STF mantém extinção de penas relativas a crimes tributários

Desde que contribuintes paguem impostos devidos, não haverá sanções penais

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Recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe maior segurança jurídica para empresas e seus representantes: quando os contribuintes pagarem dívidas tributárias, mesmo que de forma parcelada, não poderão ser processados e presos por crimes tributários como sonegação, fraude, apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.273, julgada pela suprema corte, era contra a Lei nº 11.941/2009 e foi movida pela Procuradoria-Geral da República. A lei previa a extinção das penas quando os tributos fossem pagos. Na ADI, alegou-se que suspender ou extinguir as consequências penais quando o contribuinte parcelasse e/ou pagasse os tributos seria inconstitucional. A tese baseou-se na importância da arrecadação tributária para que o Estado possa prestar serviços à sociedade e cumprir seus compromissos – por isso, crimes tributários teriam consequências não só econômicas, mas sociais, e a suspensão ou extinção das penas desampararia os direitos fundamentais.

A tese não foi acolhida porque se considerou que o bem jurídico protegido pelos crimes tributários é o erário. A extinção da punibilidade – que vale apenas quando ocorre o pagamento dos tributos – foi considerada uma escolha legislativa legítima, que evidencia a prevalência do interesse na arrecadação, em detrimento da aplicação da sanção penal. Além disso, considerou-se que privilegiar a arrecadação em detrimento da punição está em harmonia com os princípios penais da intervenção mínima (que deixa as sanções penais como última alternativa a ser usada) e da fragmentariedade.

O resultado da votação foi bem-recebido: “A nosso ver, a decisão do STF foi correta, pois como o bem jurídico protegido pelos crimes tributários é a própria arrecadação, não há interesse em aplicar a pena quando satisfeita a obrigação. Em outras palavras, sem ofensa ao bem, não há que se cogitar de punição”, avaliam Sávio Hubaide e Pedro Simão, associado e sócio do Freitas Ferraz Advogados.

Associados do Vieira Rezende Advogados, Frederico Bakkum e Matheus Moitinho dizem que os dispositivos de lei questionados possuem redação clara e já vinham sendo aplicados pela maior parte dos tribunais – que vinham extinguindo a punibilidade para os contribuintes que pagavam integralmente seus débitos. No entanto, a decisão do STF tem efeito vinculante e deve ser aplicada por todos os tribunais. “O provimento jurisdicional do STF trouxe maior segurança jurídica a tais contribuintes, pois pacificou tal entendimento, que agora é vinculante para todo Poder Judiciário”, avaliam.

Mas os advogados lembram que a possibilidade de aplicação da pena não foi afastada, e que o fim da punibilidade ocorre apenas para os débitos integralmente pagos. Caso o contribuinte que aderiu ao parcelamento rescinda o acordo, o Estado mantém a sua pretensão punitiva e pode aplicar a sanção penal, como a pena privativa de liberdade.

Na entrevista abaixo, Simão, Hubaide, Bakkum e Moitinho tecem comentários sobre o resultado do julgamento.


– O que o STF julgou na ADI 4.273? Quais crimes tributários estavam incluídos no julgamento?

Sávio Hubaide e Pedro Simão: O STF julgou a constitucionalidade de dispositivos legais que preveem a suspensão da pretensão punitiva estatal e a extinção da punibilidade de crimes tributários em caso de parcelamento e pagamento dos valores devidos, respectivamente.

Os crimes tributários abarcados pelas causas de suspensão e extinção são aqueles de sonegação e fraude, previstos nos artigos 1º e 2º, da Lei nº 8.137/90, de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A, do Código Penal), e de sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A, do Código Penal).

Frederico Bakkum e Matheus Moitinho: Na ADI 4.273, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a constitucionalidade de dispositivos legais relacionados a crimes tributários, especificamente, os artigos 67, 68 e 69 da Lei nº 11.941/2009, diante da suposta inconstitucionalidade alegada pela Procuradoria-Geral da República. Os crimes tributários tratados incluem aqueles previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/1990 e nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal, que tratam de condutas relacionadas à sonegação fiscal e ao não pagamento de tributos.


– Quais foram os argumentos que embasaram os votos vencedores, favoráveis à extinção da pena por crime tributário?

Sávio Hubaide e Pedro Simão: Na ADI 4.273, alegou-se que a suspensão ou extinção das consequências penais em razão de parcelamento ou pagamento dos débitos tributários violaria os artigos 3º e 5º da Constituição Federal, bem como o princípio da proporcionalidade.

De acordo com a tese exposta, a arrecadação tributária é o instrumento por meio do qual o Estado realiza seus compromissos – como construir uma sociedade mais justa, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, reduzir desigualdades sociais e regionais – e os crimes tributários não seriam de índole apenas econômica, mas teriam reflexos na justiça distributiva. Nesse sentido, suspender ou extinguir a punibilidade reduziria a eficácia das penas e desampararia os direitos fundamentais.

Todavia, a tese não foi acolhida, e o voto do ministro relator Nunes Marques pela constitucionalidade dos dispositivos legais foi acompanhado por unanimidade. Em suma, foi reconhecido que o bem jurídico protegido pelos crimes tributários é o erário e a extinção da punibilidade, diante do pagamento, é uma escolha legislativa que evidencia a prevalência do interesse na arrecadação, em detrimento da aplicação da sanção penal.

