Entenda como vai funcionar o mercado regulado de carbono

Projeto de Lei 412/22 será analisado pela Câmara dos Deputados

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Aprovado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal no início de outubro, o Projeto de Lei 412/22 cria o mercado regulado de carbono. O texto seguiu para a Câmara dos Deputados, mas ainda não é certo que o governo consiga atingir o seu objetivo, que é a aprovação do projeto antes da realização da 28ª edição da Conferência das Partes (COP28), prevista para novembro.


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O PL prevê a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), conforme o modelo cap and trade, adotado internacionalmente. Este prevê um limite máximo (cap) de emissões de gases do efeito estufa (GEE), de forma que empresas que emitirem mais do que o permitido comprem autorizações de emissões daquelas que emitirem menos do que podiam. O objetivo é incentivar o setor produtivo a reduzir as suas emissões de GEE.

Pelo texto aprovado no Senado, o agronegócio ficará de fora do SBCE, o que gerou muitas críticas – por ser o segundo maior em emissões de GEE do país. No entanto, o tema ainda poderá ser rediscutido na Câmara dos Deputados, para onde o projeto seguiu.

Todas as empresas que emitem mais de 10 mil toneladas de gás carbônico equivalente (tCO2e) por ano deverão apresentar periodicamente um plano de monitoramento e um relato das emissões e remoções de GEE. Já aquelas que emitem acima de 25 mil tCO2e por ano deverão, além do item anterior, obedecer a metas de redução de emissão de GEE estabelecidas no Plano Nacional de Alocação (PNA). Este plano, elaborado pelo  órgão gestor do SBCE, irá estabelecer os limites de emissão de cada atividade e vai definir a quantidade de emissões a que cada operador tem direito, explica Luciana Lanna, sócia do Vieira Rezende Advogados.

Novos ativos: Cotas Brasileiras de Emissões (CBR) e Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE)

A quantidade de emissões de GEE a que cada empresa tem direito, por sua vez, será representada pelas Cotas Brasileiras de Emissões (CBE) – cada uma equivale a 1 tCO2e. As CBEs podem tanto ser recebidas quanto compradas pelas empresas (quando elas emitirem a mais que o permitido). Caso a emissão da empresa supere as 25 mil tCO2e, a empresa precisará comprovar que detém as CBEs e o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE) equivalentes a suas emissões. Já o CRVE representa o crédito de carbono gerado pela efetiva redução de emissões ou remoção de 1 tCO2e de GEE. Além de poder ser comercializado, o CRVE também poderá ser usado em transferências internacionais no âmbito do Acordo de Paris.

Os agentes regulados terão que entregar para o órgão gestor do SBCE um plano de monitoramento e um relato das emissões e remoções de GEE, explicam Gyedre Carneiro de Oliveira e Viviane Castilho, sócia e parceira do Carneiro de Oliveira Advogados. O órgão gestor estabelecerá as punições para as empresas ou agentes que infringirem as regras do SBCE – até o momento, não há penalidade para as empresas. Entretanto, o PL 412/22 prevê a possibilidade de aplicação de advertências, multas, embargos e suspensão parcial ou total de atividade, perda de benefícios fiscais e linhas de financiamento, proibição de contratação com a administração pública por três anos e cancelamento de registro.

Adaptação das empresas e tramitação do PL 412/23

As advogadas do Carneiro de Oliveira consideram que, ainda que o PL 412/22 seja aprovado e promulgado em 2023, as empresas terão que submeter o seu primeiro plano de monitoramento e relato de emissões apenas dentro de dois a três anos. “De qualquer maneira, recomenda-se que as empresas realizem o inventário de emissões para terem um prognóstico e saberem se serão enquadradas no mercado regulado de carbono estabelecido e possam mensurar com antecedência o impacto dessa regulação em suas atividades”, recomendam.

Lanna, do Vieira Rezende, diz que as companhias de capital aberto já estão fazendo inventário de emissões de GEE para estar em conformidade com os critérios ESG, e que alguns estados brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro, já possuem legislação exigindo a produção de inventários de emissão. Portanto, não se esperam grandes dificuldades de adaptação.

Já a tramitação do PL 412/23 poderá ser mais complexa: embora a exclusão do agronegócio do rol de atividades que farão parte do mercado regulado (criticada por ambientalistas) possa facilitar a aprovação, é possível que mais setores pleiteiem ficar de fora do mercado regulado. O governo pretende aprovar o PL 412/23 até novembro, quando será realizada a COP28, mas alterações na Câmara farão o texto retornar ao Senado.

