Decisão do STJ terá impacto amplo

Empresas, estados e governo federal devem ser afetados por julgamento sobre tributação de benefícios fiscais

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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide em sessão do dia 26 de abril uma importante questão envolvendo os incentivos fiscais concedidos pelos estados para as empresas: eles devem ser tributados pelo imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e pela contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL)?

A decisão impacta o governo federal, os estados e as empresas. “Do ponto de vista dos contribuintes, é necessário lembrar que muitos segmentos dependem da concessão de incentivos de ICMS para aliviar a carga tributária incidente sobre certos tipos de segmentos econômicos, viabilizando a consecução de determinadas atividades que, sob o aspecto econômico, muito dificilmente seriam possíveis sem a concessão de tais benefícios e incentivos”, avaliam Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira, associadas do Vieira Rezende Advogados.

Para os estados, a tributação dos benefícios concedidos significaria uma espécie de transferência do imposto para a União, além de um esvaziamento do potencial de usar a concessão de benefícios como um mecanismo para a atração de investimentos de empresas. Já para o governo federal, que tenta viabilizar um ajuste fiscal largamente baseado no aumento das receitas, a tributação significaria um expressivo aumento da arrecadação.

“Entendemos que a maior relevância deste julgamento está na discussão sobre segurança jurídica em matéria tributária”, consideram Thiago Braichi e Júlia Barreto, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados. Isso porque recentemente uma decisão do STJ excluiu o crédito presumido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL – e a decisão que agora o STJ irá julgar terá efeitos no mesmo sentido, aumentar ou não o IRPJ e a CSLL em razão dos benefícios fiscais.

Nessa decisão, o STJ decidiu com relação ao crédito presumido, de forma contrária à tributação (EREsp 1.517.492/PR). Mas há vários outros tipos de benefícios fiscais, como as isenções, reduções de alíquota, redução da base de cálculo etc. Agora, a corte irá julgar se não deve incidir IRPJ e CSLL sobre esses benefícios e se o entendimento de 2017 – quando se considerou que a tributação dos benefícios violaria o pacto federativo — também vale para os outros casos.

O embasamento da decisão do STJ, caso favorável aos contribuintes, deve ter efeitos práticos. Há duas possibilidades: uma argumentação dos contribuintes é a de que a tributação dos benefícios fiscais viola o pacto federativo — pois os Estados têm liberdade para adotar suas políticas fiscais, e a tributação retiraria um proveito econômico obtido por um incentivo dado pelo Estado. Outra é baseada na Lei Complementar 160/17 (LC 160/17), que equiparou a chamada subvenção para custeio à subvenção para investimento — ou seja, considerou que todos os tipos de subvenção dados pelos Estados e pelo Distrito Federal são considerados para investimento (e, portanto, não podem ser tributados).

Braichi e Barreto, do Freitas Ferraz, explicam que, apesar da LC 160/17, não houve uma análise do Judiciário sobre equiparar esses benefícios, e que agora o STJ irá analisar se todos os benefícios fiscais de ICMS podem ser considerados como subvenção para investimento e, consequentemente, ficar fora da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

As advogadas do Vieira Rezende consideram que, se a questão for decidida com base no pacto federativo, será mais difícil no futuro defender a possibilidade de tributação dos incentivos. “Por outro lado, se a possível decisão favorável for baseada única e exclusivamente na redação conferida ao dispositivo trazido pela LC 160/17, nada impede que a legislação seja alterada futuramente visando à geração mecanismos que permitam a referida tributação, ou que tragam espaço para novas interpretações, fazendo com que a discussão volte à estaca zero”, afirmam.

Braichi e Barreto, do Freitas Ferraz, lembram também que o pacto federativo é uma previsão constitucional e que uma decisão nele fundamentada poderá ser revisitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), trazendo novos contornos para a discussão.

As advogadas do Vieira Rezende consideram ainda que, caso as empresas tenham interesse em discutir o tema judicialmente, devem avaliar o ajuizamento de ação judicial o quanto antes, pois há a possibilidade de que o STJ module os efeitos da sua decisão, caso seja favorável aos contribuintes.

