Insumo intermediário gera crédito do ICMS, decide STJ

Tributaristas recomendam que contribuintes demonstrem a utilização desses insumos em seus processos produtivos

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Uma recente decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que as aquisições de insumos intermediários, essenciais ao processo produtivo mas que não integram o produto final, dão direito ao aproveitamento do crédito do ICMS. O resultado foi considerado muito relevante e pode ser uma sinalização de que contribuintes em situação parecida também podem vir a se beneficiar do aproveitamento desses créditos.

No julgamento do Recurso Especial (REsp) nº 1775781, uma empresa de produção de etanol e açúcar e o Estado de São Paulo pleiteava a possibilidade de haver geração de crédito do ICMS por conta da aquisições de partes e peças e equipamentos, tais como motores de válvulas, bombas e correntes transportadoras. O contribuinte defendia o direito ao crédito porque os itens são essenciais ao seu processo produtivo, mas a fiscalização vinculava o creditamento ao consumo instantâneo dos produtos.

Pedro Simão e Júlia Swerts, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados, avaliam que, apesar de o REsp nº 1775781 não ter sido analisado sob o rito dos recursos repetitivos, o resultado é importante para os contribuintes em situações análogas porque as fiscalizações estaduais sempre tentaram restringir o direito ao crédito do ICMS nas aquisições de produtos intermediários.

“É recomendável que os contribuintes se organizem de modo a produzir provas suficientes que demonstrem a utilização dos produtos intermediários em seu processo produtivo, bem como avaliem a melhor estratégia para que tenham o reconhecimento do seu direito ao crédito”, afirmam Simão e Swerts.

Frederico Bakkum, associado do Vieira Rezende, considera que o julgamento é um precedente muito relevante para os contribuintes de ICMS, pois consolida o posicionamento das duas turmas de direito público do STJ. “A decisão ganha ainda mais força por ter sido tomada à unanimidade de votos, mostrando a solidificação desse posicionamento na corte”, avalia. “Diante da segurança que um acórdão unânime da primeira seção do STJ traz, é imprescindível que os contribuintes do ICMS façam um detalhado levantamento dos critérios que vêm sendo considerados por eles na tomada de crédito do ICMS, de modo a confirmar se todos os insumos/produtos intermediários que se enquadram na decisão do STJ estão sendo devidamente creditados, implementando os ajustes necessários o quanto antes”, recomenda Bakkum. 

Lei Kandir

A discussão sobre se os insumos intermediários geram ou não crédito do ICMS surgiu após a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96). Os Estados passaram a editar leis restringindo o direito dos contribuintes ao crédito de ICMS nas aquisições de diversos insumos intermediários fundamentais para o processo produtivo, mas que não integram o produto final ou não são consumidos de forma integral e imediata no processo produtivo, como as partes e peças de máquinas aplicadas diretamente no processo de industrialização.

Mas, explica Bakkum, a Lei Kandir permite o aproveitamento dos créditos referentes à aquisição de quaisquer insumos/produtos intermediários, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a sua necessidade/relevância para a realização do objeto social da empresa.

A vedação ao creditamento sobre as aquisições de produtos que não tenham aplicação direta no processo produtivo, que não integram o produto final ou não são consumidos no processo de fabricação são pontos que jogam contra a não-cumulatividade prevista para o ICMS – e um dos pontos que a reforma tributária (PEC 45/19) pretende atacar é justamente a não-cumulatividade plena dos impostos. Mas, mesmo após a sua aprovação, é possível que as empresas ainda tenham dificuldades para usar os seus créditos de ICMS acumulados.

Na entrevista abaixo, Simão, Swerts e Bakkum explicam como a discussão surgiu e abordam a decisão do STJ sobre o REsp nº 1775781.


– Por que existe a discussão referente à possibilidade de insumos intermediários gerarem ou não créditos de ICMS? Em que situações esses insumos podem gerar créditos?

Júlia Swerts e Pedro Simão: A discussão parte da classificação dos bens adquiridos pelos contribuintes como produtos intermediários – que dariam direito a crédito de ICMS – ou classificados como bens de uso e consumo – que não dariam direito a crédito de ICMS. A fiscalização dos Estados há muito tenta restringir o conceito de produtos intermediários, para que grande parte dos itens adquiridos pelas empresas e utilizados em suas atividades sejam classificados como bens de uso e consumo, cuja aquisição, justamente, não daria direito ao crédito de ICMS.

