A polêmica da tributação das subvenções segue acesa

Expectativa é que contribuintes recorram ao Judiciário para questionar pontos da Lei 14.789/23

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Mesmo com a publicação da Lei das Subvenções (Lei 14.789/23), no fim do ano passado, a expectativa de advogados tributaristas é que os contribuintes continuem procurando a Justiça para questionar pontos relativos à tributação das subvenções fiscais. A lei alterou radicalmente a cobrança de impostos que incidem sobre as subvenções que as empresas recebem dos Estados, onerando-as.

“Ocorre que a polêmica da tributação das subvenções está longe de ter sido finalizada, sendo certo que diversos temas ainda deverão ser submetidos à apreciação do Poder Judiciário”, avalia Fernanda Rizzo, associada do Vieira Rezende Advogados. Mesma avaliação fazem Romero Marinho e Sarah Partika, associados do Freitas Ferraz Advogados: “Na nossa perspectiva, as controvérsias em torno da tributação das subvenções não se encerram com a promulgação da nova Lei.”

Para atrair ou reter empresas, os Estados geralmente abrem mão de receitas do ICMS. Mas o governo federal considera que essa renúncia fiscal deve ficar restrita ao âmbito dos impostos estaduais, sem atingir a arrecadação federal. Para contribuir com a meta de déficit zero em 2024, o governo está de olho na tributação dessas subvenções, incluindo-as na base de cálculo do IRPJ, CSLL, Pis e Cofins. Primeiramente, isso foi feito por meio da Medida Provisória 1.185/23 – depois convertida na Lei 14.789/23.

Até o ano passado, quando a lei foi publicada, as empresas do lucro real que recebiam subvenções fiscais do ICMS por parte dos Estados poderiam excluir as subvenções da base de cálculo dos impostos e contribuições federais. Havia algumas condições para isso: a empresa poderia excluir as subvenções de custeio ou investimento desde que registradas em reserva de lucros e não distribuídas em forma de resultados aos sócios. Com o término dessa possibilidade, o resultado é que a base de cálculo dos impostos será maior, aumentando a carga tributária para as empresas.

Questionamento dos contribuintes

Um ponto que deve gerar questionamento é que a Lei das Subvenções voltou a aplicar uma diferenciação que já havia sido afastada pela Lei Complementar 160/17 (LC 160/17): entre subvenções para custeio e para investimento. Enquanto esta última era  aquela voltada para aumentar a capacidade produtiva ou fazer um novo investimento, a segunda era para bancar custos de produção. Até 2017, quando a LC 160/17 foi publicada, a subvenção para investimento poderia ser descontada da base de cálculo dos tributos federais, mas a subvenção para custeio, não. A LC 160/17 igualou as duas, permitindo que ambas fossem descontadas – o que reduzia o imposto a pagar. Agora, a distinção volta a existir.

Rizzo considera que esse será um ponto de questionamento dos contribuintes, já que LC 160/17, hierarquicamente superior à Lei das Subvenções, equiparou os dois tipos de subvenção, e que possivelmente voltarão à cena discussões sobre a natureza de alguns benefícios, se para custeio ou investimento (geradores do crédito).

O crédito fiscal previsto pela Lei das Subvenções

A Lei das Subvenções permite que, se a empresa tiver subvenção para investimento, habilite um crédito fiscal e o utilize para a compensação tributária de tributos federais ou possa ser ressarcida em dinheiro. Mas contar com esse crédito fiscal não promete ser uma tarefa simples: será necessário passar por uma habilitação prévia, antes da data de implantação/expansão do empreendimento, e desde que expressamente estipuladas as condições e contrapartidas deste.

“Do ponto de vista financeiro, as receitas provenientes de subvenções para investimento passam a ser tributadas pelo IRPJ (25%), CSLL (9%) e Pis/Cofins (9,25%), enquanto o crédito fiscal se limita a 25% do valor da subvenção recebida. Em outras palavras, o aumento na carga tributária supera o benefício proporcionado pelo crédito fiscal”, avaliam os advogados do Freitas Ferraz.

A habilitação prévia será feita pela Receita Federal e já foi regulamentada pela Instrução Normativa 2.170/23. Um dos requisitos é que a empresa esteja em regularidade quanto ao pagamento de tributos e contribuições federais. Este requisito poderá vir a ser questionado pelas empresas porque não está previsto pela norma legal que institui o benefício, consideram os advogados do Freitas Ferraz.

Na entrevista abaixo, Rizzo, Marinho e Partika explicam o que mudou com a Lei das Subvenções e elencam possíveis pontos que podem ser questionados pelos contribuintes.


