Tipo societário em destaque no momento são as special purpose acquisition companies (Spacs). Criadas e muito populares nos Estados Unidos, essas sociedades são conhecidas como empresas “cheque em branco”, uma vez que, no momento de sua formação e capitalização, via abertura de capital (IPO), elas não possuem atividade específica. Essa particularidade pode simplificar e agilizar o processo de IPO e resultar em uma economia de vários meses se comparado com o processo tradicional de oferta pública, por evitar procedimentos morosos e burocracias usuais envolvendo sociedades operacionais e/ou suas controladoras.
E como ocorre a abertura de uma Spac? É constituída uma sociedade anônima, de capital aberto, e de gaveta (shell company), com objeto social único de procurar uma empresa privada de capital fechado para ser adquirida com os recursos do IPO (empresa-alvo) e posteriormente ser incorporada por ou incorporar a Spac, de modo que essa sociedade passe a ser uma companhia operacional de capital aberto.
Não se sabe, no momento da captação de recursos via IPO, qual será exatamente a empresa-alvo ou mesmo o setor de atuação das empresas que serão adquiridas pela Spac. Essas sociedades não têm plano de negócios definido e tampouco vendas e produtos estabelecidos, de modo que os investidores são atraídos a aportar capital nessas sociedades por causa do histórico de performance de seus fundadores e administradores. Por esse motivo, esses profissionais costumam ser pessoas influentes, conhecidas e com muita experiência no mercado e no segmento econômico que a Spac pretende atuar.
Em princípio, os administradores da Spac não podem acessar os recursos obtidos no IPO antes de efetivarem a aquisição e incorporação da empresa-alvo. Até lá, todos os recursos investidos na Spac são alocados em uma conta vinculada (chamada nos EUA de trust account), que funciona como uma conta garantia, administrada por um terceiro até que a operação de aquisição e incorporação seja concluída.
Costuma ser fixado um prazo limite para que os administradores da Spac adquiram a empresa-alvo, que geralmente varia entre 18 meses e 2 anos. Durante esse período, quando uma empresa-alvo é identificada e a negociação finalizada, os administradores da Spac convocam uma assembleia de acionistas/investidores para aprovar a incorporação. Caso o aval seja obtido, a operação é concluída, alterando seu status de shell company para uma empresa operacional.
Após o prazo limite, caso não seja encontrada a empresa-alvo ou a incorporação não seja aprovada em assembleia, a Spac é liquidada e todos os acionistas/investidores são reembolsados pelos aportes feitos no IPO.
Críticas ao modelo
Apesar dos benefícios mencionados, as Spacs não estão isentas de críticas. Muitos acreditam que essas sociedades contêm armadilhas para os investidores, principalmente pelo fato de subestimarem os fatores de risco do negócio em razão de sua própria natureza.
Isso porque, tendo em vista que as Spacs são criadas sem uma empresa-alvo ou área de atuação pré-definida, o investidor está realizando um investimento às cegas, sem nenhuma garantia de retorno, baseando sua decisão de investimento exclusivamente na reputação e experiência dos fundadores e administradores das Spacs.
Com mais Spacs no mercado do que nunca e a pressão de prazo para a aquisição e incorporação da empresa-alvo, investidores inexperientes podem ser forçados a considerar um mau negócio em vez de nenhum acordo, dado o incentivo do administrador da Spac de realizar uma aquisição após o IPO.
Adicionalmente, com menos requisitos de auditoria exigidos pela Securities and Exchange Commission (SEC) do que para um IPO tradicional, há um risco significativo de fraude nas Spacs. O caso da aquisição da Akazoo, um serviço de streaming de música, por uma Spac é um exemplo. Atualmente, a companhia enfrenta acusações de fraude que sustentam que os antigos administradores teriam, aparentemente, falsificado os livros, os registros e a auditoria utilizados na incorporação da Akazoo, prejudicando os investidores.
De todo modo, é inquestionável o sucesso das Spacs no mercado americano nos últimos anos. De acordo com os dados do SPAC Analytics, os IPOs realizados por meio de sociedades desse tipo nos Estados Unidos quadruplicaram do ano de 2019 (59 IPOs) para 2020 (248 IPOs) e, no primeiro semestre de 2021, o número de IPOs realizados por Spacs já chegou a 349.
Spacs no Brasil
Os países latino-americanos também foram impactados pelo boom de Spacs, com diversas listagens no mercado americano dedicadas a investimentos na região, com especial foco nos setores de tecnologia, financeiro e energia. O objetivo neste caso é se beneficiar de oportunidades na América Latina, aproveitando a maior familiaridade de investidores americanos com este tipo de operação em relação aos investidores locais.
No início de junho, a Embraer divulgou, por meio de fato relevante, que sua subsidiária, a Eve Urban Air Mobility Solutions, Inc, startup de veículos elétricos de pouso e decolagem vertical, está em negociação com a Spac americana Canite Acquisition Corp.
No Brasil, esse tipo societário ou estrutura de investimento ainda não existe. Porém, no começo de 2021, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) criou um grupo de estudos composto por advogados, executivos de bancos de investimento e gestores de recursos para se aprofundar no tema e avaliar a implementação das Spacs no Brasil.
O resultado das discussões será enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que colocou em consulta pública uma proposta de reforma para modernizar, harmonizar e consolidar as regras atuais para as ofertas públicas realizadas no Brasil. O prazo para envio das sugestões encerra-se no dia 8 de julho de 2021.
Coautoria de Camila Giovanelli, advogada do Carneiro de Oliveira Advogados
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