Decisão do STJ sobre tributo deixa pontos nebulosos

Julgamento sobre taxação de benefícios fiscais do ICMS provoca discussões

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Bastante aguardado por contribuintes, o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a tributação de incentivos fiscais foi concluído, mas ainda deixou incertezas. No julgamento do Tema 1.182, a corte decidiu que os incentivos fiscais relacionados ao imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) devem ser tributados pelo imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e pela contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) – mas ainda há pontos nebulosos.

“Apesar das expectativas de que a matéria acabaria resolvida com o julgamento do Tema 1.182, as teses fixadas acabaram por gerar intensos debates e suscitar dúvidas em relação ao seu alcance, que ainda permanecem, fazendo surgir um cenário de insegurança jurídica e a possibilidade de novos embates entre Fisco e contribuintes”, avaliam Bruna Luppi e Maria Alice Laranjeira, sócia e associada do Vieira Rezende Advogados.

As advogadas explicam os pontos que ficaram esclarecidos: não serão tributados o crédito presumido e os demais incentivos poderão ser excluídos da base de cálculo dos tributos se o contribuinte registrá-los em reserva de lucros específica no patrimônio líquido (utilizando-a apenas para a absorção de prejuízos ou aumento de capital social) ou se o incentivo fiscal tiver sido objeto de reinstituição.

Mas elas consideram que a questão fica nebulosa quando se trata da posição da corte com relação à subvenção para custeio X subvenção para investimento: se teria havido ou não uma diferenciação entre custeio e investimento ou se essa distinção teria deixado de existir para os incentivos de ICMS. Isso porque, se por um lado se prevê que não se deve exigir do contribuinte a comprovação de que o incentivo fiscal foi concedido como estímulo à implantação ou expansão da empresa, por outro lado a decisão considera que a Receita Federal, em processo de fiscalização, pode lançar o IRPJ e a CSLL se constatar que o incentivo foi utilizado para outra finalidade que não a garantia da viabilidade de empreendimento econômico. Ou seja, se apenas as subvenções para investimento não seriam tributadas pelo IRPJ e pela CSLL.

Luppi e Laranjeira lembram que a Receita Federal já começou a emitir comunicados para alguns contribuintes acerca da possibilidade de regularizar o IRPJ e a CSLL antes que sejam iniciados os procedimentos de fiscalização, que poderão resultar no lançamento dos tributos, multa e juros se apurada irregularidade das exclusões. “Resta saber se a fiscalização se limitará à condicionante referente ao registro em reserva de lucros, ou se irá se estender à verificação quanto à destinação dos valores subvencionados – isto é, se o valor foi utilizado para expansão do empreendimento econômico”.

Com as visões do Fisco e dos contribuintes são divergentes, elas esperam que o acórdão que será publicado ainda seja objeto de embargos de declaração para esclarecer aspectos relevantes das teses fixadas, em busca de uma maior segurança jurídica – e, enquanto o esclarecimento não chega, esperam aumento na judicialização por conta da iminente possibilidade de autuação fiscal por parte da Receita Federal.

Na entrevista abaixo, Luppi e Laranjeira esmiuçam a decisão do STJ e falam sobre as dúvidas ainda em aberto.


– Em recente julgamento, o STJ decidiu pela tributação de incentivos fiscais concedidos pelos Estados. Qual foi o alcance da decisão? Essa tributação irá alcançar todos os benefícios concedidos pelos Estados, fora o crédito presumido?

Bruna Luppi e Maria Alice Laranjeira: Apesar das expectativas de que a matéria acabaria resolvida com o julgamento do Tema 1.182, as teses fixadas acabaram por gerar intensos debates e suscitar dúvidas em relação ao seu alcance, que ainda permanecem, fazendo surgir um cenário de insegurança jurídica e a possibilidade de novos embates entre Fisco e contribuintes.

De maneira resumida, o STJ definiu que o anterior entendimento externado no EResp 1.517.492/PR (não tributação pelo IRPJ e CSLL, com base na tese da violação ao princípio federativo) se aplica somente ao benefício do crédito presumido de ICMS. Houve, portanto, uma diferenciação deste em relação aos demais incentivos fiscais, dirimindo ponto de divergência entre as duas turmas de Direito Público do STJ quanto ao alcance do referido precedente, com a definição de que não se estende aos demais benefícios fiscais de ICMS além do crédito presumido.

