Heranças entram no radar dos gestores de recursos

Compra de ativos de espólios gera liquidez para herdeiros e novos negócios para casas de gestão

0

Um dos problemas mais frequentes dos herdeiros é contar com recursos para concluir processos de inventário, tanto para o pagamento de impostos e taxas quanto para os honorários de advogados. Outra questão que também costuma alongar os inventários são os litígios e brigas familiares. Problemas para uns, oportunidades para outros. Os gestores de recursos estão de olho nesse mercado, tanto nos ativos dos espólios (como imóveis e ações), quanto na criação de fundos dedicados a direitos hereditários.

Michel Siqueira Batista, associado do Vieira Rezende Advogados, explica que a aquisição direta, por parte dos fundos, dos ativos inventariados é feita com permissão do juiz, e que nesse caso o fundo gera liquidez para os herdeiros concluírem o inventário: “Essa operação é mais simples de ser implementada, mas exige que haja consenso e poucas restrições a serem endereçadas entre as partes envolvidas”. O fundo que será criado com os ativos do espólio depende da natureza do ativo e da eficiência tributária – quando há muitos imóveis no espólio, podem ser criados fundos de investimento imobiliário (FII); quando o mais relevante são as participações acionárias, fundos de investimento em participações (FIP) podem ser os mais adequados.

O fundo compra os ativos com desconto. A rentabilidade do investimento está relacionada à diferença entre o valor de aquisição e de venda, e também à própria valorização do ativo na bolsa ou no mercado imobiliário, ou, ainda, do recebimento de dividendos.

Já os fundos dedicados a direitos hereditários são voltados para situações mais complexas, quando há litígios e desavenças entre os herdeiros (mas também há vontade de solucionar a questão). “Além do valor dos ativos e do deságio, o perfil das situações para as quais a solução se aplica são inventários em que o maior (senão único) entrave seja a falta de liquidez. Em outras palavras, a condição indispensável é que as partes envolvidas (herdeiros, credores etc.) estejam dispostas a negociar. Caso contrário, liquidez nenhuma será solução”, considera Batista. O veículo mais adequado para esse formato costuma ser os fundos de recebíveis (FIDCs).

O advogado explica que o papel do gestor, além de identificar boas oportunidades, é principalmente mapear os riscos financeiros e jurídicos, garantindo a execução da solução proposta pelo fundo, de forma que os recursos antecipados sejam capazes de solucionar o inventário o mais rápido possível. “Caso contrário, serão os investidores que ficarão presos por tempo indefinido ao inventário.”

Na entrevista abaixo, o advogado do Vieira Rezende explica como funcionam os fundos dedicados a direitos hereditários.


– Como funcionam os fundos dedicados a direitos hereditários (do ponto de vista financeiro e jurídico) e qual é o papel do gestor desses fundos?

Michel Siqueira Batista: Basicamente, o mercado financeiro tem se envolvido em operações envolvendo espólios de duas formas.

A primeira modalidade são fundos e investidores em geral que adquirem (com a permissão do juízo) diretamente os ativos inventariados, gerando liquidez para a continuidade do processo. Essa operação é mais simples de ser implementada, mas exige que haja consenso e poucas restrições a serem endereçadas entre as partes envolvidas.

Nesse caso, não há tanta complexidade do ponto de vista da formatação da operação, e o investidor pode se estruturar através do veículo que for mais adequado e eficiente tributariamente para a operação, conforme a natureza do ativo a ser adquirido, como um fundo de investimento imobiliário (FII), um fundo de investimento em participações (FIP) etc.

A outra modalidade, os fundos dedicados a direitos hereditários, como têm sido chamados, é voltada para situações com maior grau de complexidade.

De forma geral (pode haver peculiaridades caso a caso), a solução que os fundos dedicados a direitos hereditários oferecem é antecipar para os herdeiros recursos para lidar com questões que atrasam a finalização do inventário e libração do patrimônio litigioso, como despesas com o próprio processo (custas judiciais, advogados, etc.), pagamento do imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD), eventuais despesas para regularização de algum ativo (dívidas, contingências tributárias, trabalhistas e de outra natureza), celebração de acordos entre herdeiros e/ou com terceiros para liquidar alguma disputa que esteja bloqueando o avanço do processo, etc. O veículo mais adequado em geral para esse formato são os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs).

Do ponto de vista jurídico, ao antecipar os recursos, o investidor não apenas se torna credor, mas também estabelece toda uma estrutura contratual que lhe garanta ingerência na condução das situações jurídicas relacionadas ao inventário até a liberação dos bens para viabilizar a transferência da titularidade formal para o investidor (ou terceiro comprador do interesse do investidor).

O papel do gestor, além de identificar boas oportunidades, é principalmente mapear os riscos financeiros e jurídicos, de modo a garantir a viabilidade da solução proposta pelo fundo, para que os recursos antecipados sejam capazes de solucionar o inventário com a maior celeridade possível. Caso contrário, serão os investidores que ficarão presos por tempo indefinido ao inventário.


– Que tipos de inventários e espólios seriam os mais adequados para lastrear fundos com esse objetivo?

Michel Siqueira Batista: Além do valor dos ativos e do deságio, o perfil das situações para as quais a solução se aplica são inventários em que o maior (senão único) entrave seja a falta de liquidez. Em outras palavras, a condição indispensável é que as partes envolvidas (herdeiros, credores etc.) estejam dispostas a negociar. Caso contrário, liquidez nenhuma será solução.


– Do ponto de vista jurídico, quais são os principais riscos desse tipo de negócio (cessão de direitos hereditários)? Há segurança jurídica para a realização de negócios envolvendo o direito à herança?

Michel Siqueira Batista: Assumindo o alinhamento entre as partes, o grandes risco desse tipo de operação é o desconhecimento de alguma situação relevante e o questionamento da operação por alguma parte que não tenha sido contemplada no acordo, como herdeiros desconhecidos, credores (inclusive o próprio Estado) e eventualmente até alguma autoridade como o Ministério Público, caso alguma situação envolva questão de Ordem Pública.

Além disso, do ponto de vista prático, a situação pode envolver uma série de atos que dependem de terceiros (como a expedição de alvarás judiciais, registros notariais  etc.), o que pode atrasar o andamento e exigir a manifestação de pessoas com quem o investidor não tenha mais contato ou ingerência direta.

É possível mitigar esses riscos com uma análise jurídica profunda do caso e estruturação detalhada dos contratos, procurações a serem outorgadas etc.


– Qual é o potencial desse mercado no Brasil?

Michel Siqueira Batista: Estima-se um grande potencial. Com efeito, de acordo com relatório elaborado pelo UBS, em 2023 os novos bilionários herdaram mais riqueza do que criaram com trabalho ou investimentos próprios. Outros estudos apontam para uma concentração de riqueza no mundo e no Brasil. Essas estatísticas por si só sugerem a relevância da transferência de patrimônio via sucessão.

Por outro lado, não raro a sucessão ocorre sem um prévio planejamento, o que contribui para o surgimento de inúmeras situações que poderiam se beneficiar da solução em referência.

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.