Decisão do STF fortalece alienação fiduciária

Corte entende que execução extrajudicial de imóvel é constitucional

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O resultado de um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre alienação judiciária fortaleceu o uso do instrumento: a corte entendeu que é legal a retomada de imóvel de forma extrajudicial, dispensando a necessidade de as instituições financeiras recorrerem à Justiça.

“A decisão traz maior segurança jurídica à alienação fiduciária de imóvel e é um precedente muito importante também para o procedimento extrajudicial da execução da hipoteca, recém introduzido no nosso ordenamento através do marco legal das garantias.

Vale lembrar ainda que o procedimento de execução extrajudicial proporciona o desafogamento do Judiciário e ameniza a avalanche de processos distribuídos diariamente nos tribunais do país”, avaliam Celso Contin, Leonardo Cardoso e Bruno Ett Bícego, sócio e associados do Vieira Rezende Advogados.

Eles lembram que as operações de crédito imobiliário garantidas por alienação fiduciária representaram 99,20% do saldo total de operações de crédito habitacional (entre dezembro de 2013 e dezembro de 2020) – e que a alienação fiduciária se tornou o principal meio de garantia de imóvel adotado pelo mercado de crédito no Brasil. Isso porque a Lei nº 9.514/97 disciplinou que a alienação fiduciária de imóvel constitui-se mediante instrumento particular, que o valor de avaliação do imóvel deve constar do contrato e prever o procedimento extrajudicial para execução da garantia, além de permitir ao credor um tratamento extraconcursal nos casos de insolvência, recuperação judicial e falência.

No caso julgado, se questionava a constitucionalidade da permissão de que o imóvel fosse a leilão extrajudicial, sob o argumento de violação a princípios constitucionais como a ampla defesa e o direito ao contraditório.

O entendimento que prevaleceu na corte foi o de que, como o imóvel permanece no nome do credor, ele não pertence ao devedor (o que apenas acontece quando este quita a dívida). Outro argumento para embasar a decisão foi que não há impedimentos para que o devedor acesse a Justiça para questionar pontos da execução extrajudicial. No entanto, a decisão não foi unânime: divergiram os ministros Edson Fachin, em voto seguido pela ministra Cármen Lúcia, para os quais os poderes excepcionais conferidos a uma das partes ferem o direito ao processo legal e o aceso à Justiça e à moradia.

A tese fixada foi a de que “É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”. O caso julgado (leading case RE 860631, Tema 982) tem repercussão geral.

Apesar de a lei que instituiu a alienação fiduciária já ter completado 25 anos, ainda existem muitos questionamentos. Recentemente, o mecanismo recebeu algumas modificações com o novo marco legal das garantias (Lei nº 14.711/23). Este também estendeu o procedimento extrajudicial para as hipotecas.

Na entrevista abaixo, Contin, Cardoso e Bícego comentam a decisão da Suprema Corte e a sua importância para o mercado de crédito imobiliário.


– O que estava em discussão no julgamento do STF sobre alienação fiduciária (RE 860631)

Celso Contin, Leonardo Cardoso e Bruno Ett Bícego: O que estava em discussão nesse importante julgamento é a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial da alienação fiduciária de imóvel, introduzido no direito pátrio por meio da Lei nº 9.514/97.

No caso em comento, houve a aquisição de um imóvel, por meio de contrato de mútuo entre o devedor e a instituição financeira, garantido pela alienação fiduciária do bem. Após o não pagamento de algumas prestações mensais pelo devedor, a instituição financeira deu entrada no procedimento de execução extrajudicial, nos termos da Lei nº 9.514/97), em que autoriza o Ofício de Registro de Imóveis a consolidar a propriedade em favor do credor, para que este, em seguida, promova o leilão do imóvel, sem que haja necessidade de uma autorização judicial para a execução do imóvel.