– O que mudou, no que diz respeito à tributação das subvenções, com a Lei 14.789/23? Com relação à MP 1.185/23, que a originou, houve alterações relevantes?  

Fernanda Rizzo: Com a alteração legislativa, a dedução de subvenções (equiparadas as de custeio e investimento) na forma do antigo artigo 30 da Lei 12.973/14, atualmente revogado, já não mais poderá ocorrer.

Vale dizer, na legislação anterior, a pessoa jurídica poderia excluir do lucro real as subvenções de custeio ou investimento desde que registradas em reserva de lucros e não distribuídas em forma de resultados aos sócios.

Aprovada a nova legislação, a partir de 1º de janeiro de 2024, a receita oriunda das subvenções passou a ser incluída na base de cálculo do IRPJ, CSLL, Pis e Cofins, bem como a diferenciação entre as subvenções de custeio e investimento voltou a ser aplicada. O contribuinte, então, deve passar a tributar as subvenções imediatamente. O aproveitamento do benefício para fins de IRPJ prevê apenas uma possibilidade: a habilitação de um crédito fiscal que será tomado apenas em relação às subvenções de investimento, para compensação com tributos federais ou ressarcimento em dinheiro. Em suma, as subvenções passam a ser tributadas e a compensação ou ressarcimento de crédito relativo a subvenções de investimento passa a ser possível somente com o preenchimento de requisitos em processo de habilitação prévia.

Portanto, a nova lei restringe o uso do benefício fiscal, permitindo apenas a tomada de um crédito parcial a ser utilizado para compensação ou ressarcimento após habilitação prévia e somente nos casos de subvenção de investimento.

Com relação à redação inicial da MP, houve algumas alterações.

O ponto de maior destaque em que houve alteração entre MP e Lei é a autorização de transação do estoque de créditos que foram abatidos pelas empresas. Permite-se a autorregularização desses valores com descontos e parcelamentos.

Além da autorregularização, destacam-se outros pontos. Na redação da MP, não haveria um prazo para a análise da habilitação da pessoa jurídica para utilização do crédito fiscal, ao passo que a Lei prevê agora um prazo de até trinta dias, findo o qual, caso não haja análise, estará habilitado o contribuinte.

A redação anterior também possibilitava o cálculo do crédito com base na alíquota vigente do IRPJ e adicional, e a nova redação permite o crédito calculado sob alíquota expressa de 25%, restringindo o aproveitamento.

A MP exigia, para o crédito, a conclusão da implantação ou da expansão do empreendimento econômico. Na Lei, referida exigência foi retirada, passando a haver apenas a necessidade de habilitação da pessoa jurídica.

Foi retirada do texto da lei a vedação ao cálculo do crédito sobre as receitas reconhecidas após 31 de dezembro de 2028, mas exige-se que o crédito seja calculado apenas sobre receitas que sejam relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão ou de locação ou arrendamento de bens de capital, relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico, e desde que adicionadas à base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

O pedido de ressarcimento e a declaração de compensação serão recepcionados após o reconhecimento das receitas de subvenção para fins de tributação, e não mais no ano seguinte ao reconhecimento, após o envio da ECF, conforme redação anterior. Além disso, cai o prazo para ressarcimento, de 48 para 24 meses.

Por fim, há na lei inclusões referentes a outros assuntos, como JCP, tributação de pessoa física e créditos de Pis e Cofins do setor de transportes.

Romero Marinho e Sarah Partika: A Medida Provisória 1.185/23 ganhou ampla visibilidade na mídia devido à sua proposta de tributação das receitas decorrentes das subvenções para implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Recentemente, no final de 2023, a MP foi convertida na Lei 14.789/23, sem alterações relevantes no texto.

Nesse contexto, até 2023, as receitas de subvenção para investimento eram excluídas da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, por força do artigo 30 da Lei 12.873/14. Além disso, as legislações das contribuições ao Pis/Pasep e Cofins afastavam a tributação dessas receitas de subvenção.

Já com o advento dessa nova lei, revoga-se o artigo 30 da Lei 12.873/14 e as previsões que afastavam a tributação pelo Pis/Cofins. Assim, as receitas decorrentes de subvenções para investimento passam a ser tributadas.