Na entrevista abaixo, Braichi, Barreto, Rosa e Laranjeira explicam a questão e abordam a importância do julgamento.


– Qual é o objeto do julgamento do STJ sobre tributação de incentivos fiscais? No que ele difere de discussões anteriores, nas quais a corte também avaliou questões relacionadas à tributação de incentivos fiscais? 

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira:  O STJ irá julgar o Tema 1.182, por meio do qual se definirá se os benefícios/incentivos fiscais relacionados ao ICMS – devendo ser considerado, neste caso, o conceito “amplo” de benefícios fiscais de forma a abranger as hipóteses de, sem prejuízo de outras, redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento etc. –, devem ser excluídos da base de cálculo a ser considerada para fins do cálculo do IRPJ e da CSLL a recolher.

De fato, pode-se assumir que a questão será, ao menos em parte, revisitada pelo STJ sob um novo prisma, na medida em que o cerne da presente controvérsia já fora analisada por ocasião do julgamento do EREsp 1.517.492/PR. Importante destacar que tal prática não é incomum na rotina dos Tribunais Superiores, já que, por vezes, algumas matérias são trazidas para a análise da Corte de tempos em tempos, seja em razão da necessidade de se realizar uma nova análise, ou, até mesmo, em razão de se mostrar conveniente, por vezes, a oxigenação de certos entendimentos outrora proferidos sobre outro contexto ou circunstância.

No caso sob análise, temos que o STSJ havia analisado a questão apenas em relação à possibilidade de exclusão, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, de incentivo fiscal de crédito presumido de ICMS; agora, no entanto, a questão será analisada em relação a quaisquer incentivos/benefícios fiscais de ICMS, como uma “extensão do entendimento firmado no EResp 1.517.492”.

Vale destacar que, naquele caso, a corte entendeu pela impossibilidade de tributação do incentivo, sob pena de, dentre outros argumentos, ofensa ao princípio do pacto federativo e de interferência da União na política fiscal adotada pelos Estados-Membro.

De outro modo, ao julgar o REsp 1.968.755/PR, que tratava de benefícios de isenção e redução de base de cálculo, o STJ também entendeu pela possiblidade de exclusão dos valores aproveitados da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, mas pela adoção de, além de outros, um novo racional adicional: a previsão contida no artigo 10 da Lei Complementar 160/17, que classificou todos os incentivos fiscais de ICMS como “subvenção para investimento”.

Na prática, a Lei Complementar promoveu alterações no artigo 30, §§4º e 5º da Lei nº 12.973/14, que prevê a não incidência de IRPJ e CSLL sobre subvenções para investimento – aquelas concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e que, em razão de sua natureza, exigem do contribuinte, como contrapartida, a destinação daqueles recursos a determinado fim.

O julgamento está previsto para ocorrer em 26/04/23, pela Primeira Seção do STJ.

Júlia Barreto e Thiago Braichi: O julgamento do STJ (Tema nº 1182) irá definir se é possível excluir os benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Em termos práticos, quando um contribuinte se “aproveita” de um benefício fiscal de ICMS (redução da base de cálculo do imposto, da alíquota aplicável, isenção do tributo, entre outros), há um “ganho” para a sociedade contribuinte.

Isso porque o desembolso financeiro que ocorreria para o pagamento do ICMS deixa de ocorrer – total ou parcialmente – em decorrência do incentivo fiscal. Consequentemente, a sociedade tem um “ganho” por recolher menos tributos. Esse ganho, para fins contábeis, é visto como “lucro”. Logo, questiona-se se esse montante de tributo que uma empresa deixou de pagar (decorrente dos benefícios fiscais) deveria ser tributado para fins de IRPJ e CSLL ou excluído da base de cálculo dos tributos.

Essa discussão é diferente das outras relacionadas a incentivos fiscais, especialmente sobre a exclusão do crédito presumido de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (já julgada pelo STJ), porque abrange todos os benefícios fiscais de ICMS e não apenas um tipo de benefício, como o crédito presumido. Assim, podemos esperar uma análise mais ampla sobre o assunto.