Diante disso, o devedor ajuizou ação anulatória na tentativa de impedir a execução do imóvel pelo procedimento extrajudicial, mediante argumentos de violação a princípios constitucionais como a ampla defesa e o direito ao contraditório.

Após os desdobramentos judiciais, o tema foi pautado no STF para julgamento da constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial de imóveis em contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel, na hipótese em que o devedor não honrou com os pagamentos previstos no contrato.


– Qual o entendimento da corte?

Celso Contin, Leonardo Cardoso e Bruno Ett Bícego: A Suprema Corte reconheceu a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial da alienação fiduciária de imóvel em contrato de mútuo, haja vista que a referida legislação não viola os princípios da inafastabilidade da jurisdição e do acesso à Justiça, tampouco as demais garantias processuais previstas na Constituição Federal.


– A decisão impede o acesso dos devedores ao Judiciário?

Celso Contin, Leonardo Cardoso e Bruno Ett Bícego: Em que pese a decisão tenha sido proferida em sede de repercussão geral, ou seja, aplicável pelos tribunais de origem a todos os casos semelhantes, os devedores podem acessar o Judiciário, caso haja nulidade ou infração da parte credora em relação à alienação fiduciária, o que pode levar à anulação da execução extrajudicial do imóvel, se feito fora dos ditames legais.

O próprio ministro relator Luiz Fux destaca em seu voto que “ao firmar contrato de mútuo garantido por alienação fiduciária, o fiduciante manifesta sua vontade de permitir que eventual execução se dê extrajudicialmente, de acordo com os trâmites da Lei nº 9.514/1997, ressalvada a possibilidade de, a qualquer momento, ajuizar ação para sanar ilegalidade eventualmente praticada no curso do procedimento”.

Assim, a Suprema Corte declarou constitucional o procedimento extrajudicial estabelecido pela Lei nº 9.514/97. Em boa hora, aliás, visto que a Lei nº 14.711/23, intitulada marco legal das garantias, sancionada no fim do mês de outubro, estabelece o procedimento extrajudicial também para a hipoteca.


– Qual é a importância dessa decisão?

Celso Contin, Leonardo Cardoso e Bruno Ett Bícego: A edição da Lei nº 9.514/97 instituiu o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e a alienação fiduciária de imóvel, objetivando alavancar o desenvolvimento do mercado de financiamento imobiliário através da celeridade, segurança e efetiva recuperação de crédito imobiliário com o procedimento de execução extrajudicial, no lugar do antigo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que tinha como instrumento de financiamento imobiliário a hipoteca em que a execução era pela via judicial, causando morosidade na recuperação do crédito por ela garantido.

Devido ao fato de a Lei nº 9.514/97 ter disciplinado que a alienação fiduciária de imóvel constitui-se mediante instrumento particular, que o valor de avaliação do imóvel deve constar do contrato e de prever o procedimento extrajudicial para execução da garantia, além de o instituto da alienação fiduciária permitir ao credor um tratamento extraconcursal nos casos de insolvência, recuperação judicial e falência, a alienação fiduciária passou a ser o principal meio de garantia de imóvel adotado pelo mercado de crédito no Brasil.

Nesse sentido, conforme exposto no voto do ministro relator, os dados obtidos pelo Parecer 547/2021, elaborado pelo DENOR/COCIP, datado de 03 de março de 2021, demonstram que as operações de crédito imobiliário garantidas por alienação fiduciária representaram 99,20% do saldo total de operações de crédito habitacional, entre dezembro de 2013 e dezembro de 2020.

A decisão traz maior segurança jurídica à alienação fiduciária de imóvel e é um precedente muito importante também para o procedimento extrajudicial da execução da hipoteca, recém introduzido no nosso ordenamento através do marco legal das garantias.

Vale lembrar ainda que o procedimento de execução extrajudicial proporciona o desafogamento do Judiciário e ameniza a avalanche de processos distribuídos diariamente nos tribunais do país.


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