Em compensação, sob os termos da nova lei, a pessoa jurídica tributada pelo lucro real que receber subvenção para implantar ou expandir empreendimento econômico, poderá apurar “crédito fiscal”. O crédito fiscal é apurado com base nas alíquotas do IRPJ (15% somado do adicional de 10%) sobre determinadas receitas, como as relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão e de locação ou arrendamento de bens de capital, ao empreendimento econômico e que tenham sido computadas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.


– A lei prevê transação tributária por créditos que foram abatidos pelas empresas de forma considerada irregular pelo governo. Quais são as condições para a transação? Vale a pena aderir?   

Fernanda Rizzo: Os débitos inscritos ou não em dívida ativa, e os não lançados (por meio de autorregularização), poderão ser negociados em transação por adesão, com renúncia ao contencioso existente, das seguintes maneiras:

  • pagamento em espécie do valor da dívida consolidada, com redução de 80%, em até 12 parcelas mensais e sucessivas; ou
  • pagamento em espécie de, no mínimo, 5% do valor da dívida consolidada, sem reduções, em até 5 parcelas mensais e sucessivas, com a possibilidade de pagamento de eventual saldo remanescente:
    • parcelado em até 60 parcelas mensais e sucessivas, com redução de 50% do valor remanescente da dívida; ou
    • parcelado em até 84 parcelas mensais e sucessivas, com redução de 35% do valor remanescente da dívida.

 O contribuinte deverá avaliar os descontos e o benefício da adesão. Inicialmente, ela valeria a pena para deduções realizadas ao desamparo estrito do artigo 30 da Lei 12.973/14, como a dedução de valores distribuídos aos sócios ou na falta de composição da reserva de lucros. Por outro lado, em tese, não haveria dedução indevida em outras situações, como as deduções de crédito presumido de ICMS garantidas pelo Poder Judiciário e de subvenções na égide da Lei Complementar 160/17. Se a discussão envolver o conceito de subvenções, por exemplo, é possível que os contribuintes judicializem a questão, uma vez que cumpridos os requisitos da antiga legislação, haveria o direito à dedução.

Romero Marinho e Sarah Partika: O artigo 30 da Lei 12.873/14 impunha requisitos para a não tributação das receitas de subvenção, dentre os quais estava a necessidade de constituição de reserva de incentivo fiscal na contabilidade e recomposição desta conta à medida da apuração de lucros em caso de utilização para absorção de prejuízos. Contudo, diversos contribuintes deixaram de tributar as receitas de subvenção para investimento sem observar os requisitos legais.

A necessidade do registro em reserva foi julgada pelo Superior Tribunal de Justiça (Tema 1.182) e, na ocasião, restou definido que a possibilidade de exclusão das receitas de subvenção da base de cálculo do IRPJ/CSLL está condicionada ao devido registro em conta de reservas de incentivos fiscais.

Dentro desse cenário, a Lei 14.789/23 estabelece um regime especial de transação para os contribuintes que possuem débitos tributários, estejam eles inscritos ou não em dívida ativa, decorrentes da não tributação das receitas de subvenções em discordância com a Lei 12.873/14. Acreditamos que a transação se configura como uma alternativa vantajosa para a regularização perante o fisco federal, uma vez que podem ser concedidos descontos de até 80% sobre o principal, multa e juros.


– Quais são as condições para que as empresas obtenham, a partir de agora, créditos fiscais de subvenções para investimentos? 

Fernanda Rizzo:  Pela nova legislação, apenas as subvenções que detenham contrapartidas econômicas previamente definidas pelo ente federativo é que ensejarão a possibilidade de aproveitamento do crédito fiscal, correspondente ao produto entre as receitas e da alíquota de 25%, a ser usado para compensação de tributos federais ou recuperado via ressarcimento em dinheiro.

Para possibilitar a tomada do crédito, a lei determina que seja cumprido o requisito de habilitação da empresa previamente à data de implantação/expansão do empreendimento e que sejam prévia e expressamente estipuladas as condições e contrapartidas do empreendimento.

A habilitação será oposta à Receita Federal, que terá o prazo de 30 dias para analisar o pedido. Sem resposta no prazo estabelecido, a empresa será considerada habilitada.

A Instrução Normativa 2.170/23 regulamenta o procedimento de habilitação. Exige-se, além da habilitação:

  • que a beneficiária seja tributada pelo lucro real,
  • que seja beneficiária de subvenção para investimento concedida por ente federativo;
  • haver ato concessivo da subvenção editado pelo ente federativo anterior à implantação ou à expansão do empreendimento econômico; e
  • haver ato concessivo da subvenção editado pelo ente federativo que estabeleça expressamente as condições e as contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico.

