Benefício fiscal do ICMS fica fora da base de cálculo do IRPJ e da CSLL

Entendimento da Câmara Superior do Carf favorece contribuintes

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O benefício fiscal obtido por uma empresa que consegue redução no pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ao se instalar em determinado estado deve deixar de ser tributado apenas se a empresa fizer novos investimentos na instalação ou expansão de sua capacidade produtiva? Esta questão recentemente foi esclarecida pela Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). 

O órgão decidiu que não. Os benefícios fiscais do ICMS devem ficar de fora da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), independentemente do uso dos recursos por parte da empresa. Respeitadas determinadas condições referentes à contabilização, todos esses benefícios devem ser considerados como subvenções para investimentos. O entendimento favorece os contribuintes. Se esses benefícios não fazem parte da base de cálculo do IRPJ e nem da CSLL, sobre eles não incidem tais impostos.

A Receita Federal vinha restringindo as situações que poderiam beneficiar os contribuintes: ela considerava que as empresas só poderiam abater os benefícios fiscais do ICMS da base de cálculo do IRPJ e CSLL se elas destinassem esses benefícios para investimentos (novas unidades produtivas e equipamentos, por exemplo). O Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, já havia se manifestado sobre o assunto reconhecendo que os benefícios não compõem o lucro real, o que significa a não incidência de tributação pelo IRPJ e pela CSLL, informa Júlia Barreto, advogada associada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. 

A advogada acredita que a decisão da Câmara Superior deve garantir um cenário mais favorável com relação à fiscalização sobre os benefícios fiscais de ICMS e à sua exclusão do lucro real. Na entrevista a seguir, Barreto detalha a questão. 


Qual foi o entendimento da Câmara Superior do Carf com relação à tributação de benefício fiscal?

Júlia Barreto: Em síntese, a decisão proferida pela Câmara Superior do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) validou o artigo 30 da Lei 12.973/14, especialmente em seu §4º, que independentemente da denominação, os benefícios fiscais de ICMS serão caracterizados como subvenções para investimento.

Esse artigo foi introduzido na Lei 12.973/14 pela Lei Complementar 160/17 com o objetivo de colocar fim à discussão travada entre a diferenciação de subvenção para custeio e para investimento, criando um critério objetivo: se o benefício é de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), trata-se de subvenção para investimento e está fora da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

Assim, nos termos da decisão, a caracterização como subvenção para investimento dependeria somente “[d]a sua devida escrituração em conta de Reserva de Lucros, podendo ser utilizada para a absorção de prejuízos (após o exaurimento dos demais valores, também alocados em Reserva de Lucros) ou para o aumento do capital social, sendo vedado seu cômputo na base de cálculo de dividendos obrigatórios e a sua redução em favor dos sócios, direta ou indiretamente, por outras manobras societárias”.

Portanto, independentemente da denominação, o contribuinte que tenha benefício fiscal de ICMS e cumpra os requisitos de contabilização colocados acima, deverá excluir a subvenção da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, nos termos do entendimento da Câmara Superior.


De que forma a Receita Federal entende a questão da incidência de tributos sobre benefício fiscal? 

Júlia Barreto: A Receita Federal, nos últimos pronunciamentos sobre o assunto, tinha uma visão menos objetiva do que a da Câmara Superior do Carf.

No entendimento da Receita Federal, representado na Solução de Consulta COSIT 145/20, os benefícios fiscais de ICMS poderão ser considerados subvenções para investimento e “poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”.

Porém, como bem colocado pela decisão da Câmara Superior do Carf, o artigo 30 da Lei 12.973/14, citado pela solução de consulta da Receita Federal, não coloca “a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos” como requisito para a exclusão dos benefícios de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. O único requisito se refere à forma de contabilização, como já adiantado anteriormente.

Assim, a Receita Federal permanece fazendo a distinção de subvenção para custeio e subvenção para investimento, o que não deveria ser um requisito para que os benefícios de ICMS sejam excluídos do lucro real após a edição da Lei Complementar 160/2017.


O que diz a Lei Complementar 160/17 sobre os incentivos? E de que forma as cortes superiores se manifestaram a respeito da tributação deles?

Júlia Barreto: A Lei Complementar 160/17 foi uma norma editada com incentivo dos estados da Federação para encerrar as discussões acerca da chamada “guerra fiscal” de ICMS.

Em resumo, os estados recorrentemente concedem benefícios fiscais para os contribuintes, como redução de base de cálculo ou crédito presumido de ICMS. Como cada estado detinha um benefício mais atrativo, isso se tornava uma “guerra” entre os estados para atrair novos empreendimentos, como indústrias e comércios, ante ao melhor benefício.

Contudo, por previsão da Lei Complementar 25/76, editada em razão de dispositivo constitucional, os benefícios fiscais de ICMS só podem ser concedidos por convênios firmados entre todos os estados, o que não acontecia na prática. Ou seja, a previsão legal era reiteradamente desrespeitada pelos estados, que concediam benefícios fiscais de forma unilateral.

Por isso, a Lei Complementar 160/17 foi editada com o objetivo de resolver todos os passivos anteriores ao ano de 2017 em relação aos benefícios fiscais concedidos inconstitucionalmente. O artigo 1º da lei trata não só da remissão dos créditos tributários decorrentes de benefícios fiscais, mas também da reinstituição dos benefícios anteriormente vigentes. Por isso, os benefícios fiscais de ICMS, as subvenções, continuarão existindo no ordenamento brasileiro, tendo sido regulado não só sob a ótica do ICMS, mas também para a exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, em seu artigo 9º.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão no REsp 1.605.245, já reconheceu que tais benefícios também não compõem o lucro real, inexistindo tributação pelo IRPJ e pela CSLL e garantindo que o texto da Lei Complementar 160/17 garanta a segurança aos contribuintes.


Qual é a importância do entendimento da Câmara Superior do Carf?

Júlia Barreto: A decisão da câmara superior sobre o benefício fiscal é relevante porque uniformiza o entendimento do Carf sobre o assunto nas chamadas câmaras baixas. Isso permite que o assunto seja julgado de forma mais eficaz para os contribuintes, mantendo a decisão favorável que foi obtida recentemente.

Apesar de a decisão da câmara não ter efeito vinculante como o das súmulas, esse julgamento pode influenciar o posicionamento da Receita Federal e garantir um cenário mais favorável com relação à fiscalização sobre os benefícios fiscais de ICMS e à exclusão do lucro real.


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