Administradores judiciais estão em alta no Brasil

Entenda o papel dessa figura tão relevante nos processos de recuperação judicial

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As recuperações judiciais (RJ) estão em alta no Brasil. Além de empresas bem conhecidas do público e que entraram em RJ neste ano, como a Americanas e a Light, várias empresas de médio e pequeno porte também recorreram ao instrumento para renegociar suas dívidas e continuar em atividade. Em todos esses casos, a existência de um administrador judicial é obrigatória por lei — e, ao que tudo indica, trabalho não vai faltar ao longo deste e dos próximos anos.

Dados da Serasa Experian publicados pelo Valor Econômico indicam alta de 37,6% nos pedidos de RJ no primeiro trimestre, em relação ao mesmo período do ano passado, e de 44,1% nos de falência.

Claudio Pieruccetti, sócio do Vieira Rezende Advogados, explica que o administrador judicial tem um papel muito relevante no processo de RJ. Cabe a ele, por exemplo, comunicar e fiscalizar o andamento do processo de RJ, fornecer informações aos credores e elaborar e consolidar o quadro-geral de credores da empresa em RJ, convocar a assembleia geral de credores, fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de RJ, apresentar relatório mensal das atividades e zelar pela condução do processo, evitando atitudes procrastinatórias do credor ou do devedor. E, ainda, requerer a falência em algumas situações, como o descumprimento de obrigação prevista no plano. “Em resumo, o administrador judicial é uma figura primordial para o bom andamento dos negócios e do processo judicial em si”, afirma.

Nem sempre, no entanto, as relações entre administradores judiciais e empresas são pacíficas por conta da existência de possíveis conflitos de interesses. Pieruccetti pontua que, enquanto o administrador judicial deve zelar pelo cumprimento do plano em prol dos credores, os controladores visam obter o maior proveito possível da sociedade empresária, de forma que é possível que em determinadas situações esse conflito desague para uma solução litigiosa. Mas ele lembra que o administrador judicial deve buscar uma solução consensual para eventuais conflitos. Embora a lei preveja algumas possibilidades de destituição dessa figura, na prática essa tarefa não é simples porque é necessário produzir prova contundente a respeito de uma “falta” ou mesmo da intenção de produzir um determinado resultado maléfico para o devedor, avalia o advogado.

Na entrevista abaixo, Pieruccetti elucida os principais aspectos sobre a escolha, as atribuições, a remuneração e uma eventual destituição do administrador judicial.


Nas recuperações judiciais (RJ), qual é o papel do administrador judicial?

Claudio Pieruccetti: O administrador judicial pode ser uma pessoa física ou jurídica, escolhido preferencialmente dentre economistas, administradores de empresas ou advogados, sendo certo que na hipótese de o escolhido ser uma pessoa jurídica será necessário indicar o nome do profissional responsável pela condução do serviço (artigo 21 da Lei nº 11.101/05).

O artigo 22 da Lei nº 11.101/05 lista o rol de obrigações do administrador judicial, sendo que no inciso I estão aquelas comuns ao seu papel na recuperação judicial e na falência, e dentre as quais pode-se destacar:

  • comunicação aos credores sobre a data do pedido de recuperação judicial;
  • fornecimento de informações aos credores;
  • elaboração e consolidação do quadro-geral de credores;
  • convocar assembleia geral de credores nos casos expressamente previstos em lei, bem como em outras hipóteses que julgar necessária a sua oitiva; e
  • contratar profissionais especializados para auxiliá-lo quando julgar necessário.

 

Já no inciso II do mesmo dispositivo legal, a lei prevê que cabe ao administrador judicial, dentre outras obrigações: fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação, requerer a falência em caso de descumprimento de obrigação prevista no plano, apresentar relatório mensal das atividades e zelar pela condução do processo, evitando expedientes dilatórios do credor ou do devedor.

Em resumo, o administrador judicial é uma figura primordial para o bom andamento dos negócios e do processo judicial em si.


– Como o administrador judicial é escolhido e remunerado? 

Claudio Pieruccetti: Segundo dispõe o artigo 24 da Lei nº 11.101/05, é responsabilidade do juiz fixar a remuneração do administrador judicial, sempre observando a capacidade de pagamento do devedor, responsável pelo pagamento (vide artigo 25), a complexidade do trabalho e as práticas do mercado para atividades semelhantes.

O §1º do artigo 24 impõe uma limitação para a fixação de tais honorários, qual seja, 5% do valor devido aos credores submetidos ao regime da recuperação judicial, sendo certo que na hipótese de falência a limitação de 5% tem como base o valor de venda dos bens do devedor.

Sobre essa limitação, o legislador achou por bem impor um limite menor para o caso de a recuperação judicial envolver microempresas e de empresas de pequeno porte ou, ainda, de produtor rural. Nesses casos, o limite é reduzido para 2%, conforme disposto no §5º do artigo 24.

A remuneração, contudo, não é recebida de maneira antecipada, tendo em vista que o §2º do artigo 24 determina que 40% do montante devido deve ser reservado para pagamento após a apresentação das contas (artigo 154), que ocorre após a realização de todo o ativo, bem como o julgamento das referidas contas (artigo 155).

Vale ressaltar que na hipótese de reprovação das contas do administrador judicial, a remuneração não será devida, nos termos do §4º do artigo 24 da Lei nº 11.101/05.

