Tese do século: quem pode se beneficiar das ações de associações e sindicatos?

Filiação a entidades nem sempre garante restituição integral do imposto pago a mais

0

Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu a modulação dos efeitos relacionados à chamada “tese do século”, decidiu que todos os contribuintes que tivessem ingressado com ações até a data do julgamento do mérito — 15 de março de 2017 — poderiam obter a restituição do imposto pago a mais durante os cinco anos anteriores. Essa data limite está fazendo com que associações e sindicatos que moveram ações coletivas relacionadas ao assunto procurem empresas interessadas em se tornar afiliadas, para que possam se beneficiar da decisão da corte.

A oferta é tentadora. Com a filiação a associações e sindicatos — que geralmente moveram ações antes da data delimitada pelo STF — as empresas poderiam obter restituição integral dos valores pagos antes de 2017. 

A “tese do século” está relacionada à exclusão do imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS) da base de cálculo do programa de integração social (PIS) e da contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins). Quem pagou o PIS e a Cofins com o ICMS incluído na base de cálculo dos dois primeiros tributos tem, de acordo com a decisão da corte, direito à restituição dos valores pagos a mais nos cinco anos anteriores, desde que tenha ingressado com a ação até março de 2017. Para aqueles que ingressaram com ações depois da data, a restituição se limita aos valores pagos a mais a partir de março de 2017. 

Mas será que a oferta tentadora dos sindicatos tem potencial para se materializar ou as empresas que se filiarem apenas para fazer jus aos créditos tributários integrais correm riscos? 

A resposta a essa pergunta é intrincada e está relacionada, segundo Paulo Coimbra e José Henrique Guaracy, sócios do Coimbra, Chaves & Batista Advogados, a dois fatores: o tipo de organização (sindicato ou associação) e o tipo de ação ajuizada (mandado de segurança coletivo ou ações ordinárias). A seguir, eles explicam em detalhes a questão. 


Em que situações as empresas podem se aproveitar de créditos tributários obtidos por meio de ações coletivas, como as movidas por associações ou sindicatos? 

Paulo Coimbra e José Henrique Guaracy: Essa possiblidade surge sempre que um sindicato ou entidade congênere obtém uma decisão em favor de seus associados. Contudo, há efeitos distintos bastante relevantes em razão do tipo de ação ajuizada.
No caso de mandado de segurança coletivo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, STJ, (AgInt Resp 1841604-RJ) firmou-se no sentido de que nele se configura hipótese de substituição processual, por meio da qual o impetrante atua em nome próprio defendendo direito alheio pertencente aos associados ou parte deles. Os efeitos da decisão proferida em mandado de segurança coletivo beneficiam todos os associados, ou parte deles, cuja situação jurídica seja idêntica àquela tratada no decisum (sentença), sendo irrelevante se a filiação ocorreu após a impetração do writ (mandado de segurança).

Já no caso de ações ordinárias, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o RE 612.043/PR sob o regime de repercussão geral (Tema 499), firmou a tese de que “a eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento”.

Mas o que decidiu o STF no RE 612.043/PR não se aplica aos mandados de segurança coletivos (que não seguem rito ordinário, mas especial), uma vez que existe uma distinção em ambas as ações. Enquanto na ação coletiva de rito ordinário o artigo 5º, XXI, da Constituição Federal exige prévia autorização para a associação deter legitimidade processual, o artigo 5º, LXX, da Constituição já confere legitimidade para os sindicatos impetrarem mandados de segurança coletivos.

Em relação aos efeitos territoriais da sentença coletiva, por ocasião do julgamento do ARESP 1.126.330, o STJ, em recurso repetitivo, fixou entendimento no sentido de que a liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva podem ser ajuizadas no domicílio do beneficiário, pois os efeitos da sentença não estão restritos a limites geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido. Mas vale ressaltar que, apesar de a decisão em mandado de segurança coletivo em geral beneficiar todos cuja situação jurídica seja idêntica àquela tratada na sentença, a possibilidade de ela estabelecer alguma limitação deverá ser considerada para efeitos de execução. 


