumenta a carga tributária dos contribuintes ao limitar o crédito a ser apurado a 25% referente ao IRPJ. Isso porque, se agora é possível a dedução dos valores da base de cálculo do IPRJ e da CSLL, referido crédito se limitará ao IPRJ, além de prever, de forma expressa, que não será possível excluir os valores referentes aos benefícios fiscais da base de cálculo do PIS e da COFINS e limitar o valor das receitas de subvenções que poderão compor o valor do crédito fiscal.

Por fim, vale destacar mais um ponto negativo da MP 1.185/23, e que compromete o fluxo de caixa das empresas. Considerando que os créditos serão apurados na Escrituração Contábil Fiscal (ECF) relativa ao ano-calendário do reconhecimento das receitas de subvenção, primeiro o contribuinte deverá tributar os valores, para apenas no ano seguinte receber os respectivos créditos.

Nesse cenário, são diversos os pontos a serem observados pelos contribuintes, que quantificam a majoração da carga tributária. Além disso, todas as empresas que disponham de benefícios fiscais estão sujeitas às disposições da MP 1.185/23.

Pedro Simão e Marina Guimarães: A partir das alterações propostas, caso aprovada como lei, deverá ocorrer um aumento na carga tributária atual. Isso porque os valores que antes poderiam ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL passariam a ser tributados como outras receitas. Além disso, na apuração do crédito fiscal a ser criado, somente certas receitas relacionadas à implantação ou expansão do empreendimento econômico poderão ser computadas.

De forma prática, mesmo quando houver a apuração de crédito fiscal, o contribuinte pagará IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre os valores da subvenção concedida, e receberá em retorno apenas o crédito referente ao valor de IRPJ. Outrossim, não é possível afirmar quando e como o crédito será retornado ao contribuinte.

Quanto às entidades afetadas, entendemos que o varejo e a indústria deverão ser muito impactados, tendo em vista o cenário vigente de benefícios fiscais de ICMS.


– Há pontos na MP 1.185/23 que podem ser questionados pelos contribuintes, caso a medida seja aprovada? Qual seria o embasamento?

Bianca Mareque e Raphael Castro: Há diversos aspectos da MP 1.185/23 que podem ser questionados, e principalmente pelo fato de que ela altera por completo as regras antes observadas pelos contribuintes quanto à tributação dos benefícios fiscais meses depois da decisão do STJ que tratou e pacificou o tema.

Do ponto de vista formal, é possível questionar a possibilidade/necessidade de a matéria ser tratada via Medida Provisória e até mesmo a urgência da medida, vez que prevê alterações apenas para o ano de 2024.

No entanto, não apenas quanto ao aspecto formal, como é possível questionar as limitações impostas pelo normativo para fins de tributação dos valores e apuração dos créditos e diferenciações de natureza jurídica dos benefícios fiscais que não foram observados pela MP 1.185/23.

Pedro Simão e Marina Guimarães: Um ponto de questionamento é a possível ofensa ao pacto federativo. Em primeira análise, ao receber um benefício fiscal estadual, o contribuinte terá de pagar tributos federais sobre o valor. Assim, enquanto o ente federativo estadual tem sua receita reduzida, devido à concessão de subvenção, a União extrapolaria seus limites impostos pelo pacto federativo, recebendo parte do desconto ou da isenção concedidos. As mudanças mencionadas irão gerar também um cenário de insegurança jurídica e o próprio aumento no contencioso tributário sobre a questão.

Adicionalmente, como dito, é preciso aguardar a medida provisória e a sua aprovação posterior, quando então poderá ser avaliado o respeito ao princípio da anterioridade e da não surpresa.


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