Nova possibilidade para o mercado de carbono

Modelo de cap and trade está previsto no PL 528/21

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No ano passado, o governo federal tentou implementar o mercado de carbono no Brasil via decreto – publicado em maio, o Decreto 11.075/22 estabeleceu um prazo de 180 dias, prorrogável por outros 180, para que, de forma voluntária, diversos setores da economia apresentassem um plano de mitigação da emissão de gases de efeito estufa (GEE). A iniciativa foi considerada insuficiente por não criar de forma efetiva um mercado regulado de créditos de carbono, nos moldes de limites máximos para emissão (cap) e comercialização (trade), e por ter sido viabilizada via decreto. É justamente este um dos objetivos do PL 528/21, que tramita na Câmara dos Deputados, e que propõe criar dois sistemas: o Sistema Nacional de Registro de Compensações de Gases de Efeito Estufa (SNRC) e o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).

“O PL apresenta uma proposta de governança climática abrangente, com mecanismos de controle e transparência, objetivando garantir segurança e confiabilidade aos créditos registrados e comercializados”, considera Ana Carolina Barbosa, advogada do Freitas Ferraz Advogados. Os dois sistemas (SNRC e SBCE) abrangeriam os mercados regulado e voluntário de créditos de carbono, e seriam independentes e complementares. Ao abarcar ambos os mercados e estabelecer uma governança, o escopo do projeto é muito mais amplo do que o decreto do ano passado.

“É importante destacar que, no sistema estruturado no PL, serão comercializados os direitos de emissões de gases de efeito estufa (DEGEEs) e não as compensações (offsets), aproximando o mercado regulado brasileiro às regulamentações existentes em outros países”, explica Barbosa. Nos moldes do projeto de lei, este seria um mercado de cap and trade – no qual as empresas que emitem menos GEE que os limites estipulados podem comercializar os créditos de carbono, e as que emitem mais devem comprá-los. O objetivo é criar um mecanismo econômico para que as empresas reduzam suas emissões de GEE.

A expectativa é de revogação do decreto e implementação do mercado de cap and trade pelo PL 528/21 – que vem sendo objeto de discussões mais amplas e fundamentadas. No governo anterior, a prioridade vinha sendo dada ao mercado voluntário de carbono.

Na entrevista abaixo, Barbosa aborda os principais pontos do projeto e explica os diferentes entendimentos sobre a natureza jurídica do crédito de carbono.


– Quais são os principais pontos do PL 528/21? Ele é voltado para o mercado voluntário de carbono e/ou para o mercado regulado? 

Ana Carolina Barbosa: O Projeto de Lei nº. 528/21, que contou a contribuição direta do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), outras entidades, empresas e especialistas, tramita na Câmara dos Deputados por iniciativa do deputado Marcelo Ramos, e propõe a criação de dois sistemas: o Sistema Nacional de Registro de Compensações de Gases de Efeito Estufa (SNRC) e o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).

Estes dois sistemas abrangeriam o mercado regulado e o mercado voluntário de créditos de carbono no Brasil, e seriam independentes e complementares. O PL apresenta uma proposta de governança climática abrangente, com mecanismos de controle e transparência, objetivando garantir segurança e confiabilidade aos créditos registrados e comercializados.


– No que o PL 528/21 difere do Decreto 11.075/22, que regulamentou o mercado voluntário de créditos de carbono?

Ana Carolina Barbosa: O PL 528/21 objetiva a promoção da economia de baixo carbono e o atendimento aos compromissos do Brasil no âmbito do Acordo de Paris, sendo muito mais abrangente do que o Decreto nº. 11.075/22. O PL visa regulamentar o mercado regulado e o mercado voluntário, apresentando a estrutura legal, governança, diretrizes, princípios e prazos que serão fundamentais para a implementação do Sistema Brasileiro de Comércio de Direitos de Emissões (SBCE). É importante destacar que, no sistema estruturado no PL, serão comercializados os direitos de emissões de gases de efeito estufa (DEGEEs) e não as compensações (offsets), aproximando o mercado regulado brasileiro às regulamentações existentes em outros países.

As diretrizes propostas no PL compreendem o procedimento para determinar um orçamento agregado de direitos de emissões de gases de efeito estufa (DEGEEs) de cada setor da economia, correspondente à sua contribuição nas emissões totais do país; apresentar um mecanismo que garanta o custo-efetividade do monitoramento do sistema com o objetivo de garantir a maior cobertura de emissões com o menor custo de participação; evitar o vazamento de emissões por meio da identificação de setores com risco de competitividade internacional, garantindo que estes deverão ser beneficiados pela alocação gratuita de direitos de emissões e promover a estabilidade do sistema com o controle de compatibilidade do incentivo econômico dos preços com as metas agregadas de redução.

