Projeto de Lei das falências traz avanços e retrocessos

Aprovado na Câmara dos Deputados, o PL 3/24 agora segue para o Senado Federal

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No último dia 26 de março, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3/24, que se propõe a dar mais agilidade aos processos de recuperação judicial (RJ) e falência – e, consequentemente, aumentar a recuperação de créditos e reduzir os problemas enfrentados pelos credores. Apesar do intuito ser positivo, advogados consideram que há pontos da proposta que precisam ser mais debatidos.

Uma das questões diz respeito à forma de tramitação do projeto, que ocorre em regime de urgência, dificultando um amplo debate sobre as mudanças. Marcos Fioravanti e Isadora Calixto, sócio e associada do Vieira Rezende Advogados, consideram que o PL 3/24 também pode gerar consequências negativas e suas propostas devem ser debatidas e avaliadas com cautela, como a restrição à alienação de créditos públicos e a limitação de alienação de créditos discutidos em processos judiciais.

Para Fioravanti e Calixto, o PL 3/24 não equilibra todos os credores, ou seja, não consegue ao mesmo tempo proteger créditos trabalhistas, fiscais e concomitantemente facilitar a recuperação do crédito pelos demais credores de uma empresa em processo de RJ ou falência: “O texto do PL 3/24 sugere um favorecimento de uma classe privilegiada de credores em detrimento do sistema de insolvência brasileiro como um todo”. Um exemplo é que os credores que representam pelo menos 10% dos créditos podem impugnar o plano de falência, o que, para os advogados, representa um nítido privilégio às classes de credores que são titulares da maioria do crédito, em ofensa ao princípio da par conditio creditorium (princípio pelo qual todos os credores devem ser tratados de forma igual).

A proposta prevê aumentar o poder dos credores. Caso seja aprovada da forma que está também no Senado Federal, as mudanças poderão valer para todos os processos de RJ e falência em curso no Brasil, estimados em mais de 60 mil. O projeto propõe reformular a Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/05). A última alteração na lei ocorreu em 2020, quando a Lei 14.112/20 reformulou principalmente aspectos da RJ. Veja alguns dos pontos do PL, que seguiu para tramitação no Senado Federal:

Plano de falência

Os credores passam poder aprovar, em assembleia geral de credores, um plano de falência que irá abordar a venda dos ativos da empresa em processo falimentar e a gestão dos recursos da massa falida.

Administrador judicial

De acordo com o PL 3/24, o administrador judicial passará a ter um limite de dois mandados de três anos e também fica submetido a um teto de remuneração – em alguns casos, credores de empresas em recuperação judicial ou falência questionavam a elevada remuneração dos administradores. Pelo texto aprovado, o teto é de 2% a 5% do valor da massa falida e não pode ultrapassar 20 mil salários-mínimos.

Um dos pontos polêmicos do projeto é a vedação à acumulação da função de administrador judicial – ele não poderá atuar simultaneamente em quatro processos de RJ e quatro de falência da mesma vara. Profissionais do mercado consideram que essa restrição fará com que faltem administradores judiciais para conduzir os processos de falência.           

Gestor fiduciário

Trata-se de uma figura criada pelo PL 3/24, que hoje inexiste. Atualmente, o que há é o administrador judicial nomeado pelo juiz para conduzir o processo de falência. O gestor fiduciário será eleito em assembleia geral de credores, caso esses optem por não seguir adiante com o administrador judicial nomeado pelo juiz.

O gestor terá mais poderes que o administrador, como o de vender ativos da empresa em processo de falência sem precisar de autorização judicial. Esses poderes, especificando quais ativos podem ser vendidos sem autorização, deverão ser aprovados na assembleia. Sua remuneração não está sujeita às limitações impostas para o administrador judicial e também será aprovada na assembleia.