A habilitação deverá ser requerida eletronicamente no e-CAC da Receita Federal, instruído com cópia do ato concessivo da subvenção editado pelo ente federativo e demais documentos que comprovem a concessão prévia ao ato de implantação e expansão, bem como do cumprimento das condições e contrapartidas.

Exige-se, ainda, a regularidade fiscal quanto a tributos e contribuições federais. 

Romero Marinho e Sarah Partika: Para usufruir do crédito fiscal, o contribuinte deve adotar o regime tributário do Lucro Real e realizar sua habilitação perante a Receita Federal do Brasil. Conforme estabelecido pela Instrução Normativa 2.170/23, essa habilitação requer que:

  • o contribuinte seja beneficiário de subvenções para investimento concedidas por ente federativo;
  • exista um ato concessivo anterior à implantação ou expansão do empreendimento econômico, explicitando as condições e contrapartidas a serem seguidas pelo contribuinte, e
  • mantenha situação fiscal regular em relação aos tributos e contribuições federais.

Uma vez habilitado, o contribuinte deve calcular o crédito fiscal na Escrituração Contábil Fiscal (ECF) correspondente ao período de reconhecimento das receitas de subvenção, utilizando a alíquota do IRPJ (25%).


– Como você avalia a mudança e qual deve ser o seu impacto sobre as empresas? A tributação das subvenções deve continuar levantando discussões ou a questão está encerrada?   

Fernanda Rizzo: A mudança é bastante negativa, restringindo sobremaneira o benefício aproveitado em relação às subvenções. Além da necessidade de as empresas passarem imediatamente a tributar as subvenções, o crédito fiscal criado é bastante restrito e demanda uma série de etapas prévias antes de que seja possível a sua compensação, gerando um impacto bastante significativo, tanto em relação a valores quanto à nova forma de tratamento desses benefícios.

Ocorre que a polêmica da tributação das subvenções está longe de ter sido finalizada, sendo certo que diversos temas ainda deverão ser submetidos à apreciação do Poder Judiciário.

Inicialmente, destaque-se a existência de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Liberal para contestar a própria Medida Provisória que originou a lei em comento, pendente de apreciação no Supremo Tribunal Federal (STF).

Os contribuintes levantam, ainda, questionamentos sobre a possibilidade de diferenciação das subvenções de custeio e investimento quando a Lei Complementar hierarquicamente superior as equipara, bem como possivelmente voltarão à cena discussões sobre a natureza de alguns benefícios, se para custeio ou investimento geradores do crédito.

Há, ainda, uma possível discussão a ser instaurada referente aos créditos presumidos de ICMS, objetos de decisão judicial no Tema 1.182 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que estes créditos não devem compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL em respeito ao pacto federativo, pois, por se tratar de um benefício estadual, a sua tributação por ente federal ensejaria interferência na política fiscal e na tributação do imposto estadual, que é de competência exclusiva do estado. a tributação desses montantes pela nova lei continuaria a ferir o referido pacto federativo.

Por fim, não se descarta a discussão sobre a não incidência do IRPJ e CSLL sobre os referidos montantes por ferir-se a hipótese de incidência dos tributos, eis que não seriam valores auferidos como renda. Também em relação ao Pis e Cofins, a discussão deve ocorrer, questionando-se as subvenções em comparação com o conceito de receita bruta, na esteira do Tema 843 do STF, que aguarda apreciação e discute justamente a inclusão de créditos presumidos na base de cálculo dessas contribuições antes das alterações legislativas ora discutidas.

Romero Marinho e Sarah Partika: A mudança legislativa representa um impacto negativo para os contribuintes. Do ponto de vista financeiro, as receitas provenientes de subvenções para investimento passam a ser tributadas pelo IRPJ (25%), CSLL (9%) e Pis/Cofins (9,25%), enquanto o crédito fiscal se limita a 25% do valor da subvenção recebida. Em outras palavras, o aumento na carga tributária supera o benefício proporcionado pelo crédito fiscal.

Além disso, é importante observar que o crédito fiscal não será acessível a todos os contribuintes beneficiados por subvenções, uma vez que se limita às subvenções destinadas à implantação ou expansão do empreendimento econômico.

Na nossa perspectiva, as controvérsias em torno da tributação das subvenções não se encerram com a promulgação da nova Lei. Um dos aspectos questionáveis da regulamentação diz respeito à exigência de regularidade fiscal para a utilização dos créditos fiscais, estabelecida pela Instrução Normativa 2.170/23, mesmo que tal requisito não tenha sido previsto na norma legal que institui o benefício.


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