Essa possibilidade se aplicaria às ações referentes à “tese do século”?

Paulo Coimbra e José Henrique Guaracy: Em tema tributário, a chamada tese do século diz respeito ao entendimento proferido pelo STF nos autos do RE 574.706/PR, julgado em sede de repercussão, quando se firmou a tese de que o “ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”.

Os contribuintes que não entraram com ação judicial podem reparametrizar suas apurações para excluir o ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins. Porém, em relação ao passado, é necessário que tenha havido ação judicial.

O STF, tendo em vista a presença, no caso, de relevante interesse social, bem como a necessidade de preservar a segurança jurídica, decidiu pela modulação dos efeitos da decisão de mérito determinando que apenas os contribuintes com processos em curso em março de 2017 poderiam ter restituídos os valores recolhidos a maior no que tange aos cinco anos anteriores ao ajuizamento de sua respectiva ação. 

O aproveitamento dos créditos, em casos tais, pode decorrer de decisão judicial produzida em ação individual ou coletiva, esta de iniciativa de sindicatos ou associações.


Quais são as chances de êxito e os riscos de as empresas se filiarem a associações e sindicatos exclusivamente para se beneficiarem do resultado das ações referentes à “tese do século”? 

Paulo Coimbra e José Henrique Guaracy: Quanto às chances de êxito e aos riscos para as empresas que se filiarem após o ajuizamento do mandado de segurança coletivo, ou após o trânsito em julgado, é de se notar que quando resolveu o RESP 1.923.346/RJ o STJ fez distinção entre MS coletivo impetrado por associação e por sindicato. Entendemos que na primeira hipótese a coisa julgada alcança apenas os associados e não os “associáveis”. Contudo, entendemos que essa restrição não se aplicaria aos mandados de segurança coletivos impetrados por sindicatos. Apesar de nunca se poder afirmar que inexiste risco fiscal no Brasil, consideramos tal risco, no caso de sindicatos, remoto.


Em sua visão, qual deve ser o entendimento do Judiciário e da Receita Federal a respeito dos créditos tributários referentes à “tese do século” obtidos por meio de ações coletivas? Esse entendimento pode variar de acordo com a data de filiação da empresa à associação? 

Paulo Coimbra e José Henrique Guaracy: Entendemos inexistir limitação temporal para que os interessados se beneficiem dos efeitos advindos da concessão da segurança, devendo esta favorecer inclusive aqueles que se afiliaram ao sindicato posteriormente. É que o decisum que concede a ordem pleiteada no mandado de segurança coletivo possui eficácia subjetiva ampla, ultra parte, de forma que alcança não apenas os associados anteriores à impetração do writ, como também todos aqueles que se associarem posteriormente.

Todavia, há quem entenda que a filiação posterior ao sindicado, para beneficiar-se de uma decisão judicial específica, deveria ocorrer até o respectivo trânsito em julgado.  Não há decisão judicial dos tribunais superiores a respeito desse tema, mas não vemos muita substância na tese restritiva.

De qualquer forma, levando-se em conta ações que visam aproveitamento de crédito tributário pela via administrativa, o que se tem, hoje, é a prévia necessidade de habilitação do crédito perante a Receita Federal (na verdade, habilitação da sentença judicial). Em um caso de filiado novo, posteriormente ao trânsito em julgado da sentença, se houvesse impugnação à habilitação do crédito (sem repercussão econômica ou financeira negativa alguma) pelo órgão fazendário, seria cabível, em tese, a impetração de mandado de segurança para afastar a restrição e, concedida a ordem, o crédito (então habilitado) poderia ser objeto de compensação.


Leia também

“Tese do século” continua a render discussões

A decisão do STF sobre a “tese tributária do século” e seus impactos

STF julga embargos no caso do ICMS na base de cálculo de PIS e Cofins

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.