Decisão do STJ reforça necessidade de cautela na elaboração do contrato social

Quando há omissão contratual, valor patrimonial se aplica à parcela do sócio dissidente

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Uma recente decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou a tendência de que vem ganhando força: a liberdade contratual. A corte decidiu que, quando se trata dos valores pagos ao sócio dissidente (saindo de determinada sociedade), o valor que deve ser pago a eles é o que consta do contrato social. Quando este for omisso sobre o tema, aplica-se o valor patrimonial.

Renato Tavares, sócio do FTA Advogados, diz que a decisão serve como um importante alerta aos sócios para a necessidade de serem cautelosos na elaboração e alteração dos contratos sociais. Se os sócios considerarem que o valor patrimonial não é o mais adequado para a remunerar aquele que está saindo da sociedade, devem fazer constar no contrato o valor que será aplicável.

No caso julgado (REsp 1.904.252-RS), uma sócia dissidente pleiteava o recebimento do valor que incorporava os lucros futuros da sociedade (o que seria possível por meio da utilização do critério do fluxo de caixa descontado). No entanto, o contrato social da empresa não estipulava qual critério deveria ser usado para a apuração de haveres, e, nesses casos, o entendimento foi o de que se aplica o valor patrimonial, já que os lucros futuros ainda não integram o patrimônio da sociedade.

Tavares recomenda atenção dos sócios porque a questão tem dois lados: ao mesmo tempo em que o STJ considerou que a adoção de modelos de avaliação com base nos resultados futuros poderia levar a um comportamento oportunista do sócio que se retira da sociedade, a avaliação pelo valor patrimonial também pode ser usada de forma indevida para “excluir” forçadamente um sócio de uma sociedade que, em determinado momento, pode ter um patrimônio inferior – mas que no futuro poderá ser incrementado. “O que fica claro é que cabe aos sócios o cuidado de negociar e elaborar a regra que melhor se aplica ao modelo de negócio, lembrando ainda que essa regra não é imutável e deve ser sempre reavaliada”, afirma.

Na entrevista abaixo, Tavares aborda a decisão do STJ sobre sócio dissidente. 


– Recentemente, a 4ª Turma do STJ entendeu que o valor que o sócio dissidente deve receber ao sair da sociedade deve ser o estipulado no contrato social e, caso este seja omisso, deve ser baseado no valor patrimonial. O que embasou essa decisão? 

Renato Tavares: O STJ já possuía outra decisão similar proferida pela 3ª Turma. O entendimento do STJ prima pela autonomia da vontade das partes ao reafirmar que deve prevalecer a regra de pagamento dos haveres determinada no contrato social entre os sócios. No caso de omissão do contrato social é que deve ser aplicada a regra geral do Código Civil, utilizando-se o valor patrimonial.

Ao analisar as duas decisões (a mais recente, da 4ª Turma, e a anterior, da 3ª Turma), verifica-se que o STJ adotou o entendimento no sentido de evitar a utilização de métodos de avaliação que poderiam levar a um comportamento oportunista do sócio que se retira ou é excluído da sociedade, como é caso de métodos de avaliação que consideram o resultado futuro da sociedade, resultado esse que – via de regra – não contará com a participação daquele sócio que não mais fará parte da sociedade.


– Qual é o alcance dessa decisão? Ela vale para todas as sociedades de capital fechado? 

Renato Tavares:  A decisão foi proferida em casos isolados envolvendo sociedades limitadas. Em uma análise mais abrangente, considerando o entendimento permitindo a possibilidade de direito de retirada em sociedades anônimas de pessoas, seria possível também a aplicação do entendimento do STJ.


– Como você avalia a decisão do STJ sobre o valor pago a sócios dissidentes? 

Renato Tavares:  A decisão fixa uma orientação no sentido de prevalência da regra estipulada entre os sócios, e, no caso de omissão do contrato social, confere uma interpretação ao Código Civil na parte que determina a apuração dos haveres com base na situação patrimonial da sociedade verificada em balanço especialmente levantado.

Do ponto de vista negocial, traz um entendimento que vem crescendo no Direito Empresarial, que é a valorização da liberdade contratual, ao reafirmar que primordialmente deve ser observado o pactuado entre as partes, para, então, aplicar a legislação existente em caso de omissão.


– O que se recomenda às sociedades no que diz respeito à possibilidade de saída de um sócio? Quais aspectos devem ser abordados no contrato social? 

Renato Tavares: O entendimento do STJ serve de importante alerta aos sócios que devem tomar as devidas cautelas na elaboração do seu contrato social, ou mesmo alterá-lo no curso da “vida” da sociedade, uma vez que a eventual omissão sobre a regra de pagamento dos haveres ou a mera indicação do artigo 1.031 do Código Civil (como é comum) implicará na aplicação da regra da apuração dos haveres pelo critério patrimonial. Se os sócios entendem que esse critério não é o correto para determinado negócio, ou que pode remunerar injustamente determinado sócio, devem se atentar a isso quando da elaboração ou modificação do contrato social. Importante frisar, o STJ deixa claro que deve prevalecer a liberdade contratual entre as partes (sempre obviamente respeitada a legalidade).

Nesse sentido, ao mesmo tempo que a decisão do STJ levou em consideração que a adoção de modelos de avaliação com base nos resultados futuros poderia levar a um comportamento oportunista do sócio que se retira da sociedade, a adoção da regra geral com base no balanço patrimonial também pode ser usada de forma indevida para “excluir” forçadamente um sócio de uma sociedade que, em determinado momento, pode apresentar um resultado patrimonial inferior, mas que no futuro poderá contar com ganhos expressivos. O que fica claro é que cabe aos sócios o cuidado de negociar e elaborar a regra que melhor se aplica ao modelo de negócio, lembrando ainda que essa regra não é imutável e deve ser sempre reavaliada.


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