Nova recuperação judicial é possível?

Caso da Oi levanta discussão sobre limites aos pedidos de RJ

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O recente pedido de tutela de urgência cautelar da Oi, que busca evitar cobranças de credores durante um mês, protegendo os ativos da companhia até a aprovação de possível novo pedido de recuperação judicial (RJ) acendeu a discussão: uma empresa pode entrar mais de uma vez em RJ?

Sim, de acordo com a Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/05), explica Renato Tavares, sócio do FTA Advogados: “A Lei de Recuperação Judicial não estabelece um limite mínimo ou máximo de vezes que determinada empresa pode ingressar com pedido de recuperação judicial, desde que a empresa preencha os requisitos previstos na lei para apresentação do pedido de recuperação judicial.” Um desses requisitos é que a empresa tenha obtido a concessão de RJ há menos de 5 cinco anos, entendida a concessão da RJ como a homologação judicial do plano de recuperação.

Outros países adotam entendimento semelhante, alguns sem o estabelecimento de limites temporais para novos pedidos de RJ (como os Estados Unidos), outros com limites (caso de Portugal, onde o intervalo é de dois anos). Tavares considera que a argumentação econômica de que novas RJ imporiam aos credores prejuízos sucessivos, como argumentado por bancos credores da Oi, não encontra fundamento legal, e que a jurisprudência vem considerando que a análise da viabilidade econômica ou não da empresa cabe aos credores reunidos em assembleia, ocasião em que eles podem aprovar ou rejeitar o plano de RJ.

Na entrevista abaixo, Tavares aborda pontos da questão.


– É possível, de acordo com a Lei de Recuperação Judicial, que determinada empresa entre com mais de um pedido de recuperação judicial? Em caso afirmativo, quais são as condições para que isso ocorra?

Renato Tavares: Sim é possível. A Lei de Recuperação Judicial não estabelece um limite mínimo ou máximo de vezes que determinada empresa pode ingressar com pedido de recuperação judicial, desde que a empresa preencha os requisitos previstos na lei para apresentação do pedido de recuperação judicial. Dentre esses requisitos, destaca-se (para essa discussão) que a empresa não poderá ter obtido a concessão de recuperação judicial há menos de 5 cinco anos. E por concessão da recuperação judicial a lei define como a homologação judicial do plano de recuperação judicial. Ou seja, do ponto de vista da leitura literal da legislação, cumpridos os requisitos legais, a empresa em crise pode ingressar com pedido recuperação judicial diversas vezes.

Analisando essa situação (propositura de nova recuperação judicial por empresa já havia obtivo o benefício) o Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente se posicionou favoravelmente à “repetição do pedido” (vide acórdão nº 2067665-33.2022.8.26.0000), confirmando o entendimento que o deferimento do processamento deve ser concedido se estiverem preenchidos os requisitos formais exigidos pela lei, não cabendo ao juiz se esmiuçar em questões econômicas de viabilidade ou não da empresa em crise.

Outras legislações adotam entendimento semelhante. No caso da legislação dos Estados Unidos, o Bankruptcy Code admite o ajuizamento de pedidos de recuperação judicial consecutivos, sem exigir intervalo temporal mínimo, limitando-se a avaliar se o último pedido foi apresentado com boa-fé. Nos países que integram a União Europeia, a Diretiva nº 2019/1023 autoriza os Estados-membros a regularem o intervalo temporal a ser observado entre os sucessivos regimes de restruturação, sendo que em Portugal (a título exemplificativo), a restrição é de apenas 2 anos.


– Quais são os argumentos favoráveis e contrários à nova recuperação judicial (RJ) de uma empresa? Caso haja precedentes, o que o Judiciário analisa na hora de acatar ou não novo pedido de RJ?

Renato Tavares: Os argumentos favoráveis são aqueles indicados anteriormente, especialmente o fato de a própria lei não impedir pedidos sucessivos. Contrariamente, credores têm levantado a tese do abuso de direito em razão dos pedidos sucessivos, mas o argumento esbarra na própria permissão legal. Obviamente que casos de manifesta má-fé, desde que comprovada, podem ter um desfecho diverso. A análise do Judiciário segue o mesmo raciocínio do “primeiro” pedido de recuperação judicial, o preenchimento dos requisitos legais.


– Bancos credores da Oi recorreram ao Judiciário para impedir nova recuperação judicial da empresa, alegando que esta imporia aos credores prejuízos atrás de prejuízos, e que a Lei de Recuperação Judicial se destina às empresas com viabilidade econômica. Há fundamento nessa argumentação?

Renato Tavares: Essa é uma argumentação claramente econômica e não encontra fundamento legal e, pelo contrário, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que a análise da viabilidade econômica ou não da empresa cabe aos credores reunidos em assembleia, que podem aprovar ou rejeitar o plano de recuperação judicial.


– Caso determinada RJ não seja aceita, quais são os possíveis desfechos?

Renato Tavares: A empresa seguirá sem a proteção legal e diversos cenários podem se desenhar. Normalmente, temos uma primeira “corrida” dos credores para executar suas dívidas e tentar reaver o valor do seu crédito, sendo que fora de um ambiente regulado (como é o da recuperação judicial e da falência), as preferências são usualmente estabelecidas pela ordem de “chegada” (salvo as preferências de ordem material). Assim, aqueles credores que obtiverem sucesso nas suas execuções individuais serão pagos, deixando os demais sem ativos para o pagamento do seu crédito, assim como a própria empresa sem condições de operar, ocasionado uma possível falência.

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