Decisão do STJ abre precedente favorável a contribuintes

Corte entende que benefícios fiscais de ICMS são equiparados a subvenção para investimento

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As empresas que contam com benefícios fiscais do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) ganharam mais segurança jurídica após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu que todos os benefícios fiscais de ICMS são equiparados a subvenção para investimento e, portanto, não podem ser tributados pelo imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ) e pela contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL). 

“Em termos práticos, empresas que possuam benefícios fiscais de ICMS, como isenções e reduções de base, podem se valer do tratamento diferenciado para fins de IRPJ e CSLL, desde que atendido os requisitos de registro em reserva de lucros e utilização dos valores da reserva somente em determinadas hipóteses (previstas no artigo 30)”, afirma Romero Marinho, associado do Freitas Ferraz Advogados. O artigo 30 a que Marinho se refere é da Lei 12.973/14, e estabelece como requisito que os valores referentes às subvenções para investimento sejam mantidos em reserva de lucros, mantendo o benefício fiscal dentro da empresa e impedindo a sua distribuição. 

Ao receber um benefício do ICMS, a base tributável da empresa costuma aumentar: “Esses benefícios fiscais geralmente têm como reflexo o registro de receitas contábeis, que aumentam a base tributável do IRPJ e da CSLL das empresas”, explicam os advogados Michel Siqueira Batista e Caio Persici, associados do Vieira Rezende Advogados. Então, por um lado, a empresa obtinha um benefício de um governo estadual (ICMS), mas, por outro, ocorria um aumento da base de cálculo sobre a qual incidiam impostos federais (IRPJ e CSLL).

A questão julgada remonta a 2017, até quando havia uma diferença importante com relação às subvenções, que eram divididas entre isenções para investimentos ou para custeio. Sobre as primeiras, não incidia IRPF e CSLL, pois se considerava que as empresas que recebiam o benefício dariam contrapartidas, como o aumento da capacidade produtiva ou do número de empregos. Já sobre as segundas, incidia o IRPF e a CSLL. 

Mas todas as subvenções passaram a ser equiparadas às de investimento após a edição da Lei Complementar 160, em 2017, e com alteração da Lei 12.973/14. Com isso, a tributação deixou de existir para todas – mas a Receita Federal continuava exigindo que os contribuintes demonstrassem que fizeram investimentos, para que a tributação não incidisse. No caso analisado pela 2ª Turma do STJ, uma empresa pleiteava o não pagamento do IRPF e CSLL de uma isenção fiscal obtida com o ICMS. Um dos argumentos foi o de que a tributação feria o pacto federativo, já que os Estados têm liberdade para conceder benefícios fiscais, mas que seriam afetados pela tributação federal. 

Batista e Persici consideram que a decisão do STJ é um precedente favorável aos contribuintes, mas lembram que ainda existe uma discussão sobre se a tributação sobre a receita contábil decorrente do benefício fiscal violaria o pacto federativo ou não. O pacto federativo pressupõe que os diversos entes federativos podem exercer de forma independente suas competências constitucionais. 

“Os efeitos práticos da discussão são que, caso se entenda que há violação, a não tributação da receita seria uma decorrência da Constituição, assim não se poderia estabelecer restrições via legislação ordinária. Em sentido contrário, se a não tributação da receita for decorrência de uma norma infraconstitucional, a legislação poderia estabelecer requisitos, como a criação de reservas, que restringira distribuição de lucros”, explicam os advogados do Vieira Rezende. Esses requisitos são os do artigo 30 da Lei 12.973/14. No entanto, há duas decisões do STJ baseadas em aspectos diferentes, explicam os advogados. Eles lembram que, ao julgar o EREsp 1.517.492/PR (precedente que tratou de benefício na forma de crédito presumido), o STJ afastou a tributação com fundamento no pacto federativo. Mas, no caso recentemente julgado (EDcl no REsp 1.968.755/PR), o STJ fundamentou a não incidência com base na Lei Complementar 160/17 e na Lei 12.973/14, sugerindo, portanto, a possibilidade de restrições à utilização do benefício.

Na entrevista abaixo, Batista, Persici e Marinho detalham o surgimento da questão e o julgamento do STJ. 