Já em relação aos demais benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos Estados abrangidos pela tese firmada no Tema 1.182 foram apontados “redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, dentre outros”, prevalecendo a manutenção dessa última expressão – mais abrangente, que foi objeto de discussão no julgamento realizado.

Também houve supressão do termo “imunidade” do rol de “benefícios” anteriormente apontados na redação do Tema 1.182, já que, como muito bem suscitado pela ministra Regina Helena Costa, a imunidade não pode ser considerada um benefício fiscal concedido por um ente federativo, mas sim uma exoneração concedida expressamente pela própria Constituição Federal, a revelar a impropriedade técnica da sua indicação na tese firmada.

E ao definir o Tema 1.182 em relação aos demais incentivos ligados ao ICMS, a Primeira Seção fixou o entendimento de que a exclusão desses valores da base de cálculo do IRPJ e da CSLL só será possível caso seja observado o cumprimento das condições e dos requisitos legais para tanto, quais sejam, o artigo 10 da Lei Complementar (LC) 160/17 e o artigo 30 da Lei 12.973/14.

Ou seja, para que os valores sejam excluídos da base de cálculo dos tributos sobre o lucro, o contribuinte deverá: registrá-los em reserva de lucros específica no patrimônio líquido, utilizando-a apenas para a absorção de prejuízos ou aumento de capital social – artigo 30 da Lei 12.973/14; e o incentivo fiscal deve ter sido objeto de reinstituição – artigo 10 da Lei Complementar 160/17.

Portanto, a tributação não alcançará todo e qualquer incentivo fiscal de ICMS concedido pelos Estados, mas somente aqueles que não observarem os critérios acima estabelecidos no artigo 10 da Lei Complementar 160/17 e no artigo 30 da Lei 12.973/14.

A questão, no entanto, fica nebulosa quando analisamos o disposto na terceira parte das teses fixadas.

Isso porque, se no item 2 das teses há previsão segundo a qual não deve ser exigida dos contribuintes a comprovação de que o incentivo foi concedido como estímulo à implantação ou expansão de empreendimento econômico – em perfeita harmonia com a alteração na legislação promovida pelo artigo 9º da LC 160/17, que acrescentou o §4º ao artigo 30 da Lei 12.973/14 para dispor que “os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do artigo 155 da Constituição Federal (leia-se, ICMS), concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo” –, logo em seguida o item 3 dispõe que não há impedimento para que a Receita Federal, em processo de fiscalização, proceda ao lançamento do IRPJ e da CSLL caso se constate que o incentivo foi utilizado para outra finalidade que não a garantia da viabilidade de empreendimento econômico.

Tal disposição gerou bastante controvérsia em relação a qual posicionamento teria sido, afinal, adotado pela Corte em relação à questão da subvenção para custeio x subvenção para investimento: se teria havido ou não uma diferenciação entre custeio e investimento ou se essa distinção teria deixado de existir para os incentivos de ICMS.

Diante do cenário de incertezas, existem duas principais interpretações da decisão que vêm sendo discutidas pelos contribuintes: a primeira, no sentido de que eventual fiscalização por parte da Receita Federal estaria limitada apenas à comprovação acerca do registro dos valores em reserva de lucros; e a segunda no sentido de que a fiscalização também poderia se estender à verificação da destinação dos valores subvencionados, ou seja, se estes foram utilizados para a expansão do empreendimento econômico.

A Receita Federal, por sua vez, vem entendendo que as teses fixadas no Tema 1.182 estabelecem que só não poderia ser tributado pelo IRPJ e pela CSLL o incentivo fiscal que tenha sido concedido como estímulo à ampliação do empreendimento econômico, ou seja, para investimento, cumpridos os demais requisitos legais.


– Qual foi o embasamento do STJ para a decisão: o pacto federativo o na Lei Complementar 160/17? O que isso significa para os contribuintes? 

Bruna Luppi e Maria Alice Laranjeira: O embasamento do STJ para a definição das teses do Tema 1.182 foi a Lei Complementar 160/17, cujo artigo 10º, como apontado, foi classificado como de observância obrigatória caso os contribuintes queiram excluir os incentivos de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, além do cumprimento das demais condições previstas no artigo 30 Lei 12.973/14.

Na prática, para os contribuintes, o embasamento trazido pela Primeira Seção do STJ na definição do Tema 1.182 limita mais as situações em que a exclusão poderá ocorrer, pois há necessidade de observância dos limites legais – artigo 10 da LC 160/17 e artigo 30 da Lei 12.973/14 – para tanto.