Na entrevista abaixo, Carneiro de Oliveira, Castilho e Lanna detalham o funcionamento do mercado regulado de carbono, conforme previsto pelo texto do PL 412/23 recentemente aprovado no Senado.


– Quais empresas estarão sujeiras aos tetos de emissão de dióxido de carbono, de acordo com o texto do substitutivo do Projeto de Lei 412/22, aprovado na Comissão de Meio Ambiente do Senado? Ele estabelece metas para reduzir progressivamente as emissões? 

Gyedre Carneiro de Oliveira e Viviane Castilho: Conforme o artigo 30 do substitutivo, os operadores responsáveis pelas instalações e fontes que emitam acima de 10.000 tCO2e (dez mil toneladas de gás carbônico equivalente) por ano deverão submeter plano de monitoramento à apreciação do órgão gestor do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE); enviar relato de emissões e remoções de gases de efeito estufa, conforme plano de monitoramento aprovado e atender outras obrigações previstas em decreto ou em ato específico do órgão gestor do SBCE.

Já os operadores responsáveis pelas instalações e fontes que emitam acima de 25.000 tCO2e (vinte e cinco mil toneladas de gás carbônico equivalente) por ano, além das obrigações previstas para a categoria anterior, deverão enviar o relato de conciliação periódica de obrigações.

Assim, podemos dizer que os operadores, definidos como “agente regulado no SBCE, pessoa física ou jurídica, brasileira ou constituída de acordo com as leis do país, detentora direta, ou por meio de algum instrumento jurídico, de instalação ou fonte associada a alguma atividade emissora de gases de efeito estufa;” que emitam acima de 10.000 tCO2e estarão sujeitos ao monitoramento e os que emitam acima de 25.000 tCO2e às metas de redução estabelecidas no Plano Nacional de Alocação (PNA).

Luciana Lanna: De acordo com o PL 412/22, ficam sujeitas ao Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que se inspira no modelo cap and trade adotado internacionalmente, as atividades, fontes e instalações que emitam acima de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano, sujeitas a um limite de emissões que será definido posteriormente.

Já as empresas que emitirem entre 10 mil toneladas de CO2e e 25 mil tCO2e terão que apresentar plano de monitoramento de suas emissões e reportar ao órgão gestor do SBCE as suas remoções anuais de gases de efeito estufa (GEE).


– De forma geral, as empresas sujeitas ao mercado regulado já efetuaram contabilização de suas emissões? O que se recomenda a elas, na iminência da aprovação do PL 412/22

Gyedre Carneiro de Oliveira e Viviane Castilho: As discussões e regulamentações no âmbito da ONU para o controle de emissões de GEE já existem ao menos desde 1997 com o protocolo de Kyoto. Somado a isso já existe um mercado regulado de carbono em outros países e, no Brasil, já existe o mercado voluntário.

Todos estes fatores, somados ao fato de que as maiores empresas, em geral, são as que mais emitem gases de efeito estufa e, em sua maioria, são companhias transnacionais, portanto já submetidas a algum tipo de controle de emissões de GEE, fazem com que, no Brasil, as empresas que se enquadrariam como agentes regulados já venham efetuando contabilização de emissões.

Ademais, desde 2008 existe o Programa Brasileiro GHG Protocol, e é responsável pelo desenvolvimento de ferramentas de cálculo para estimativas de GEE. Este programa foi desenvolvido pelo FGVces e WRI, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), World Business Council for Sustainable Development (WBSCD) e 27 empresas fundadoras.

A quantidade de empresas que relatam suas emissões de carbono aumentou consideravelmente nos últimos anos. Segundo um levantamento do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV, 305 companhias publicaram inventário de GEE em 2021, o que representa um aumento de 108% em relação a 2018.

De acordo com o levantamento “Inventários de carbono no Brasil e divulgação de métricas ESG entre empresas listadas” realizado pela Universidade de São Paulo (USP/Esalq), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e a startup Deep ESG, com o apoio da consultoria ForFuturing, 80% das companhias listadas na bolsa de valores brasileira disseram fazer inventários de emissões.

Mais recentemente, neste ano de 2023, o International Accounting Standards Board (IASB) divulgou um novo padrão climático, denominado IFRS S2, que define a forma como as empresas devem contabilizar suas emissões diretas e indiretas, com base em um método já amplamente utilizado, mas não obrigatório: o Greenhouse Gas Emissions Protocol.