Nova recuperação judicial

Uma das mudanças trazidas pelo PL 3/24 é sobre a possibilidade de nova recuperação judicial – que foi trazida à tona recentemente pelo caso da Oi, por exemplo. Credores da companhia questionaram a sua segunda RJ, argumentando que ela os submetia a sucessivos prejuízos. Para que uma companhia entrasse novamente em RJ, era necessário esperar cinco anos, contados da data de homologação do plano de RJ. Agora, serão dois anos, contados a partir do encerramento do processo de RJ. Não será possível inserir a mesma dívida em nova recuperação judicial.

Transação tributária

A lei prevê a inserção de dívidas ainda não inscritas na Dívida Ativa da União para negociação no âmbito de transação tributária, e que seja possível aplicar a empresas em RJ e falência o maior desconto permitido pela lei, que hoje é de 70%, conforme a Lei 13.998/20, que concedeu descontos mais generosos para as empresas em sérias dificuldades econômico-financeiras. Esse mecanismo vem sendo cada vez mais usado pelas empresas em RJ, com resultados considerados positivos.

Na entrevista abaixo, Fioravanti e Calixto abordam os pontos positivos e negativos do PL 3/24.


– Quais são os principais pontos do substitutivo ao Projeto de Lei 3/24, aprovado na Câmara dos Deputados? 

Marcos Fioravanti e Isadora Calixto: Em resumo, a PL 3/24 propõe a inclusão de um plano de falência, a figura do gestor fiduciário e a agilização da venda dos bens da massa falida.

Também estabelece que os créditos trabalhistas sejam processados apenas no juízo falimentar, proibindo atos de execução pela vara trabalhista, e aumenta o limite de crédito prioritário para trabalhadores.

Para créditos da Fazenda Pública, o governo deve informar o maior desconto possível em programas de regularização tributária.


– Em sua visão, quais são os aspectos positivos e negativos do projeto? O que ainda falta ser aprimorado? 

Marcos Fioravanti e Isadora Calixto: O PL 3/24 introduz medidas importantes para o processo de falência, como a criação do plano de falência, a figura do gestor fiduciário, e a centralização de competências no juízo falimentar. Também propõe alterações quanto ao prazo entre concessões de recuperação judicial, impugnação do plano de falência por credores e limitações para administradores judiciais.

No entanto, embora supostamente tenham o objetivo de aprimorar o processo de falência, a PL 3/24 também pode gerar consequências negativas e suas propostas devem ser debatidas e avaliadas com cautela, como a restrição à alienação de créditos públicos e a limitação de alienação de créditos discutidos em processos judiciais.


– O texto do PL 3/24, aprovado pela Câmara dos Deputados, consegue proteger os créditos trabalhistas e fiscais e, ao mesmo tempo, facilitar a recuperação dos créditos dos demais credores? Há ganhadores e perdedores? 

Marcos Fioravanti e Isadora Calixto: Não. O texto do PL 3/24 sugere um favorecimento de uma classe privilegiada de credores em detrimento do sistema de insolvência brasileiro como um todo.

Pelo texto aprovado na Câmara dos Deputados, por exemplo, somente os credores que representam pelo menos 10% dos créditos podem impugnar o Plano de Falência, conforme proposto no artigo 82-D da Lei 11.101/05, o que representa um nítido privilégio às classes de credores que são titulares da maioria do crédito, em ofensa ao princípio da par conditio creditorium.


– O PL 3/24 tramitou sob regime de urgência, e muitos consideram que seria necessário haver uma discussão mais aprofundada. Como você enxerga a questão? A proposta está madura para ser votada pelo Senado Federal? 

Marcos Fioravanti e Isadora Calixto: A tramitação do Projeto de Lei em regime de urgência, teoricamente, implica restrições quanto a alterações profundas ao texto original.

Nesse sentido, a tramitação do PL 3/24 em regime de urgência, sem dúvida, mina a possibilidade de um debate democrático entre os representantes do povo sobre um Projeto de Lei de grande relevância para a economia nacional, como evidenciado pelo grande número de emendas parlamentares apresentadas e que têm como objetivo as imperfeições de um Projeto de Lei surpresa.


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