Supremo irá reavaliar taxação sobre remessas ao exterior

Contribuintes dizem que o imposto não é destinado a promover inovação

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O governo brasileiro retém 10% do valor das remessas ao exterior referentes a royalties, licenças de uso, transferência de tecnologia e serviços técnicos e administrativos. Trata-se da Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (CIDE), que existe desde 2001 e tem como finalidade usar o valor arrecadado para financiamento da pesquisa e da inovação no Brasil. Os contribuintes alegam que o valor não é destinado para isso e defendem o fim da cobrança. O impacto seria de 17,9 bilhões de reais para a Fazenda nacional.

“Já há alguns anos o Governo Federal não tem destinado o produto da arrecadação da CIDE ao orçamento dos fundos setoriais de ciência e tecnologia, o que levanta questionamentos sobre a constitucionalidade da manutenção da sua cobrança”, explica o advogado Thiago Braichi, sócio do escritório Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.

A fabricante de ônibus, caminhões e motores Scania moveu um processo em 2002 para deixar de recolher a Cide sobre pagamentos efetuados para a sua matriz na Suécia. A empresa perdeu na Justiça Federal de São Paulo e recorreu ao Supremo. Um dos objetivos é que a cobrança, se for declarada constitucional, seja apenas sobre remessas que de fato tenham a ver com transferência de tecnologia – atualmente são taxados também envios de dinheiro para outros fins, como custos com serviços de advocacia. O assunto estava na pauta do Supremo Tribunal Federal e seria votado dia 30 de junho. O ministro Luiz Fux adiou o julgamento e ainda não marcou nova data.

Confira as respostas de Thiago Braichi sobre o tema:


Qual a lógica por trás da cobrança de CIDE sobre remessas ao exterior?

Thiago Braichi: A Lei 10.168/2000 criou o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, que objetiva estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, por meio de programas de pesquisa científica e tecnológica. Nesse cenário, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) foi instituída para financiar esse programa.

Essa contribuição incide sobre a aquisição de tecnologias estrangeiras , tanto produtos como serviços. Os valores arrecadados pela CIDE são destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

A CIDE financia o programa de desenvolvimento tecnológico e é um tributo de finalidade extrafiscal. Isso quer dizer que a CIDE é um mecanismo do Governo de interferir no mercado para regular certa atividade. Assim, o produto da arrecadação não serve, apenas, como financiamento da União, mas tem o intuito de estimular o desenvolvimento tecnológico nacional.


Que tipos de empresas são atingidas pela cobrança da CIDE?

Thiago Braichi: A CIDE atinge os pagamentos remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, a título de royalties ou remuneração de contratos que envolvam fornecimento de tecnologia, prestação de serviço de assistência técnica, serviços de assistência administrativa e cessão e licença de marcas e patentes.

Os royalties são pagamentos decorrentes do uso, fruição ou exploração de direitos. No caso da CIDE, de transmissão de tecnologia. Dessa forma, as empresas atingidas serão as que remetem valores ao exterior em decorrência de contratos de prestação de serviços técnicos ou importação de tecnologia. A CIDE sobre remessas se acumula a outros impostos.


Qual a fatia total que o fisco recolhe de royalties, licenças de uso, transferência de tecnologia e serviços técnicos e administrativos?

Thaigo Braichi: A carga tributária imposta pelo Brasil sobre a importação de serviços é alta, e o sistema é complexo, o que acaba por afetar de forma negativa a competitividade das empresas brasileiras, que aproveitam pouco o valor dos serviços importados. A carga tributária efetiva brasileira sobre o importador pode chegar a 50%, enquanto países como Índia e China impõem um ônus que não chega a 1%, segundo dados da CNI – Confederação Nacional das Indústrias.

Ao todo são 5 ou 6 tributos que são cobrados sobre a importação de serviços. Além da CIDE, as remessas para o exterior são oneradas por Imposto de Renda (IR), na alíquota de 15% ou 25%, no caso de remessa a beneficiários residentes em paraísos fiscais.

