Por que o Brasil deveria ter um mercado regulado de carbono

Na iminência da COP26, País ainda não conta com legislação sobre o assunto

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A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) ocorre entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia. A expectativa é que, no encontro, ocorra a regulação do artigo 6º do Acordo de Paris, que trata do mercado de carbono global. 

No Brasil, o assunto vem ganhando corpo. O Projeto de Lei 528/2021, de autoria do vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). Até o momento, o mercado voluntário de carbono é o único em funcionamento no País, mas não há legislação sobre ele — e tampouco sobre o mercado regulado.

Ana Barbosa, advogada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, explica que os mercados voluntários são aqueles nos quais as pessoas físicas e jurídicas transacionam créditos gerados por atividades e projetos que reduzem as emissões de gases do efeito estufa (GEE) ou capturam carbono da atmosfera. Esses créditos são adquiridos e utilizados para compensação de emissões (offsets). Já nos mercados regulados as empresas são obrigadas pela legislação a reduzir as suas emissões e podem transacionar permissões de emissões com outras empresas. 

Recentemente, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) lançou uma proposta de substitutivo ao PL 528 que abrange tanto o mercado voluntário como o regulado. 

Pietro De Biase, associado do Vieira Rezende Advogados, diz que a criação de um Sistema Regulado de Comércio de Emissões depende da criação de uma autarquia para implementar e coordenar o mercado de emissões – uma de suas tarefas seria a alocação dos direitos de emissão por grandparenting (método pelo qual as empresas recebem permissões gratuitas de emissões com base em suas emissões históricas em determinado período).

“O mercado regulado de carbono pode contribuir para acelerar os investimentos e permitir uma transição para setores da economia brasileira que são emissores intensivos”, considera Barbosa. No entanto, ela pondera que, isoladamente, ele não resolverá os problemas de emissão de GEE do Brasil, já que a maior parte delas tem origem no desmatamento (44%) e na agropecuária (29%). 

Na entrevista abaixo, Barbosa e De Biase abordam a importância dos mercados de carbono. 


Quais são os tipos de mercado de carbono e quem são os seus principais participantes? 

Ana Barbosa: A necessidade global de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e responsabilizar emissores pela externalidade negativa decorrente de suas atividades levou à implementação de um mecanismo de precificação do carbono, que é a atribuição de um preço sobre as emissões de GEE. Os mercados de comercialização de emissões (ETS – Emissions Trading Scheme), conhecidos como mercados de carbono, podem ser regulados ou voluntários, e juntamente com a tributação do carbono, são mecanismos que têm sido adotados sob o guarda-chuva da precificação do carbono.

Os mercados regulados são aqueles onde as empresas são obrigadas pela legislação a reduzir as suas emissões com a limitação (cap) e são autorizadas a transacionar permissões com outras empresas (trade). Tais previsões estão vinculadas aos compromissos de reduções previstos nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) dos países, nos termos do Acordo de Paris. 

Já o mercado voluntário é aquele onde as pessoas físicas e jurídicas transacionam créditos gerados por atividades e projetos que reduzem as emissões de GEE ou capturam carbono da atmosfera. Esses créditos são adquiridos e utilizados para compensação de emissões (offsets). São voluntários porque não há regulamentação do Estado obrigando a redução das emissões ou estabelecendo outros limites. Muitas empresas ao redor do mundo atuam no mercado voluntário como forma de demonstrar a investidores, fornecedores e sociedade como um todo o cumprimento de metas relacionadas às práticas ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês).

Pietro De Biase: O mercado de carbono se subdivide em mercado regulado e voluntário. O mercado de carbono regulado surgiu com o Protocolo de Quioto, assinado em 1997 e em vigor desde 2005. A partir de Quioto, alguns dos principais países responsáveis pelo aquecimento global se comprometeram em reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, criando obrigações legais para empresas dentro de seus territórios que incluem o limite de emissões e a possibilidade de compra de créditos de carbono de mecanismos definidos em Quioto para compensar a emissão além da meta, no período de 2008 a 2012.

Os mercados voluntários surgiram em paralelo a Quioto, inicialmente com as Reduções Voluntárias de Emissões – VERs, na sigla em inglês.  A oferta é gerada por projetos que reduzem emissões com o sistema de crédito-linha de base. Os créditos gerados são certificados e oferecidos para serem usados como offsets para uma meta voluntária de redução de emissões (empresas e indivíduos) motivada por razões reputacionais e, mais recentemente, especulativas. O mercado voluntário, por sua vez, diferencia preços por fontes, origem e compatibilidade regulatória. É digno de nota que, diferente do que ocorre no mercado regulado de carbono, no mercado voluntário os créditos emitidos não estão sujeitos a registro na Organizações das Nações Unidas (ONU), não podendo contar, por exemplo, na contabilidade oficial do carbono usada para o atingimento da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) brasileira apresentada no âmbito do Acordo de Paris. 


No Brasil, como está a atividade do mercado voluntário de carbono?