Como se originou a questão analisada pela 2ª turma do STJ com relação à subvenção para investimento?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: Para entender a discussão atual sobre o tema, é importante se atentar à evolução do assunto nos últimos anos. Até 2017, existia uma diferenciação importante para fins tributários entre as chamadas subvenções para investimento (benefícios fiscais que exigiam contrapartidas do contribuinte, como a geração de determinado número de empregos ou a construção de um parque fabril) e as chamadas subvenções para custeio (benefícios fiscais concedidos sem nenhuma exigência).

Esses benefícios fiscais geralmente têm como reflexo o registro de receitas contábeis, que aumentam a base tributável do IRPJ e da CSLL das empresas.

O entendimento então existente era de que somente as receitas geradas em decorrência das subvenções para investimento é que não deveriam ser oferecidas à tributação pelo IRPJ/CSLL, ao passo que aquelas decorrentes de subvenções para custeio seriam tributadas normalmente.

Com a edição da Lei Complementar 160, de 7 de agosto de 2017, bem como alteração na Lei 12.973/14, essa diferença foi dirimida, de modo que os benefícios fiscais, independentemente da existência ou não de contraprestação atrelada, passaram a contar com previsão legal de que não deveriam ser oferecidos à tributação para o IRPJ e a CSLL.

O único requisito previsto pela lei passou a ser que os valores fossem mantidos em reserva de lucros, o que na prática impediria a distribuição dos valores, mantendo o benefício fiscal dentro da empresa.

Apesar disso, a Receita Federal continuou a defender que seria necessário a comprovação pelo contribuinte de que o benefício fiscal houvesse sido concedido como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, editando, inclusive, a Solução de Consulta 145 em 2020 nesse sentido.

Foi nesse contexto que surgiu o caso julgado pelo STJ, em que um contribuinte do setor alimentício localizado no sul do país pleiteou ao Judiciário a exclusão das bases do IRPJ e da CSLL de uma isenção de ICMS na venda de produtos componentes de cesta básica para consumidores finais, sob o argumento de que seu benefício fiscal cumpriria os requisitos previstos na legislação e que existiria precedente favorável do STJ (EREsp 1.517.492/PR), baseado ainda no argumento de que a tributação de benefícios fiscais feriria o pacto federativo (exercício independente  das competências constitucionais entre os entes federativos).

Após ter seu pleito concedido em primeira instância, a empresa obteve decisão desfavorável no TRF da 4ª Região, a qual foi agora revertida pelo STJ.

Romero Marinho: As discussões em torno do recolhimento de IRPJ e CSLL sobre valores registrados contabilmente como subvenção para investimento possuem diversos contornos. Especificamente sobre a questão analisada pela 2ª Turma do STJ, a questão tem origem na publicação da Lei Complementar 160/17, que alterou a redação do artigo da Lei 12.973/14, para equiparar todas as subvenções concedidas pelos Estados à subvenção para investimento.

Nessa equiparação, restaram duas dúvidas: sobre o aparente conflito do artigo 30 da Lei 12.973/14, no qual o § 4º se limita a informar, de forma ampla, que as subvenções concedidas pelos Estados são consideradas como subvenções para investimento, e sobre a redação do caput do artigo, que dispõe que a não tributação por IRPJ e CSLL se aplica às subvenções para investimento concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.


Qual foi o entendimento da 2ª turma do STJ sobre os benefícios fiscais de ICMS, proferido por embargos de declaração?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: Dois pontos importantes devem ser destacados com relação ao julgado. Primeiro, sem dúvida a decisão do STJ é um importante precedente favorável aos contribuintes, uma vez que demonstra que para os ministros da corte não há necessidade de comprovação pelo contribuinte de que o benefício fiscal de ICMS tenha sido concedido como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Com relação a esse ponto, a decisão equipara todos os benefícios fiscais de ICMS e conclui que a posição defendida pela Receita Federal na Solução de Consulta 145/20 não merece prosperar. Assim, há substancial incremento na segurança jurídica dos contribuintes com relação ao tema.

Um segundo ponto relevante é a discussão se eventual tributação sobre a receita contábil decorrente do benefício fiscal violaria o pacto federativo ou não.