Por outro lado, a Constituição Federal sempre estabeleceu que o ICMS será não cumulativo e que o valor devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias, ou prestação de serviços, será compensado com o montante cobrado nas operações anteriores.

Antes da publicação da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), o Convênio ICMS 66/88 (que regulava nacionalmente o ICMS), previa o direito ao crédito do imposto relativo à aquisição de insumos desde que fossem consumidos no processo industrial e integrassem o produto final, na condição de elemento indispensável à sua composição.

Ocorre que, com a publicação da Lei Kandir, a possibilidade de creditamento passou a estar condicionada tão somente à utilização dos bens na atividade fim do estabelecimento, com exceção apenas das entradas de bens considerados “alheios” à atividade da empresa.

Com relação aos bens classificados como de uso e consumo, que são aqueles materiais utilizados nas atividades de apoio administrativo, comercial e operacional (como, por exemplo, papéis para escritório, lâmpadas para utilização nos prédios administrativos), a LC nº 87/96, em seu artigo 33, originariamente, consignou que o creditamento do ICMS na sua aquisição só poderia ocorrer a partir de 1º de janeiro de 1998.

No entanto, a partir daí foram editadas sucessivas Leis Complementares, alterando a Lei Kandir, para estender a data a partir da qual o contribuinte poderia fazer jus ao crédito de ICMS nas aquisições de bens de uso e consumo do estabelecimento.

Diante dessa impossibilidade temporal, os Estados passaram a editar atos, com base nos critérios trazidos pelo revogado Convênio ICMS nº 66/88 (tais como integração ao produto final e consumo instantâneo), restringindo o direito dos contribuintes ao crédito de ICMS nas aquisições de diversos insumos que não integrassem o produto final, como as partes e peças de máquinas aplicadas diretamente no processo de industrialização dos contribuintes, classificando-os como bens de uso e consumo do estabelecimento, e a fiscalização adotou postura restritiva em mesmo sentido.

Frederico Bakkum: A discussão existe em razão de os Estados, em geral, se valerem de um antigo critério, previsto no Convênio ICMS 66/1988, para autorizar a apropriação de créditos de ICMS, decorrentes da aquisição de insumos.

Segundo esse critério, que é bastante próximo do utilizado para qualificar os insumos creditáveis para fins de IPI, apenas os produtos que são consumidos de forma imediata e integral no processo produtivo, se incorporando ao produto final a ser comercializado, se caracterizariam como insumos, autorizando a apropriação de créditos de ICMS. Os que não atendem a esses requisitos seriam, na visão dos Estados, simples “bens de uso e consumo”.

Com efeito, a partir desse antigo critério apresentado pela legislação anterior à Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), os fiscos estaduais buscam inviabilizar a tomada de crédito em relação a inúmeros insumos/produtos intermediários que, apesar de fundamentais para o processo produtivo, não são consumidos de forma integral e imediata no processo produtos e/ou não se integram ao produto final.

Contudo, esse posicionamento não encontra amparo na legislação em vigor, desde a edição da Lei Kandir. Isso porque, diferente do Convênio ICMS 66/1988, a Lei atual permite o aproveitamento dos créditos referentes à aquisição de quaisquer insumos/produtos intermediários, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a sua necessidade/relevância para a realização do objeto social do estabelecimento empresarial. De acordo com o STJ, nessas situações o crédito é legítimo, desde a entrada em vigor da Lei Kandir.


– O que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou com relação à possibilidade de insumos intermediários gerarem créditos de ICMS, no REsp 1775781? 

Júlia Swerts e Pedro Simão: A 1ª Seção do STJ, no julgamento no REsp nº 1775781 analisou se as aquisições de insumos intermediários, essenciais ao processo produtivo, mas que não integram o produto final, dariam direito ao aproveitamento de créditos de ICMS.

No julgamento do caso, que envolvia uma empresa de produção de etanol e açúcar e o Estado de São Paulo, analisou-se o direito ao crédito do ICMS nas aquisições de partes e peças e equipamentos, tais como motores de válvulas, bombas e correntes transportadoras.