Além dos tributos sobre as remessas ao exterior, quando se trata da importação de prestação de serviços, há a cobrança de Impostos sobre Serviço (ISS), cuja alíquota varia de 2% a 5% de acordo com o serviço e com o município a cobrar. O tributo também é recolhido pelo contratante do serviço. Não é recuperável e é devido ao Município em que o tomador do serviço está domiciliado. 


Há ainda algum imposto sobre a transação financeira de remessas ao exterior?

Thiago Braichi: Sim. O Governo Federal cobra também o Imposto sobre Operações Financeiras, Câmbio e Seguro (IOF) sobre o câmbio, devido nas operações que envolvam transferências financeiras com o exterior. Em regra, o IOF-Câmbio é cobrado à alíquota de 0,38%. Ainda sobre essa operação, haverá PIS-Importação e COFINS-Importação, cobrados à alíquota de 9,25%. O tributo será devido na remessa ao exterior por contraprestação de serviço prestado, conforme artigos 1º e 3º da Lei nº 10.865/2004. Estima-se que a carga tributária sobre a importação de serviços seja de 41,08% e possa atingir até 51,26%. Portanto, os serviços importados ainda são tributados por dois tributos sobre o consumo (ISS-Importação e PIS/COFINS Importação), enquanto a maioria dos países apenas os tributa pelo IVA e pelo IOF- câmbio — o que não encontra correspondente em outros países.


Há algum entendimento do Carf sobre o tema a ser considerado?

Thiago Braichi: O Carf trouxe entendimento de que não há cobrança de PIS/COFINS-Importação no pagamento de royalties na licença de uso. No Acórdão n° 3301005.826, de fevereiro de 2019, foi proferido entendimento de que a remessa de valores ao exterior a título de royalties por simples licença de uso “não caracteriza contraprestação por serviço prestado”. Entende-se, portanto, que royalties decorrem de obrigações de dar, e não de uma obrigação de prestar um serviço, por isso, é afastada a cobrança de PIS/COFINS-Importação. Portanto, a complexidade do sistema gera enorme insegurança sobre os investimentos que devem ser feitos na importação de serviços pelas empresas brasileiras e várias distorções, como a impossibilidade de recuperação integral dos tributos sobre o consumo e a oneração direta do importador.


A destinação da CIDE tem sido respeitada? 

Thiago Braichi: A CIDE é contribuição social, o que significa dizer que os valores arrecadados devem ser, obrigatoriamente, direcionados para sua finalidade. Nesse sentido, o produto da CIDE deve estar vinculado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Essa destinação, contudo, não tem sido respeitada. Entre 2006 e 2019, 30% dos valores arrecadados para o FNDCT foram destinados às reservas de contingência. Já no ano de 2020, a retirada de recursos do fundo foi alarmante: apenas 12% do valor total foi autorizado para o devido fim. No ano de 2021, entidades científicas tiveram que solicitar liberação de verbas do fundo ao Ministro da Economia. Já há alguns anos o Governo Federal não tem destinado o produto da arrecadação da CIDE ao orçamento dos fundos setoriais de ciência e tecnologia do FNDCT, o que levanta questionamentos sobre a constitucionalidade da manutenção da sua cobrança.


A CIDE cumpre a função de incentivar a ciência, a tecnologia e a inovação no Brasil?

Thiago Braichi: Não. A CIDE não cumpre sua função de incentivar ciência, tecnologia e inovação porque os recursos que deveriam ser direcionados ao FNDCT acabam alocados em reservas de contingência, desnaturando a finalidade do tributo.

A justificativa e a comprovação da destinação do produto da arrecadação que serão apresentadas pela União ao STF poderão selar o destino da CIDE-Royalties. Em julgamento anterior (18/08/2020), da CIDE instituída pela LC nº. 110/2001, o STF entendeu que, “a partir de 2004, tais receitas poderão ser parcialmente destinadas a fins diversos, desde que igualmente voltados à preservação dos direitos inerentes ao FGTS, ainda que indiretamente” (RE nº. 878.313/SC). Resta saber para quais fins tem se destinado o produto da arrecadação da CIDE-Royalties, mesmo que indiretamente.


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