Ela será devida proporcionalmente ao trabalho realizado até o momento da substituição, exceto se houver renúncia sem relevante razão ou quando ele for destituído das funções por desídia, culpa, dolo ou descumprimento das obrigações legais (§3º do artigo 24), casos em que a remuneração não será devida.


Em que situações o administrador judicial pode ser substituído? São comuns os conflitos entre o administrador e os controladores de empresas em recuperação judicial (RJ)?

Claudio Pieruccetti: Como dito na resposta anterior, pode ser extraído do artigo 24, §3º, que o administrador judicial pode ser destituído nas hipóteses de culpa, dolo (intenção de praticar determinado ato), desídia ou descumprimento das obrigações legais.

Mas, independentemente dessa interpretação, o artigo 31 da Lei nº 11.101/05 prevê que, de ofício ou a requerimento de qualquer interessado, o administrador judicial poderá ser destituído quando for verificada desobediência aos ditames legais, descumprimento dos deveres que lhe incumbem, omissão, negligência ou prática de atos lesivos ao devedor ou a terceiros.

Além disso, a Lei nº 11.101/05 ainda prevê outras duas regras para o pedido de destituição. A primeira delas é aquela contida no artigo 30, §2º, segundo a qual “o devedor, qualquer credor ou o Ministério Público poderá requerer ao juiz a substituição do administrador judicial”.

Já a segunda está prevista no artigo 23, parágrafo único, que diz respeito à não apresentação de relatório no prazo indicado na lei, seguido do não atendimento do prazo de cinco dias assinalado pelo juiz em conformidade com o artigo 23, caput, quando o juiz deverá nomear um substituto para que cumpra a obrigação, bem como explicitar as responsabilidades do administrador substituído.

Na prática, pode-se dizer que a destituição do administrador judicial não se mostra tarefa simples, em razão da necessidade de se produzir prova contundente a respeito de uma “falta” ou mesmo da intenção de produzir um determinado resultado maléfico para o devedor.

Além disso, a apresentação de um requerimento que pode ter desfecho negativo certamente trará consequências ruins para a continuidade da relação com o administrador judicial, razão pela qual penso que muitos dos conflitos entre os controladores e o administrador judicial não sejam efetivamente judicializados em nome de uma condução mais tranquila do processo de recuperação Judicial.

Ainda assim, não se pode ignorar que nem sempre os interesses do administrador judicial (zelar pelo cumprimento do plano em prol dos credores) e dos controladores (obter o maior proveito possível de uma sociedade empresária) estão alinhados, de modo que é possível que em determinadas situações esse conflito desague para uma solução litigiosa.

Mas, em qualquer dos casos certo é que é dever do administrador judicial buscar uma solução consensual para eventuais conflitos, nos termos em que preconizado pelo artigo 22, inciso I, alínea ‘j’, e 22, inciso II, alínea ‘g’, ambos da Lei nº 11.101/05.


Dentre as atribuições do administrador judicial, pode estar o pedido de falência da empresa em RJ? Em que situações isso pode acontecer?

Claudio Pieruccetti: O artigo 73 da Lei nº 11.101/05 prevê sete hipóteses de decretação da falência de empresa que esteja em processo de recuperação judicial. Nos incisos de I a VI do aludido dispositivo legal constam que haverá a convolação quando:

  • houver deliberação da assembleia-geral de credores,
  • o devedor não apresentar o plano de recuperação judicial no prazo previsto no artigo 53, rejeitado o plano de recuperação, não for concedido prazo para apresentação de novo plano ou rejeitado o plano apresentado pelos credores,
  • descumprimento de obrigação prevista no plano de recuperação,
  • descumprimento de parcelamento deferido pelas Fazendas Públicas ou pelo INSS e,
  • houver esvaziamento patrimonial do devedor que importe em liquidação substancial da empresa em prejuízo dos credores, verificado “quando não forem reservados bens, direitos ou projeção de fluxo de caixa futuro suficientes à manutenção da atividade econômica para fins de cumprimento de suas obrigações, facultada a realização de perícia específica para essa finalidade”.

Além dessas, o §1º, ainda preceitua que poderá ser decretada a falência por “inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial”, “ou por prática de ato previsto no inciso III do caput do artigo 94 desta Lei”, cujos incisos basicamente mencionam atos que podem ser enquadrados como fraude a credores. Alguns exemplos são a liquidação precipitada de seus ativos ou uso de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos, a realização de atos inequívocos com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, o negócio simulado ou a alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não, a transferência de estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo e a simulação de transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor.

Especificamente quanto ao envolvimento do administrador judicial na convolação da recuperação judicial em falência, o artigo 22, inciso II, alínea ‘b’, lista expressamente como sua obrigação “requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação”.

Todavia, considerando que dentre as funções do administrador judicial  no âmbito da recuperação judicial estão as de fiscalizar as atividades do devedor, fiscalizar a regularidade das tratativas entre credor e devedor e, ainda, a apresentação de relatório mensal sobre as atividades do devedor, penso que é até um consectário lógico do cumprimento dessas obrigações que ele, administrador judicial , indique ao juiz da causa a ocorrência de muitas das causas previstas no artigo 73 que levam à convolação da recuperação judicial em falência, de modo que também aqui possui ele um papel primordial.


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