Os efeitos práticos da discussão são que, caso se entenda que há violação, a não tributação da receita seria uma decorrência da Constituição, assim não se poderia estabelecer restrições via legislação ordinária. Em sentido contrário, se a não tributação da receita for decorrência de uma norma infraconstitucional, a legislação poderia estabelecer requisitos, como a criação de reservas, que restringira distribuição de lucros.

Ao julgar o EREsp 1.517.492/PR (precedente que tratou de benefício na forma de crédito presumido), o STJ afastou a tributação com fundamento no pacto federativo.

No caso recentemente julgado (EDcl no REsp 1.968.755/PR), cujos benefícios objetos da análise eram casos de isenção e redução de base de cálculo, no entanto, o STJ fundamentou a não incidência com base na Lei Complementar 160/17 e na Lei 12.973/14, sugerindo, portanto, a possibilidade de restrições à utilização do benefício.

Romero Marinho: O entendimento foi no sentido de equiparar os benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos Estados à subvenção para investimento.

Em contraposição à decisão do STJ, a Receita Federal entendia que os benefícios de ICMS enquadráveis como subvenção para investimento seriam somente àqueles concedidos pelo Estado especificamente como estímulo à ampliação do empreendimento econômico.

Em termos práticos, empresas que possuam benefícios fiscais de ICMS, como isenções e reduções de base, podem se valer do tratamento diferenciado para fins de IRPJ e CSLL, desde que atendido os requisitos de registro em reserva de lucros e utilização dos valores da reserva somente em determinadas hipóteses (previstas no artigo 30).


Esse entendimento vale também para os créditos presumidos do ICMS? Por quê?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: No caso envolvendo créditos presumidos, o STJ (EREsp 1.517.492/PR) entende que a não tributação seria uma decorrência do pacto federativo, o que impediria que a legislação infraconstitucional impusesse restrições, como a criação de reservas, que por sua vez limitam a distribuição de dividendos gerados a partir dos incentivos.

Assim, pode-se dizer que, no caso de créditos presumidos, o entendimento do STJ é mais amplo e benéfico ao contribuinte do que no precedente recentemente julgado (cujo objeto são benefícios tais quais isenção e redução de base de cálculo).

Romero Marinho: Apesar desse entendimento poder ser utilizado também para créditos presumidos de ICMS, há uma questão mais relevante e benéfica para tais créditos.

O entendimento aplicável para créditos presumidos passa pela impossibilidade de tributação pela União desses montantes sob pena de violação do pacto federativo, na medida em que a União tributar esses benefícios fiscais estaduais, de certa forma, esvaziaria a vantagem pretendida pelos Estados à empresa beneficiária pela transferência de valores por meio dos créditos presumidos.


O entendimento do STJ agora uniformiza o tratamento dado à questão pelos tribunais? Qual é a importância dessa decisão para os contribuintes?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: Com relação à diferenciação entre subvenção para investimento ou para custeio, parece que estamos caminhando para uma pacificação.

Por outro lado, a questão relativa à fundamentação (pacto federativo ou regra infraconstitucional) para exclusão da tributação ainda está indefinida.

Há notícia de que o tema será analisado sob o rito de recurso repetitivo, tendo sido selecionados, por ora, como recursos representativos da controvérsia os Recursos Especiais 1.945.110/RS e 1.987.158/SC.

Romero Marinho: Como dito, o entendimento da 2ª Turma foi no sentido de que os benefícios fiscais de isenção e reduções de ICMS são equiparados a subvenções para investimentos e não são passíveis de tributação pela União desde que atendidos os requisitos do artigo 30 da Lei 12.973/14. Por outro lado, não haveria violação do pacto federativo em caso de tributação dos valores que não se submetam aos requisitos legais, diferentemente do entendimento aplicável aos créditos presumidos de ICMS.

Essa divergência de tratamento entre os créditos presumidos e demais benefícios de ICMS ainda deverá ser submetida à 1ª Seção para uniformização do entendimento, principalmente tendo em vista a existência de decisões divergentes entre as turmas da 1ª Seção.

De toda forma, a atual decisão da 2ª Turma é importante para as empresas na medida em que garante maior segurança jurídica no entendimento já existente de que os benefícios fiscais de ICMS não podem ser tributados por IRPJ e CSLL quando submetidos aos requisitos do artigo 30.

2 Comentários
  1. marcelo Diz

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