Decisão do STF encarece exportações

Impossibilidade de aproveitamento de créditos do ICMS por exportadores joga contra competitividade brasileira

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Apesar de sucessivos governos considerarem as exportações muito relevantes e evitarem “exportar tributos”, recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desincentiva as vendas de produtos para o exterior: a corte vedou o uso de créditos do ICMS decorrentes da aquisição de bens de uso e consumo para produção de produtos destinados à exportação, que depende de lei complementar para sua efetivação. A corte entendeu, no julgamento do Recurso Especial 662.976, que a imunidade tributária das exportações não alcança o crédito de ICMS.

“A decisão prejudica os contribuintes exportadores, pois o não aproveitamento de créditos dos bens de uso e consumo continuará impactando o preço final das exportações, tornando-os menos competitivos no cenário internacional. Além do fato de que a oneração pode desestimular as exportações, essa medida contraria a histórica política econômico-fiscal de desoneração dessa atividade”, avaliam Sávio Hubaide e Rute Souza, associados do Freitas Ferraz Advogados. Além disso, eles consideram que a decisão traz insegurança quanto ao aproveitamento ou não dos créditos de bens do ativo fixo, que não foi expressamente definida.

A questão se refere à Emenda Constitucional 42/03, que concedeu imunidade tributária para exportações e assegurou a “manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”. Mas os advogados do Freitas Ferraz explicam que, no âmbito infraconstitucional, a Lei Kandir sucessivamente prorrogou o direito ao crédito de ICMS na aquisição de bens de uso e consumo (atualmente postergado para 2033). Ou seja, a Constituição autorizava a manutenção do crédito das etapas anteriores, mas a Lei Kandir estabeleceu um marco temporal – e a discussão passou a ser se este prazo se aplicava apenas às operações internas ou valeria  também para os créditos relativos às exportações. “Trata-se, em suma, da velha discussão entre crédito físico ou financeiro, mas especialmente no âmbito das exportações.”

Hubaide e Souza lembram que, como é de se esperar que o valor dos bens de uso e consumo adquiridos integre o preço final, a não manutenção integral dos créditos afeta a desejada desoneração das exportações e configura exportação de tributo. “Por isso, uma interpretação conforme da limitação temporal da Lei Kandir leva à conclusão de que se aplica apenas aos contribuintes não exportadores. Se a Constituição não fixou marco temporal para o aproveitamento desses créditos relativos à exportação, não poderia fazê-lo a lei infraconstitucional”, avaliam.

Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz explicam detalhadamente a questão e os impactos da decisão do STF.


 O que o STF julgou com relação aos créditos do ICMS nas operações de exportação (no RE 662.976)? A discussão se refere apenas à aquisição de bens destinados ao ativo fixo da empresa ou a bens de uso e consumo utilizados para a produção? 

Sávio Hubaide e Rute Souza: Em sua origem, o RE 662.976 deriva de Mandado de Segurança impetrado para assegurar o direito à manutenção e ao aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes da entrada de bens de uso e consumo, na proporção das receitas de exportação, em relação à receita total.

Todavia, ao ser afetado como leading case do tema nº 619 de Repercussão Geral, o objeto da discussão foi definido como o aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes da aquisição de bens destinados ao ativo fixo da empresa.

Por essa divergência, os ministros iniciaram a votação pelo cancelamento do tema nº 619, haja vista que a possibilidade de creditamento de bens de uso e consumo já era objeto do tema nº 633 (RE 704.815). Até a última sessão virtual, apesar do cancelamento, havia 4 votos favoráveis ao creditamento de bens de uso e consumo, e 2 contrários, até pedido de destaque pelo ministro Roberto Barroso, que interrompeu o julgamento.

Paralelamente, o tema nº 633 foi julgado por 6 votos a 5, e foi dado provimento ao recurso fazendário para vedar o creditamento do ICMS na aquisição de bens de uso e consumo, inclusive em relação aos produtos exportados.