Existe a previsão de um prazo limite de dois anos para que o Ministério da Ciência e Tecnologia, ouvindo os demais ministérios, e seguindo as orientações do Conselho Nacional de Política Climática, regulamente o SBCE, elaborando um cronograma de quantificação de limites de emissões de gases, períodos de compromisso e determinando a autoridade competente para a sua implantação e gestão.

O Plano Nacional de Alocação de emissões de gases de efeito estufa deverá ser implementado pela autoridade competente de forma gradual e faseada, garantindo a segurança e estabilidade da economia nacional. Na regulamentação do plano serão determinados: o controle da trajetória das metas; os limites de emissão para participação obrigatória no sistema; as regras de banking; o percentual de uso de offsets; bem como as regras para participação de entidades não reguladas.

O Decreto nº. 11.075/2022, por outro lado, estabeleceu os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de mitigação das Mudanças Climáticas, e instituiu o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, mas não detalhou procedimentos e diretrizes de governança e controle.


– De que forma as normas atualmente definem a natureza jurídica dos créditos de carbono e por que seria importante haver uma definição via lei? O PL 528/21 traz essa definição?

Ana Carolina Barbosa: O Código Florestal (Lei nº. 12.651/2004) define o crédito de carbono como “título de direito sobre bem intangível e incorpóreo transacionável”. A Receita Federal do Brasil, na Solução de Consulta nº. 24, ao tratar de operações com créditos de carbono no âmbito do Protocolo de Quioto, entendeu que os créditos teriam a natureza de ativos intangíveis. O Banco Central (BC) já considerou as operações com créditos de carbono como prestações de serviço (Circular nº. 3.291/2005), mas, recentemente, com a Instrução Normativa nº. 325/22, estabeleceu regras de contabilização, para as instituições financeiras, de operações com créditos de sustentabilidade, aplicando os controles contábeis próprios dos ativos intangíveis.

Também existe dúvida sobre se os créditos de carbono podem ser considerados como valores mobiliários e se estariam sujeitos à regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em 2009, a Lei nº. 12.187, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), classificou os créditos de carbono como “títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas”. No passado, a CVM se manifestou no sentido de que os créditos de carbono negociados no âmbito do Protocolo de Quioto não eram valores mobiliários. Contudo, na Resolução CVM 175/22, os créditos de carbono e os créditos de descarbonização (CBios) foram classificados como ativos financeiros, o permitirá a criação de fundos com esses ativos em carteira de agora em diante. A classificação dos créditos de carbono como ativos financeiros se deu, pela primeira vez, no Decreto nº. 11.075/22.

O PL segue as diretrizes do Código Florestal e considera que os créditos de carbono são ativos intangíveis, incorpóreos e transacionáveis. A definição da natureza jurídica dos créditos de carbono é fundamental para garantir um correto tratamento contábil e tributário das atividades relacionadas à geração, compensação e comercialização no mercado regulado e voluntário. A segurança da regulamentação das operações com créditos de carbono e do tratamento tributário adequado garantirá a sustentabilidade do mercado com esses créditos e, consequentemente, o seu sucesso.


– Quais são as expectativas com relação à tramitação do PL 528/21 no Congresso? Se a ela avançar, o que se espera com relação ao Decreto 11.075/22?  

Ana Carolina Barbosa: Antes mesmo da mudança de governo, na época da COP 26 em Glasgow, já existia uma expectativa de que a tramitação do PL na Câmara fosse célere. O presidente da Câmara, Arthur Lira, se comprometeu, na época, a garantir uma tramitação célere do projeto, mas o ano de 2022 apresentou muitos desafios políticos. Com o Decreto nº. 11.075/22, houve um aumento na pressão das instituições pela tramitação do PL.

O novo governo considera que o mercado de carbono será essencial para o avanço da economia de baixo carbono no Brasil e o cumprimento das metas do Acordo de Paris, portanto, a expectativa é que o PL 528/21 não demore a ser votado. Se a lei vier a ser promulgada, será específica e hierarquicamente superior ao decreto, de modo que todo ele ou os dispositivos incompatíveis serão revogados.

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