Como o parcelamento e o pagamento dos débitos aumentam a arrecadação, eles acabam sendo reconhecidos como medidas que, em verdade, facilitam a promoção dos compromissos estatais previstos no artigo 3º da Constituição Federal (CF/88). Por fim, o voto deixa expresso que privilegiar a arrecadação em detrimento da punição está em harmonia com os princípios penais da intervenção mínima e da fragmentariedade.

Frederico Bakkum e Matheus Moitinho: Os principais argumentos favoráveis à extinção da pena por crime tributário estão relacionados à política arrecadatória e princípios do direito penal, como o da ultima ratio, proporcionalidade e intervenção mínima, que privilegiam os direitos fundamentais, a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana, protegidos pela Constituição Federal.

Os votos destacaram o interesse preponderante do Estado na arrecadação da receita proveniente dos tributos, que é essencial para o seu funcionamento e para a promoção do bem-estar social. Nesse contexto, o parcelamento e o efetivo pagamento dos tributos funcionam como mecanismos de fomento da atividade econômica e da preservação do emprego, contribuindo, portanto, com a consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil previstos no artigo 3º da Constituição Federal.

Ademais, foi sustentado o caráter de ultima ratio do Direito Penal, o que quer dizer que a aplicação da pena se justifica quando as normas tributárias que disciplinam a fiscalização e a arrecadação dos tributos, como as que regulam o parcelamento conducente à extinção do crédito tributário, por exemplo, se mostrarem insuficientes para a proteção do bem jurídico tutelado, que nesse caso é o Erário.

Os princípios da proporcionalidade e intervenção mínima do direito penal também foram enfatizados, argumentando-se que as medidas despenalizadoras previstas na Lei nº 11.941/2009 são suficientes para proteger o patrimônio público, afastando a necessidade de sanções penais quando os débitos estão sendo regularmente pagos ou já foram quitados.

Sendo assim, a suspensão da pretensão punitiva e do prazo de prescrição penal, decorrentes do parcelamento dos débitos tributários, e a extinção da punibilidade com o pagamento integral dos débitos são medidas proporcionais que afastam o excesso da restrição ao direito fundamental à liberdade.


– A partir desse julgamento, o que muda, na prática, para os contribuintes?

Sávio Hubaide e Pedro Simão: As decisões proferidas em ADIs produzem eficácia contra todos e possuem efeitos vinculantes aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública. Portanto, aqueles contribuintes acusados do cometimento de crimes tributários podem pleitear, com maior segurança jurídica, a extinção da punibilidade em caso de pagamento, a qualquer tempo, e a suspensão da pretensão punitiva em razão do parcelamento dos débitos, o que, a depender da data dos fatos, deve ser formalizado até o recebimento da denúncia.

Espera-se que, com a recente decisão, esses pedidos não sejam contestados pelos Ministérios Públicos, e que sejam pacificamente acatados pelos julgadores.

Frederico Bakkum e Matheus Moitinho: Na nossa visão, os dispositivos de lei questionados possuem redação clara e já vinham sendo aplicados pela maior parte dos tribunais pátrios no sentido de suspender a prescrição dos crimes tributários aos contribuintes que aderirem a programas de parcelamento e extinguir a punibilidade para aqueles que pagarem integralmente seus débitos. O provimento jurisdicional do STF trouxe maior segurança jurídica a tais contribuintes, pois pacificou tal entendimento, que agora é vinculante para todo Poder Judiciário.


– Como você avalia o resultado? 

Sávio Hubaide e Pedro Simão: A nosso ver, a decisão do STF foi correta, pois como o bem jurídico protegido pelos crimes tributários é a própria arrecadação, não há interesse em aplicar a pena quando satisfeita a obrigação. Em outras palavras, sem ofensa ao bem, não há que se cogitar de punição.

Como foi destacado, o princípio da intervenção mínima exige que as sanções penais sejam aplicadas somente em última alternativa. Converge com esse princípio a opção legislativa de extinguir a punibilidade em caso de pagamento, e de suspender a pretensão punitiva diante de parcelamentos, período durante o qual, também coerentemente, não correrá a prescrição criminal.

Além disso, a decisão acomoda situação de insegurança jurídica que deixa muitos contribuintes e seus respectivos representantes legais em situação delicada. Por ser um precedente vinculante, espera-se que seja atribuída maior uniformidade às decisões judiciais – mesmo ainda aberta a possibilidade de pleitear a suspensão da pretensão punitiva no caso de parcelamentos aderidos após o recebimento da denúncia.

Frederico Bakkum e Matheus Moitinho: Na nossa visão, a decisão do STF foi acertada, pois a suspensão da pretensão punitiva do Estado diante do parcelamento de débitos tributários e a possibilidade de extinção da punibilidade com o pagamento integral incentivam a regularização fiscal, o que é benéfico tanto para o Estado, que aumenta sua arrecadação, quanto para a sociedade, ao evitar a aplicação de sanções penais em contextos nos quais a reparação do bem jurídico tutelado já ocorreu.

Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que, apesar de decidir pela prevalência da política de arrecadação dos tributos em detrimento da incidência de punição penal sobre o contribuinte, a possibilidade de aplicação da pena não foi afastada, tendo em vista que extinção da punibilidade ocorre apenas para os débitos integralmente pagos. Com relação aos débitos parcelados, ocorre a suspensão da pretensão punitiva, enquanto o parcelamento não for rescindido, não correndo o prazo da prescrição criminal durante o período de suspensão. Ou seja, caso o contribuinte que aderiu ao parcelamento rescinda o acordo, o Estado mantém a sua pretensão punitiva e pode aplicar a sanção penal, como a pena privativa de liberdade, por exemplo.


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