Proposta de novo imposto de renda sobre empresas desagrada setores diversos
De construtoras a operadoras de celular, ninguém está satisfeito com a proposta que circula na câmara
A reforma da complicada legislação tributária brasileira é esperada há anos tanto por empresários — que buscam pelo menos simplificar o calhamaço de impostos que pagam —, quanto por partidos de esquerda que tentam diminuir a fatia paga pelos mais pobres. A ascensão de Paulo Guedes ao posto de Ministro da Economia empolgou quem tinha esperança de que empresas passassem a pagar menos impostos. No entanto, as discussões na Câmara vão em sentido contrário e desagradam setores diversos, de operadoras de celular a construtoras.
O problema das operadoras de celular é que elas remuneram seus acionistas utilizando com frequência o instrumento de juros sobre capital próprio (JCP). O recurso funciona como um adiantamento dos lucros e, nesse caso, quem paga imposto de renda retido na fonte é o acionista. No caso dos dividendos, acontece o oposto: a empresa paga imposto de renda sobre o lucro antes de ele ser distribuído, e o acionista fica isento. Para as companhias, o JCP é uma ferramenta contábil para diminuir o valor gasto com tributos; para os investidores, há a vantagem de as distribuições de lucros se tornarem mais frequentes. O plano do governo é acabar com o JCP e taxar a distribuição de dividendos em 20%. O sindicato das operadoras de celular afirma que a fatia que elas pagam ao governo pode subir de 34% para 49%, o que pode frear o ritmo de investimentos em 5G.
Do lado das construtoras, a principal questão é o uso das sociedades em conta de participação (SCP) — veículos que permitem que diversos investidores façam parte de um projeto imobiliário. Nas SCPs, a empresa que lidera o projeto costuma assumir o papel de sócio ostensivo e os demais, de sócios participantes. A reforma prevê que as SCPs tenham que usar o mesmo regime de tributação do sócio ostensivo. Como exemplo, pode-se considerar os casos em que SCPs são tributadas pelo sistema de lucro presumido e correm o risco de ter de passar a usar o sistema de lucro real, em linha com a sócia ostensiva.
A seguir, a advogada Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados, comenta o assunto:
Como a atual proposta de um novo imposto de renda impacta empresas que adotam o regime de lucro real e lucro presumido?
Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia: São muitas as mudanças que o projeto de lei introduz no ordenamento e que podem impactar as empresas que adotam o regime do lucro real e presumido. A primeira mudança mais significativa e que irá impactar empresas que adotam o regime de lucro real e presumido é a redução da alíquota do IRPJ. O projeto estabelece a redução da alíquota geral do IRPJ de forma escalonada dos atuais 15% para 12,5% em 2022 e 10% a partir de 2023. O adicional de 10% para os lucros acima de 20 mil reais por mês ficaria mantido.
Outra mudança importante é a ampliação das hipóteses de obrigatoriedade pelo lucro real. A adoção do lucro real passaria a ser obrigatória para empresas imobiliárias e para aquelas que têm como objeto social o recebimento de royalties e a exploração de direitos patrimoniais e de imagem.
Como as empresas que pagam juros sobre capital próprio podem ser afetadas por esse novo imposto de renda?
Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia: Após a apresentação do projeto de lei, autoridades fiscais têm se manifestado no sentido de que a ideia do projeto de lei é extinguir o pagamento de juros sobre capital próprio. A redação do projeto de lei extingue a possibilidade de dedução, pela pessoa jurídica pagadora, para efeitos de apuração do lucro real, dos juros sobre capital próprio pagos aos sócios.
O governo está propondo, ainda, a taxação de dividendos e de fundos imobiliários. De que forma ela irá funcionar? Isso pode afastar investidores do mercado de capitais?
Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia: O projeto de lei propõe a tributação dos lucros ou dividendos pagos pelas pessoas jurídicas à alíquota de 20%. O IR seria retido pela fonte pagadora.
Se a proposta for aprovada da forma como foi apresentada, é possível que os investimentos no Brasil passem a ser menos competitivos quando comparados a investimentos em outros países, o que poderá afastar, num primeiro momento, investimentos no mercado brasileiro de capitais.
Existe o risco de a reforma atual tornar a legislação tributária ainda mais complexa, e a carga de impostos ainda maior?
Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia: Entendo que não. A justificativa do governo ao apresentar a proposta é simplificar a legislação tributária, hoje excessivamente complexa. Além disso, é difícil fazer uma avaliação agregada do impacto da reforma na carga tributária das empresas porque ela dispõe sobre a tributação de diferentes ramos da economia e de diferentes formas. É possível afirmar, por exemplo, que empresas do ramo imobiliário teriam forte impacto, uma vez que seriam obrigadas a adotar o regime do lucro real.
De qualquer forma, o resultado da reforma precisa ser analisado conjuntamente com todas suas etapas, lembrando que essa é apenas a segunda delas que deverá gerar grande debate nas casas legislativas.
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