Enquanto a contribuinte defendia o direito ao crédito com base na essencialidade dos itens utilizados em seu processo produtivo, a fiscalização vinculava o creditamento ao consumo instantâneo dos produtos.

Frederico Bakkum: O STJ vinha, de forma paulatina, formando jurisprudência no sentido de que, desde a entrada em vigor da Lei Kandir não seria mais indispensável que o insumo fosse consumido de forma imediata e integral no processo produtivo, integrando o produto final. Entretanto, vez ou outra a jurisprudência do tribunal oscilava entre as turmas, legitimando a aplicação do antigo critério estabelecido pelo Convênio ICMS 66/1988.

A fim de solidificar o posicionamento de ambas as turmas de direito público, a 1ª Seção do STJ decidiu, por unanimidade, que a legislação em vigor demanda apenas que os insumos/produtos intermediários sejam necessários/pertinentes para a realização do objeto social do estabelecimento empresarial.

Nesse sentido, a exma. ministra relatora foi muito precisa ao concluir que “Revela-se cabível o creditamento referente à aquisição de materiais empregados no processo produtivo, produtos intermediários, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa, é dizer, a essencialidade em relação à atividade-fim”.

Com efeito,  a decisão traz maior clareza tanto aos Estados quanto aos contribuintes acerca de qual deve ser o critério considerado no momento de se tomar determinado crédito de ICMS.


– Qual foi o resultado do julgamento e como você avalia a decisão da corte?

Júlia Swerts e Pedro Simão: No julgamento do REsp nº 1775781, a 1ª Seção do STJ firmou entendimento no sentido de que os contribuintes do ICMS têm direito ao aproveitamento do crédito do imposto decorrente da compra de materiais usados no seu processo produtivo, ainda que consumidos no processo de produção sem integração ao produto final, desde que comprovado o seu uso para realização do objeto social da empresa. No entendimento da relatora, os produtos intermediários objeto da demanda não seriam bens de uso e consumo e, por isso, à sua aquisição não se aplicaria a restrição temporal do crédito previsto no art. 33 da LC nº 87/96.

Diante disso, foi determinada a devolução dos autos para o tribunal de origem (TJSP) para realização de perícia para determinar a utilização dos itens no processo produtivo da empresa.

Frederico Bakkum: A decisão foi favorável à tese defendida pelos contribuintes, afastando critérios que, de fato, não estão presentes na legislação em vigor. A rigidez dos critérios defendidos pelos Estados inviabilizava a tomada de créditos em relação a produtos que são inegavelmente imprescindíveis para a obtenção do produto final que será comercializado, gerando o indesejado efeito cumulativo do ICMS.

Entendo que a decisão é acertada e está em sintonia com os critérios efetivamente estabelecidos em Lei Complementar.


– Esse julgamento pode ser um precedente para contribuintes em situações análogas? Qual é a sua importância e o que se recomenda a esses contribuintes?

Júlia Swerts e Pedro Simão: Apesar do REsp nº 1775781 não ter sido analisado sob o rito dos recursos repetitivos, esse julgamento é importante para os contribuintes em situações análogas, já que as fiscalizações estaduais sempre tentaram restringir o direito ao crédito de ICMS nas aquisições de produtos intermediários.

É recomendável que os contribuintes se organizem de modo a produzir provas suficientes que demonstrem a utilização dos produtos intermediários em seu processo produtivo, bem como avaliem a melhor estratégia para que tenham o reconhecimento do seu direito ao crédito.

Frederico Bakkum: Esse julgamento é um precedente de extrema relevância para os contribuintes de ICMS, pois consolida o posicionamento das duas turmas de direito público do STJ. A decisão ganha ainda mais força por ter sido tomada à unanimidade de votos, mostrando a solidificação desse posicionamento na corte.

Diante da segurança que um acórdão unânime da primeira seção do STJ traz, é imprescindível que os contribuintes do ICMS façam um detalhado levantamento dos critérios que vêm sendo considerados por eles na tomada de créditos de ICMS, de modo a confirmar se todos os insumos/produtos intermediários que se enquadram na decisão do STJ estão sendo devidamente creditados, implementando os ajustes necessários o quanto antes.


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