Mercado regulado de carbono: agora vai?

Governo trabalha pela aprovação do substitutivo do Projeto de Lei 412/2022 antes da COP28

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Marcada para novembro, a 28ª edição da Conferência das Partes (COP28) será realizada nos Emirados Árabes Unidos. Até lá, o governo brasileiro espera ter avançado na criação do mercado regulado de carbono. A aposta do governo é na aprovação do substitutivo do Projeto de Lei 412/2022, relatado pela senadora Leila Barros, e que foi apresentado na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal no fim de agosto.

Até o momento, o Brasil só conta com o mercado voluntário – no qual as empresas voluntariamente decidem compensar a emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) por meio da compra de créditos de carbono. No entanto, o substitutivo do PL 412/2022 pretende criar um mercado nos moldes cap and trade (que estipula um limite máximo de emissões de GEE para setores e empresas e prevê a comercialização de créditos entre setores que poluem mais com aqueles que poluem menos).

“A minuta recentemente incorporada como substitutivo do Projeto de Lei nº 412/2022 do Senado Federal propõe um modelo de precificação sob a ótica do cap and trade, semelhante ao praticado internacionalmente, buscando estabelecer um mercado de carbono que tenha uma conexão com mercados mais maduros no contexto internacional”, avalia Luciana Lanna, sócia do Vieira Rezende Advogados.

Uma novidade é que o PL prevê a interligação entre os mercados regulado e voluntário. O governo estabelecerá um limite de volume de gases que podem ser emitidos pelos diversos setores econômicos. Quem emitir menos que o teto passaria a ter cotas referentes às emissões evitadas e, de forma análoga, quem emitir mais teria que compensar dentro do mercado regulado – ou parcialmente no mercado voluntário.

Além disso, Lanna explica que o substitutivo dedica um capítulo para tratar do mercado voluntário, estabelecendo algumas regras como a natureza jurídica e a tributação dos créditos de carbono, criando a possibilidade de os créditos de carbono do mercado voluntário serem considerados Certificados de Reduções ou Remoções Verificadas de Emissões integrantes do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de gases de efeito estufa (SBCE), para que possam ser utilizados pelos agentes regulados para o atendimento de suas obrigações. O percentual desse uso offset será definido via regulamentação.

O substitutivo do PL 412/22 é considerado mais bem acabado que outras tentativas de regulamentar o mercado de carbono. No ano passado, o governo federal editou o Decreto 11.075/2022, que tratava basicamente da regulação do mercado voluntário, e que foi revogado  pelo Decreto nº 11.550, de junho de 2023. Com relação a outro PL que tratava do tema, o PL 528/2021, o substitutivo foi considerado positivo por reconhecer os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais nos projetos de crédito de carbono desenvolvidos em áreas ocupadas.

Outro ponto relevante é que o substitutivo do PL 412/2022 caracteriza os créditos de carbono como valores mobiliários, atraindo a competência regulatória da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), explica Lanna.

Na entrevista abaixo, a advogada do Vieira Rezende aborda alguns pontos do substitutivo do PL 412/2022.


– Quais são os principais pontos do substitutivo do PL 412/2022, voltado ao mercado de carbono? Ele cria um mercado nos moldes cap and trade, com limites para a emissão de gases do efeito estufa (GEE) ou regulamenta o mercado voluntário? Ele permite a compensação de créditos do mercado regulado com os créditos do mercado voluntário?

Luciana Lanna: A minuta recentemente incorporada como substitutivo do Projeto de Lei nº 412/2022 do Senado Federal propõe um modelo de precificação sob a ótica do cap and trade, semelhante ao praticado internacionalmente, buscando estabelecer um mercado de carbono que tenha uma conexão com mercados mais maduros no contexto internacional.

Além disso, o PL prevê a coexistência de mercados regulado e voluntário para a redução das emissões dos gases de efeito estufa (GEE), nos seguintes termos: o governo estabelecerá um limite de volume de gases que podem ser emitidos pelos setores econômicos. Aquelas empresas que emitirem menos passariam a ter cotas referentes a essas emissões evitadas e aquelas que emitirem mais teriam que compensar dentro do mercado regulado ou em parte do mercado voluntário.

O substitutivo define um limite de emissões de 25 mil toneladas por CO2 por ano, focando em indústrias intensivas em carbono. No entanto, não limita a sua aplicação a uma lista de setores regulados. Caberá ao regulamento delimitar quais serão as atividades prioritárias, a exemplo da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que incialmente se aplicava a alguns produtos, mas previu que, por meio de regulamento ou em acordos setoriais e termos de compromisso firmados entre o poder público e o setor empresarial, os sistemas de logística reversa poderiam ser estendidos aos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, o grau e a extensão do impacto dos resíduos gerados à saúde pública e ao meio ambiente.

O substitutivo dedica um capítulo para tratar do mercado voluntário, estabelecendo algumas regras como a natureza jurídica e a tributação dos créditos de carbono, criando a possibilidade de os créditos de carbono do mercado voluntário serem considerados Certificados de Reduções ou Remoções Verificadas de Emissões integrantes do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de gases de feito estufa  (SBCE), para que possam ser utilizados pelos agentes regulados para o atendimento de suas obrigações. O percentual desse uso offset será definido via regulamentação.


– Com relação a demais projetos e/ou normas apresentados anteriormente (como o Decreto 11.075/22 e o PL 528/21), quais são as principais diferenças? Há avanços na proposta atual?

Luciana Lanna: O Decreto nº 11.550 de 05 de junho de 2023 revoga expressamente o Decreto º 11.075/2022, que delineava os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e instituía o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SINARE). Além disso, trata sobre o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), que será responsável pelas estratégias do País no âmbito do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Diferente do PL 528/2021, o substitutivo reconhece os direitos dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais nos projetos desenvolvidos em áreas tradicionalmente ocupadas e prevê penalidades com base na legislação ambiental.


– Como se dará a governança do mercado de carbono brasileiro?

Luciana Lanna: O substitutivo propõe a instituição SBCE, que deverá observar princípios como previsibilidade e segurança jurídica, respeito e garantia dos direitos dos povos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais, além de fazer a conciliação periódica de obrigações entre as quantidades de Cotas Brasileiras de Emissões e de Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões e garantir a rastreabilidade eletrônica da emissão, detenção, transferência e cancelamento desses ativos.

Na governança do Sistema, propõe-se a composição pelo Comitê Interministerial de Mudança do Clima, previsto no artigo 7º da Lei nº 12.187/2009, pelo órgão gestor do SBCE e pelo Grupo Técnico Permanente. O regulamento estabelecerá a composição e as regras de funcionamento dessa governança.


– Como o projeto define ativos de carbono? Ele permite a compensação de créditos do mercado regulado com os créditos do mercado voluntário?

Luciana Lanna: O substitutivo caracteriza os créditos de carbono como valores mobiliários, atraindo a competência regulatória da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Isso significa que a negociação deles será regulamentada pela CVM. No entanto, no II do artigo 16, prevê tratamento especial para esses ativos, não ficando sujeitos aos custos de conformidade da Lei nº 6385/76.


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