– Por que a questão da tributação dos incentivos fiscais estaduais não foi resolvida quando a Lei Complementar 160/17 estabeleceu que todos os incentivos fiscais concedidos pelos Estados devem ser considerados subvenção para investimento (não tributáveis pelo IR e CSLL)? 

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira:   Apesar da publicação da Lei Complementar nº 160/17, que parecia ter encerrado a discussão quanto à diferenciação entre as espécies de subvenção (para investimento ou para custeio), o Fisco permanece defendendo a distinção entre ambas, como ocorreu, por exemplo, na Solução de Consulta Cosit nº 145/20, que reformou entendimento anteriormente proferido no Solução da Consulta Cosit nº 04/20, publicada pouco antes.

Na Solução de Consulta nº 145/20, a Receita afirmou que, para que seja excluído da apuração do IRPJ e da CSLL, o benefício fiscal estadual deveria necessariamente, ser concedido como “estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”, selecionando um conjunto muito específico de benefícios, o que reacendeu a discussão e causou receio nos contribuintes, em virtude da insegurança jurídica resultante da incongruência entre o que prevê a legislação e o entendimento externado pela Receita Federal.

De fato, apesar de entendermos que a controvérsia acerca da tributação de tais desonerações pelo IRPJ e pela CSLL ultrapassa a mera distinção teórica entre os conceitos de “subvenção para custeio” e “subvenção para investimento”, nos parece claro que tal distinção conceitual existe e que a denominação – realizada pela LC – de que todo benefício fiscal de ICMS deve ser classificado como subvenção para investimento é passível de questionamento considerando as diferenças intrínsecas existentes entre os mais variados tipos de benefícios fiscais concedidos. 

Júlia Barreto e Thiago Braichi: Os benefícios fiscais podem se enquadrar como subvenção para investimento, em que o contribuinte recebe o benefício para que, com a ausência de desembolso financeiro, passe a investir em setores da economia ou subvenção para custeio, em que o benefício é concedido sem qualquer contrapartida.

A Lei Federal nº 12.973/14 determinou, em seu artigo 30, que o “ganho” decorrente das subvenções para investimento estariam fora da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, mas sem endereçar diretamente as subvenções para custeio. Porém, os artigos 9º e 10º da Lei Complementar nº 160/17 definiram que todos os benefícios fiscais de ICMS, mesmo aqueles concedidos em desconformidade com os requisitos da Constituição, seriam subvenções para investimento.

Dessa forma, apesar da Lei Complementar nº 160/17, não houve uma análise do Judiciário sobre equiparar esses benefícios, visto que o tratamento aos contribuintes é distinto, exigindo (ou não) contrapartida de investimento. Portanto, nesta oportunidade, o STJ irá analisar se todos os benefícios fiscais de ICMS podem ser considerados como subvenção para investimento e, consequentemente, estar fora da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (o que resultaria na validação ou não da Lei Complementar nº 160/17).


– Por que a questão está relacionada ao pacto federativo? Para efeitos práticos, há diferença se a decisão for embasada na discussão sobre o pacto federativo ou sobre a Lei Complementar 160/17? 

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira:  A questão relaciona-se ao pacto federativo na medida em que, conforme defendem os contribuintes, ao tentar tributar um proveito econômico obtido por meio de incentivo concedido por um Estado-Membro, a União estaria, indiretamente, interferindo na política fiscal adotada pelos membros da Federação. É dizer: na prática, os incentivos acabam não surtindo o efeito econômico pretendido pelos Estados, de desonerar determinadas atividades visando a um interesse maior – atrair investimentos para determinada região. Haveria, portanto, um “esvaziamento” do incentivo.

Em relação aos efeitos práticos, o embasamento utilizado em possível decisão favorável aos contribuintes terá diferença. Isso porque, se a questão for decidida com base no pacto federativo, será mais difícil, ainda que futuramente, defender a possibilidade de tributação dos incentivos, já que a que a decisão se baseará em princípios muito caros ao Direito Tributário e consagrados pela Constituição Federal.