Caso tivesse sido adotado o fundamento no pacto federativo, a decisão certamente teria um viés mais amplo, podendo alcançar os incentivos de ICMS de forma geral, sem a necessidade de cumprimento de requisitos legais para tanto, já que se entenderia que não é dado à União interferir nas políticas econômicas dos Estados


– A questão envolvendo a tributação de subvenção para custeio ou subvenção para investimento ficou esclarecida? Quais tipos de subvenção ficarão isentas da tributação?

Bruna Luppi e Maria Alice Laranjeira: É preciso aguardar a disponibilização do acórdão, mas, a princípio, parece que a questão envolvendo a diferenciação na tributação entre ambas as espécies de subvenção não foi totalmente esclarecida.

A leitura da primeira e segunda partes das teses fixadas no Tema 1.182 deixa claro que a Primeira Seção do STJ concluiu pela possibilidade de dedução dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL desde que cumpridos os requisitos e condições do artigo 10 da LC 160/17 e artigo 30 da Lei 12.973/14, sem a exigência da demonstração da concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, a revelar que a Corte de Justiça não estaria fazendo uma diferenciação entre custeio e investimento.

No entanto, a terceira parte das teses fixadas deixou dúvidas quanto à possibilidade, ou não, de exclusão dos incentivos fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL em relação àqueles que, a rigor, não poderiam ser considerados subvenção para investimento, ao estabelecer a possibilidade de lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento de fiscalização, a Receita Federal verificar que os valores do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

Vale lembrar, no entanto, que a Lei Complementar 160/17 alterou a redação da Lei 12.973/14 justamente para definir que todos os incentivos fiscais relativos ao ICMS são considerados subvenção para investimento, o que, a nosso ver, deveria ser o suficiente para encerrar qualquer discussão a esse respeito, a menos, é claro, que haja alteração na redação do dispositivo (artigo 30, §4º, da Lei 12.973/14).


– Qual deve ser o impacto da decisão do STJ sobre as empresas? A discussão sobre o assunto está finalizada ou ainda deve haver desdobramentos na Justiça?

Bruna Luppi e Maria Alice Laranjeira: Diante da revogação da decisão do ministro do STF André Mendonça no Tema 843, que havia suspendido os efeitos do julgamento do STJ, a decisão é considerada válida, embora ainda esteja aguardando a publicação do acórdão para conhecimento da íntegra das razões de decidir quanto às teses fixadas e, também, para a interposição de recurso pelas partes.

Aliás, a Receita Federal já começou a emitir comunicados para alguns contribuintes acerca da possibilidade de regularizar o IRPJ e a CSLL antes que sejam iniciados os procedimentos de fiscalização, que poderão resultar no lançamento dos tributos, multa e juros se apurada irregularidade das exclusões. Resta saber se a fiscalização se limitará à condicionante referente ao registro em reserva de lucros, ou se irá se estender à verificação quanto à destinação dos valores subvencionados – isto é, se o valor foi utilizado para expansão do empreendimento econômico.

Vale lembrar que, se na ótica dos contribuintes o precedente não exige a demonstração da concessão do benefício do ICMS como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos afastar a incidência dos tributos sobre o lucro, por não haver exigência legal nesse sentido,  por outro lado, a Fazenda vem manifestando o entendimento de que as teses fixadas no Tema 1.182 deixam claro que só não poderia ser tributado pelo IRPJ e pela CSLL o incentivo fiscal de ICMS que tenha sido concedido como estímulo à ampliação do empreendimento econômico, ou seja, para investimento.

Portanto, ao que tudo indica, há uma divergência de entendimento entre Fisco e contribuintes quanto ao alcance do precedente, razão pela qual a expectativa é que o acórdão que venha a ser publicado ainda será objeto de embargos de declaração com o intuito de esclarecer aspectos relevantes das teses fixadas, em busca de uma maior segurança jurídica quanto ao que restou decidido. De todo modo, enquanto perdurar, essa incerteza certamente resultará em aumento na judicialização da questão por parte dos contribuintes, sobretudo diante da iminente possibilidade de autuação fiscal por parte da Receita Federal do Brasil considerando o entendimento que vem sendo manifestado pela Fazenda quanto ao alcance do julgamento realizado.

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