Quanto aos bens do ativo fixo, embora tenha sido citado nos votos, não foi incluído na redação final da tese. Além disso, a Lei Complementar 87/96 expressamente equipara as saídas exportadas às tributadas para fins de creditamento dos bens do ativo fixo, mais um motivo para concluir que esse crédito não foi vedado pela decisão. De toda forma, espera-se que a questão seja esclarecida em sede de Embargos de Declaração.


Por que essa discussão surgiu?

Sávio Hubaide e Rute Souza: A discussão se origina com a Emenda Constitucional nº 42/03, que alterou a redação do artigo 155, § 2º, X, “a”, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) para assegurar que a imunidade das mercadorias exportadas assegura a “manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”.

Contudo, no âmbito infraconstitucional, artigo 33, I, da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) sucessivamente prorrogou o direito ao crédito de ICMS na aquisição de bens de uso e consumo, atualmente postergado para 2033.

Nesse contexto, diante da autorização constitucional para a manutenção do crédito das etapas anteriores, surgiu a discussão se o marco temporal estabelecido na Lei Kandir poderia limitar apenas as aquisições relacionadas às operações internas, ou se seria aplicável também os créditos relativos às exportações. Trata-se, em suma, da velha discussão entre crédito físico ou financeiro, mas especialmente no âmbito das exportações.


– Qual foi o entendimento da corte e como você avalia a decisão?

Sávio Hubaide e Rute Souza: No julgamento do tema nº 633, o STF fixou a tese de que a imunidade das exportações não alcança o crédito do ICMS decorrente da aquisição de bens de uso e consumo, que depende de lei complementar para sua efetivação. Isso porque, de acordo com o voto vencedor do ministro Gilmar Mendes, a EC nº 42/03 teria como objetivo ampliar o rol dos bens sujeitos à imunidade, mas não teria sido suficiente para romper com o modelo do crédito físico, cabendo à Lei Complementar regular a compensação do imposto.

Ainda que desejável a criação de medidas para beneficiar as exportações, seria plenamente possível a regulação por lei, de modo que a limitação temporal da Lei Kandir também abarcaria os bens de uso e consumo relacionados às exportações.

Parece mais acertado o voto vencido do ministro Dias Toffoli, segundo o qual a manutenção dos créditos é mecanismo essencial para assegurar a tributação no país de destino, preservar a livre concorrência e neutralidade das exportações. Como é de se esperar que o valor dos bens de uso e consumo adquiridos integre o preço final, a não manutenção integral dos créditos afeta a desejada desoneração das exportações, e configura exportação de tributo.

Por isso, uma interpretação conforme da limitação temporal da Lei Kandir leva à conclusão de que se aplica apenas aos contribuintes não exportadores. Se a Constituição não fixou marco temporal para o aproveitamento desses créditos relativos à exportação, não poderia fazê-lo a lei infraconstitucional.


Qual deve ser o impacto da decisão da corte sobre empresas, Estados e a exportação de produtos?

Sávio Hubaide e Rute Souza: A decisão prejudica os contribuintes exportadores, pois o não aproveitamento de créditos dos bens de uso e consumo continuará impactando o preço final das exportações, tornando-os menos competitivos no cenário internacional. Além do fato de que a oneração pode desestimular as exportações, essa medida contraria a histórica política econômico-fiscal de desoneração dessa atividade.

Outro impacto da decisão é a insegurança quanto ao aproveitamento ou não dos créditos de bens do ativo fixo, que não foi expressamente definida. Além disso, eventuais contribuintes cujo aproveitamento desses créditos estava assegurado por decisões judiciais deverão regularizar a parcela não recolhida.

Em relação aos Estados, a decisão é benéfica do ponto de vista arrecadatório, pois não serão utilizados créditos de bens de uso e consumo para compensar o ICMS a ser recolhido.

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