Na dúvida, empresas optam por distribuir juros sobre capital próprio

Mudança nas regras sobre o mecanismo faz com que empresas busquem aproveitá-lo enquanto podem

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Na expectativa de que as regras referentes aos juros sobre capital próprio (JCP) mudem, as companhias estão buscando aproveitar ao máximo o mecanismo em 2023. Buscando novas fontes de arrecadação, o governo pretende alterar os JCPs – inicialmente, falava-se em modificações que na prática inviabilizariam o uso do mecanismo. Agora, a expectativa é de ajustes que reduzam a vantagem que as companhias têm ao utilizá-lo.

O PL 4.852/23 previa a impossibilidade de dedução dos JCP da base de cálculo do IRPJ e da CSLL a partir de 2024, mas ficariam de fora as distribuições relativas ao atual ano-calendário, mesmo que os proventos só fossem pagos em 2024. Ainda não se sabe efetivamente se as mudanças virão por meio de Medida Provisória: o que se sabe é que o governo gostaria de mudar as regras para aumentar a arrecadação, contribuindo para o ajuste fiscal. Com a possibilidade de mudança, as companhias aceleraram o passo e aumentaram as distribuições de JCP em 31% neste ano, até outubro, conforme levantamento da plataforma Meu Dividendo publicado no Valor Econômico.

“Sem dúvida, a iminente alteração na legislação que venha a extinguir o instituto dos JCP ou a revogação da sua dedutibilidade das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL explicam esse movimento”, avaliam Rafael Amorim e Priscila Generoso, sócio e associada do Vieira Rezende Advogados.

Consequências do fim do JCP

O JCP gera economia tributária para as empresas optantes pelo lucro real (que são empresas de grande porte). Isso porque o montante de lucros distribuído por meio de JCP pode ser parcialmente deduzido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL – com isso, as companhias pagam menos impostos. Já o investidor que recebe o provento é tributado em 15% quando o recebe pelo IRRF. O JCP é equivalente aos juros pagos sobre empréstimos bancários, que também podem ser abatidos da base de cálculo. Dessa forma, as empresas do lucro real, que pagariam o IRPJ à alíquota de 34%, abatem 15% do IRRF, economizando a diferença (cerca de 19%). A vantagem, além da economia, é o incentivo para as companhias financiarem sua atividade via capital próprio e não via endividamento bancário.

O governo anterior também tentou alterar o JCP, mas a reforma do Imposto de Renda não avançou e sequer chegou a ser votada pela Câmara dos Deputados. À época, as resistências relativas ao JCP foram grandes – e, em suma, os argumentos contrários às mudanças no mecanismo continuam iguais. O principal deles é que o JCP incentiva as empresas a se financiarem por meio do capital próprio, e que sua mudança ou extinção as levaria a se financiarem por meio do capital de terceiros.

“Com a modificação nas regras, provavelmente as empresas pagarão mais dividendos (efeitos para os acionistas) e se abre espaço para maior endividamento, seja com os próprios acionistas ou com terceiros, como forma de se reduzir a base de incidência dos tributos (IRPJ e CSLL)”, acreditam Amorim e Generoso. Além disso, eles esperam que as alterações, se vierem, impactarão no caixa das empresas, com repercussões para a economia como um todo.

Na entrevista abaixo, os advogados do Vieira Rezende abordam a busca das empresas por distribuírem JCPs ainda este ano e falam sobre as possíveis mudanças.


– Levantamento da fintech Meu Dividendo mostrou que a distribuição de juros sobre capital próprio (JCP) aumentou 31% neste ano (até setembro). O levantamento também mostrou que mais empresas estão usando o mecanismo. O que explica essa expansão? 

Priscila Generoso  e Rafael Amorim: Sem dúvida, a iminente alteração na legislação que venha a extinguir o instituto dos JCP ou a revogação da sua dedutibilidade das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL explicam esse movimento. Essas possíveis alterações seriam aplicáveis a partir do ano-calendário de 2024, mas não afetam as deliberações realizadas em 2023 (ainda que o pagamento efetivo dos JCP venha a ocorrer em 2024 ou em anos posteriores), garantindo às empresas a dedutibilidade para o ano corrente.


– Quais seriam as consequências da extinção/modificação das regras dos JCP, para empresas, acionistas e para a economia? 

Priscila Generoso  e Rafael Amorim: De forma geral, as empresas pagam JCP, tomando a sua dedutibilidade nas bases do IRPJ e da CSLL, e normalmente o valor é imputado aos dividendos que venham a ser distribuídos. Com a modificação nas regras, provavelmente as empresas pagarão mais dividendos (efeitos para os acionistas) e abre-se espaço para maior endividamento, seja com os próprios acionistas ou com terceiros, como forma de se reduzir a base de incidência dos tributos (IRPJ e CSLL).

Do ponto de vista econômico, além da tendência de crescimento de operações lastreadas em dívida, tanto no campo doméstico quanto no internacional, há uma perspectiva do aumento da arrecadação por parte do governo, já que há a ideia de também se tributar dividendos, no âmbito da reforma do Imposto de Renda, que é aguardada para o ano de 2024. Sem dúvida, esse conjunto de alterações impactaria no caixa das empresas, trazendo repercussões para a economia como um todo.


– Alguns consideram que o modelo europeu, que atrela o mecanismo equivalente ao JCP (ACE) a investimentos realizados por empresas, poderia ser uma alternativa. Como funciona o modelo europeu? 

Priscila Generoso  e Rafael Amorim: Allowance for Corporate Equity (ACE) é utilizado em alguns países da Europa e proporciona a neutralidade na escolha do modelo de financiamento adotado pela empresa, seja por capital próprio ou de terceiros. O ACE visa garantir que a escolha do financiamento por capital próprio seja compatível com o financiamento junto a terceiros, pelo menos do ponto de vista da base de incidência tributária. Como o regime busca essa neutralidade, fatores como inflação e depreciação não afetam a base de cálculo, pois os ajustes definidos pelo sistema visam justamente suprimir as diferenças, sob o ponto de vista tributário, entre a escolha pelo modelo de financiamento via equity ou debt.


– O mecanismo do JCP deveria ser aprimorado? O modelo europeu poderia ser uma inspiração?

Priscila Generoso  e Rafael Amorim: O mecanismo pode ser aprimorado, tendo como inspiração essa busca de neutralidade que faça com que a empresa e o acionista tomem a decisão de investimento via dívida ou capital sem que o elemento tributário seja efetivamente o norteador dessa escolha. Entretanto, o modelo europeu – que não é único, pois nem todos os países o adotam e, os que o adotam não o fazem de forma idêntica -, também pode trazer algumas distorções, principalmente no campo internacional, já que eventual jurisdição que não o adote pode rejeitar o tax relief no âmbito de acordos de bitributação. Além disso, o ACE pode influenciar na calibragem de alíquotas do Imposto de Renda ao tentar neutralizar os efeitos da escolha pela forma de investimento, tornando esse processo complexo e eventualmente gerando alíquotas altas.

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