Assim, já há um ambiente de contabilização de emissões.

Se o Projeto for aprovado, destaca-se que o artigo 50 estabelece um período de transição para a vigência do mercado regulado em quatro etapas:

  • período de 12 meses, prorrogáveis por mais 12 meses, para a edição da regulamentação desta Lei, contados da sua entrada em vigor;
  • período de 1 ano para operacionalização, pelos operadores, dos instrumentos para relato de emissões;
  • período de 2 anos, no qual os operadores estarão sujeitos somente ao dever de submissão de plano de monitoramento e de apresentação de relato de emissões e remoções de GEE ao órgão gestor do SBCE;
  • vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação, com distribuição não onerosa de Cotas Brasileiras de Emissões e implementação do mercado de ativos do SBCE;
  • implementação plena do SBCE, ao fim da vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação.

Dessa forma, ainda que o PL 412/22 seja aprovado e promulgado em 2023, há um intervalo de dois a três anos, pelo menos, para que as empresas tenham que submeter seu primeiro plano de monitoramento e relato de emissões. De qualquer maneira, recomenda-se que as empresas realizem o inventário de emissões para terem um prognóstico e saberem se serão enquadradas no mercado regulado de carbono estabelecido e possam mensurar com antecedência o impacto dessa regulação em suas atividades.

Luciana Lanna:  Companhias de capital aberto já estão fazendo inventário de emissões de GEE para estar em conformidade com os critérios ESG. Além disso, alguns estados brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro, já possuem legislação exigindo a produção de inventários de emissão, que se tornou obrigatória para empresas de determinados setores e portes.


– Quais são os mecanismos de acompanhamento previstos pelo projeto e como a contabilização das emissões será fiscalizada? Haverá punições para as empresas que não compensarem as suas emissões no Sistema de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE)? 

Gyedre Carneiro de Oliveira e Viviane Castilho: Segundo o artigo 32 do projeto de lei, o acompanhamento do cumprimento do Plano Nacional de Alocação em um determinado período de compromisso será feito por meio de um plano de monitoramento submetido pelos agentes regulados para análise e aprovação prévia pelo órgão gestor do SBCE, seguido da submissão anual de um relato de emissões e remoções de GEE, conforme plano de monitoramento aprovado.

Ainda, o artigo 35 estipula que ao final de cada período de compromisso ou em periodicidade inferior definida pelo órgão gestor do SBCE, o agente regulado deverá submeter anualmente ao órgão gestor do SBCE relato de conciliação periódica de obrigações, observados os modelos, prazos e procedimentos previstos em regulação do órgão gestor do SBCE.

Por sua vez, a contabilização é disciplinada no artigo 23, que prevê que o órgão gestor do SBCE manterá uma plataforma digital de Registro Central do SBCE, para receber e consolidar informações sobre emissões e remoções de GEE; assegurar contabilidade precisa da concessão, aquisição, detenção, transferência e cancelamento de ativos integrantes do SBCE; e rastrear as transações nacionais sobre os ativos integrantes do SBCE e transferências internacionais de resultados de mitigação.

Quanto às punições, o artigo 36 do substitutivo informa que as infrações administrativas por descumprimento das regras aplicáveis ao SBCE serão estabelecidas em ato específico do órgão gestor do SBCE. Assim, não há, até o momento, penalidade para as empresas.

Entretanto, o PL 412/22 prevê as modalidades de sanções e o processo administrativo para aplicação destas, que incluem desde advertências; multas; publicação, às expensas do infrator, de extrato da decisão condenatória por dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas, em meio de comunicação indicado na decisão, nos casos de reincidência de infrações graves; embargos; suspensão parcial ou total de atividade, de instalação e de fonte; e penas restritivas de direitos.

Luciana Lanna:  De acordo com o substitutivo, todos os operadores devem apresentar periodicamente um plano de monitoramento e um relato das emissões e remoções de GEE. Aquelas cujas emissões superarem 25 mil tCO2e devem comprovar que detêm as Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs) e o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE) equivalentes às suas emissões.

As CBEs podem tanto ser recebidas quanto compradas pelas empresas (quando elas emitirem a mais que o permitido). Já o CRVE representa o crédito de carbono gerado pela efetiva redução de emissões ou remoção de 1 tCO2e de GEE. Além de poder ser comercializado, o CRVE também poderá ser usado em transferências internacionais no âmbito do Acordo de Paris.