Ana Barbosa: O mercado voluntário de carbono no Brasil ainda é embrionário, mas seu potencial é enorme. Espera-se que a regulamentação do programa de pagamento por serviços ambientais (Lei 14.119/2021) e o incentivo ao Programa Floresta + Carbono possam levar a um aumento da emissão de créditos de carbono e consequentemente fomentar o mercado voluntário. 

Pietro De Biase: O mercado voluntário de carbono no Brasil começou em Quioto e está muito relacionado ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) para projetos de energia e Projetos Redd (reduções de emissões de gases de efeito estufa e aumento de estoques de carbono florestal) para o setor florestal.


Na sua opinião, seria importante que o Brasil contasse com um mercado regulado? 

Ana Barbosa: A emergência climática é, sem dúvidas, o maior desafio da humanidade. Precisamos conter o aquecimento global e a destruição dos ecossistemas e para isso a transição para uma economia de baixo carbono é fundamental. O mercado regulado de carbono pode contribuir para acelerar os investimentos e permitir uma transição para setores da economia brasileira que são emissores intensivos. Os investimentos que terão que ser feitos são altos e os mercados contribuem para que as adaptações tecnológicas sejam feitas de forma efetiva e gradativa, principalmente em setores como mineração, produção de metais, energia, indústria química, de transporte, dentre outras.

Mas é importante ressaltar que o mercado de carbono regulado não resolverá os problemas do País. A maior parte das emissões de GEE do Brasil é de responsabilidade da mudança do uso da terra, ou seja, desmatamento (44%) e agropecuária (29%). Assim, outros instrumentos de preservação e recuperação de áreas desmatadas, como o pagamento por serviços ambientais, são fundamentais para a implementação eficiente da política climática brasileira.

Pietro De Biase: O Projeto PMR (Partnership for Market Readiness), coordenado pelo Ministério da Economia e pelo Banco Mundial, concluiu que a melhor forma de precificação de carbono para o Brasil é via comércio de emissões. Isso se justifica porque, considerando o perfil das emissões brasileiras, em que a distribuição de emissões por fonte é muito desigual, a obrigatoriedade para participar desse mercado procura ter como foco as fontes principais que, agregadas, cubram de 80 a 90% das emissões. Para isso, somente fontes com emissão acima de um patamar estariam obrigadas a participar desse mercado regulado. Essa medida, além de reduzir custos de monitoramento, exclui empresas de médio e pequeno porte, que teriam maior dificuldade de participação.


Quais seriam os efeitos da criação de um mercado regulado de carbono no País? 

Ana Barbosa: Espera-se que o mercado de carbono regulado no Brasil contribua para a adoção de tecnologias mais limpas e eficientes, revolucionando a indústria e gerando novos negócios e empregos e melhorando a imagem das empresas nacionais e do Estado brasileiro internacionalmente. Além disso, a precificação de carbono no Brasil poderá ser necessária para o equilíbrio das relações de comércio internacional, visto que a União Europeia e outros países estudam a adoção de um mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (carbon border adjustment mechanism).

Pietro De Biase: A criação de um Sistema Regulado de Comércio de Emissões depende da criação de uma instituição governamental executiva (nível federal), no modelo de uma autarquia em regime especial, para implementação e coordenação do mercado de emissões. Uma das tarefas principais será a alocação dos direitos de emissão por grandparenting, método de alocação no qual as empresas recebem permissões gratuitas com base em suas emissões históricas em determinado período. Com base em emissões atuais, seria necessário evoluir nas fases seguintes para benchmarking com base em indicadores de intensidade de carbono. As alocações gratuitas de direitos/licenças de emissão são direcionadas para os setores de intensa emissão e expostos ao comércio internacional como um mecanismo de proteção à competitividade. Os direitos/licenças de emissão emitidos pelo regulador que não forem distribuídos gratuitamente são vendidos em leilões. As fontes reguladas têm de conciliar suas emissões com um total equivalente de direitos/licenças de emissão. Par tal, elas comparam seu custo marginal de mitigação com o preço de equilíbrio desse mercado. As fontes reguladas podem, assim, realizar essa conciliação (i) com o montante de alocação gratuita, (ii) comprando em leilões, (iii) comprando parte do orçamento de carbono dos outros regulados. 

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  1. […] Um ativo ainda pouco conhecido do público brasileiro vem se valorizando de forma consistente desde o início deste ano. Trata-se do Crédito de Descarbonização (CBio), título que representa uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) que deixou de ser lançada na atmosfera. Emitidos pelas produtoras de biocombustíveis, esses certificados são comprados por participantes da cadeia de distribuição, como parte do programa RenovaBio, para compensar suas emissões de CO2.  […]

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  3. […] Um ativo ainda pouco conhecido do público brasileiro vem se valorizando de forma consistente desde o início deste ano. Trata-se do Crédito de Descarbonização (CBio), título que representa uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) que deixou de ser lançada na atmosfera. Emitidos pelas produtoras de biocombustíveis, esses certificados são comprados por participantes da cadeia de distribuição, como parte do programa RenovaBio, para compensar suas emissões de CO2.  […]

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