Por outro lado, se a possível decisão favorável for baseada única e exclusivamente na redação conferida ao dispositivo trazido pela LC 160/17, nada impede que a legislação seja alterada futuramente visando à geração mecanismos que permitam a referida tributação, ou que tragam espaço para novas interpretações, fazendo com que a discussão volte à “estaca zero”.

Júlia Barreto e Thiago Braichi: A decisão está vinculada ao pacto federativo pois decorre de benefícios fiscais de ICMS, concedidos em âmbito estadual, que impactam na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, tributos de competência federal. Assim, um Estado, ente da federação – ao incentivar uma atividade ou uma região, por exemplo – gera efeitos tributários para outro ente da federação (União Federal).

Caso a decisão do STJ seja amparada no pacto federativo, há diferenças para fins jurídicos. Isso porque o pacto federativo é uma previsão constitucional, logo, essa decisão pode ser revisitada pelo STF (competente por julgar matérias constitucionais em última instância), trazendo novos contornos para a discussão. Contudo, caso essa controvérsia seja amparada pela Lei Complementar nº 160/17, a competência – a princípio – seria exclusiva do STJ, por se tratar de matéria infraconstitucional.


– Qual é a importância desse julgamento para o governo federal, os Estados e os contribuintes? 

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira:  Para o governo federal, está em jogo um considerável aumento na arrecadação – que vem sendo bastante defendido pelo Ministério da Economia. Evidentemente, o repasse dos valores que deixam de ser recolhidos aos cofres estaduais para os cofres federais incrementará, em muito, a arrecadação da União, que pretende contar com maior fluxo de caixa ao longo dos próximos anos.

Para os Estados, caso se entenda pela impossibilidade da exclusão, haverá o indesejado efeito de esvaziamento da concessão dos incentivos. Isso porque, na prática, os Estados estarão renunciando de parcela de sua arrecadação para que, ao final, a União acabe “se aproveitando” de tal recebimento, o que não representa qualquer vantagem direta aos respectivos Estados. Além disso, os contribuintes não necessariamente escolherão os Estados onde irão se instalar com base nos incentivos oferecidos por cada um, já que, invariavelmente, em termos econômicos, os benefícios não surtirão efeitos tão significativos quanto antes.

Do ponto de vista dos contribuintes, é necessário lembrar que muitos segmentos dependem da concessão de incentivos de ICMS para aliviar a carga tributária incidente sobre certos tipos de segmentos econômicos, viabilizando a consecução de determinadas atividades que, sob o aspecto econômico, muito dificilmente seriam possíveis sem a concessão de tais benefícios e incentivos.

Por fim, vale destacar que, em caso de julgamento favorável aos contribuintes, há possibilidade de que o STJ module os efeitos de seu entendimento, razão pela qual, caso haja interesse em discutir o tema judicialmente, deve ser avaliado o ajuizamento de ação judicial o quanto antes.

Júlia Barreto e Thiago Braichi: Entendemos que a maior relevância deste julgamento está na discussão sobre segurança jurídica em matéria tributária. Os contribuintes lidaram, muito recentemente, com a decisão do STJ que excluiu o crédito presumido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, o que foi considerado uma vitória para as sociedades beneficiadas.

Contudo, em muito pouco tempo, já temos outra análise que, apesar de mais ampla, também vai gerar efeitos no mesmo sentido – de recolhimento a maior (ou não) de IRPJ e CSLL em razão de benefícios fiscais.

Por isso, além da importância arrecadatória da decisão para a União Federal, os deslindes dessa decisão podem impactar a relação dos contribuintes com os Estados (concedentes dos benefícios fiscais) para que os incentivos sejam concedidos já considerando o custo tributário envolvido, ou seja, ganha-se no ICMS, mas se perde no IRPJ e na CSLL.


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1 comentário
  1. pedro silva Diz

    muito legal esse site parabéns pelo conteúdo.

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