Caberá ao órgão gestor do SBCE elaborar o Plano Nacional de Alocação (PNA), que vai definir a quantidade de emissões a que cada operador tem direito. Essa quantidade é representada pelas CBEs. O PNA irá estabelecer o período de compromisso para o cumprimento de metas de redução de emissões de GEE definidas de acordo com o teto máximo de emissões. Ele estabelecerá, para cada período de compromisso: o limite máximo de emissões; a quantidade de CBE a ser alocada entre os operadores; as formas de alocação das CBE, gratuita ou onerosa, para as instalações e fontes reguladas; o percentual máximo de CRVE admitidos na conciliação periódica de obrigações; e a gestão e operacionalização dos mecanismos de estabilização de preços dos ativos. O Plano terá abordagem gradual entre os consecutivos períodos de compromisso, assegurada a previsibilidade para os operadores, e deverá ser aprovado com antecedência de pelo menos 12 meses antes do seu período de vigência.


– O que se espera da tramitação do substitutivo na Câmara dos Deputados? Quais pontos tendem a ser aprimorados? A exclusão do setor de agronegócios do mercado de carbono, por exemplo, foi bastante criticada.

Gyedre Carneiro de Oliveira e Viviane Castilho: Em que pese haver um consenso sobre a importância do projeto para que o Brasil possa atrair investimentos em economia verde e estimule sua transição energética, além do projeto aprovado no Senado não ter incluído o setor agropecuário, o que facilitará a discussão com a Frente Parlamentar Agropecuária na Câmara, a casa provavelmente sofrerá pressão de outros setores-chave da economia para que sejam criadas mais exceções aos atores regulados.

Ademais, a aprovação deste PL pode ser vinculada pela Câmara à negociação de outras pautas-chave como a Reforma Tributária, o novo PAC, eólicas offshore etc., o que dificultará o processo de aprovação.

Há meta de que a lei esteja aprovada até a COP28, como medida de demonstração do comprometimento brasileiro com a pauta climática perante o mundo. Entretanto, destaca-se que alterações no texto obrigatoriamente farão o PL retornar ao Senado, de forma que o próprio trâmite do PL, ainda que em ritmo acelerado, pode acabar por atrasar a aprovação até a COP28.

A exclusão do agro foi criticada por ambientalistas por ser o segundo setor que mais emite GEE no Brasil. Contudo, há de se mencionar que a primeira fonte de GEE’s no Brasil é o desmatamento ilegal, de forma que combatido este e estimulada a agropecuária legal, é possível uma redução expressiva de emissões. Ainda, não há nenhum outro mercado regulado no mundo que inclua as atividades agropecuárias por falta de uma metodologia confiável de contagem de emissões desta fonte.

Luciana Lanna:  A versão aprovada não considera a produção primária agropecuária entre as atividades, fontes ou instalações reguladas e submetidas ao sistema de comércio de emissões em razão das incertezas ainda existentes na metodologia de estimativa de emissões do setor. O mercado de carbono regulado não é a ferramenta adequada para promover a redução das emissões do agro. De acordo com Shigueo Watanabe Jr., não existe um instrumental técnico para medir a emissão de cada vaca e a qualidade de cada pasto. Inclusive nenhum mercado regulado no mundo incluiu o setor.

Na Câmara dos Deputados, já se articula o relator. Entre os cotados, estão o deputado Sergio Souza (MDB/PR), ex-presidente da FPA, e Aliel Machado (PV/PR), relator do PL 2148/2015, onde está apensado o PL 528/2021 que também propõe a criação de um mercado de carbono. O texto já tramita em regime de urgência.

A expectativa do governo é aprovar o marco até novembro, antes da COP 28, a conferência climática da ONU que este ano ocorre em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Embora haja um esforço em prol da celeridade, é provável que, ao chegar ao chegar à Câmara, o texto receba muitas contribuições.

O descumprimento das regras do SBCE pode resultar em penalidades como multa de até R$ 5 milhões ou 5% do faturamento bruto da empresa. Entre as punições, estão previstos ainda embargo da atividade, perda de benefícios fiscais e linhas de financiamento, proibição de contratação com a administração pública por três anos e cancelamento de registro.

O projeto estabelece um período de transição para aplicação das regras do SBCE, que terá até dois anos para ser regulamentado pelo comitê gestor. Dois anos após a regulamentação, os operadores serão obrigados a conciliar suas metas.


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