Caso Light acende discussão sobre RJ de concessionárias

Como conciliar a prestação de serviços públicos e a possibilidade de reerguer uma empresa em dificuldades?

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Para evitar que um serviço público tão essencial como o fornecimento de energia seja interrompido quando uma empresa do setor está em dificuldades financeiras, a lei proibiu que concessionárias de energia elétrica entrassem em recuperação judicial (RJ). Mas o complexo caso da Light traz à tona uma discussão: sem recorrer à RJ, seria possível conciliar o objetivo de prestar serviços adequados à população e de reerguer a empresa?

Não há uma resposta simples para a questão, nem tampouco para o imbróglio da Light, que tem dívidas da ordem de 11 bilhões de reais. Em abril, a empresa entrou com uma medida cautelar para evitar a cobrança antecipada dessas dívidas, e, em 12 de maio, com um pedido de RJ da holding – já que as concessionárias são proibidas por lei de entrar em RJ. Um grupo de debenturistas (26 gestores de recursos que representam 5 bilhões em títulos) considerou a medida um artifício e tentou barrar a extensão dos efeitos do stay period – prazo de 180 dias nos quais a execução de dívidas fica suspensa – para as concessionárias. O pedido foi negado pela Justiça.

Renato Tavares, sócio do FTA Advogados, afirma que o único meio legal e impositivo de organização e distribuição dos ativos do devedor entre os credores existente no nosso sistema jurídico é a Lei de Recuperação Judicial e Falência: “Ao não permitir que a concessionária de energia elétrica possa se utilizar desse mecanismo, os credores ficam livres para atingir ativos da devedora e esses atos de constrição podem impactar na geração de caixa da empresa que, ao final, terá sua capacidade de prestação de serviços afetada. O que teremos é a corrida desenfreada dos credores pelos ativos da concessionária, partindo das regras processuais existentes fora da recuperação judicial, onde se premia “quem chegar primeiro” e o objetivo da lei (assegurar a prestação de serviços adequada) não será atingido. O remédio acaba se transformando em veneno.”

Na tentativa de evitar essa corrida pelos seus ativos, a saída encontrada pela Light foi pedir RJ para a sua holding, com efeitos para as demais sociedades do grupo – elas também passaram a contar com mecanismos como o stay period. “Se o grupo conseguir apresentar um plano de recuperação factível nesse período e negociar o que for necessário junto à Aneel, tudo terá terminado bem. Caso contrário, essa estratégia heterodoxa pode vir a encontrar seus limites, principalmente se a Aneel decidir intervir na concessão, o que só se justificaria se a empresa começar a deixar de prestar o serviço de forma adequada. Nada no caso da Light é trivial”, diz Maria Virginia Mesquita, sócia do Vieira Rezende Advogados.

Tavares explica que a Lei 12.767/12 permite a intervenção da Aneel nas concessões “com o fim de assegurar sua prestação adequada e o fiel cumprimento das normas contratuais”. Mas ele lembra que essa intervenção visa evitar problemas na prestação dos serviços e não resolve o problema financeiro, já que o interventor não tem poder para reestruturar as dívidas de forma impositiva (o que somente é possível com a RJ).

Mesquita considera que as concessionárias de serviço público muitas vezes ficam numa situação sui generis, pois o juízo da recuperação persegue a sobrevivência das empresas viáveis e é o foro adequado para se buscar uma reestruturação ampla de todo o passivo (o regulatório, as dívidas financeiras, os créditos de fornecedores). Mas, por outro lado, quando o passivo regulatório é muito grande, a empresa precisa reestruturá-lo com a agência reguladora. “Por isso, venho defendendo que, à exceção do setor elétrico, que tem um regime de reestruturação próprio aplicável às concessionárias enquanto vigora o contrato de concessão, o melhor arranjo para reestruturar as concessionárias em crise é a recuperação judicial, acompanhada de um processo de mediação junto à agência reguladora competente. A Lei de Recuperação Judicial e Falências foi, inclusive, alterada recentemente para permitir isso.”

Na entrevista abaixo, Tavares e Mesquita abordam a RJ de concessionárias de energia e o complicado imbróglio da Light.


– Por que a legislação proíbe as concessionárias de serviços públicos de pedirem recuperação judicial? Essa vedação se aplica a todos os setores?

Renato Tavares: A proibição estipulada na legislação visa evitar que um serviço público essencial (fornecimento de energia elétrica) possa ser interrompido. Somado a isso, os bens utilizados na exploração da atividade (os bens da concessão) são bens públicos e não integram o patrimônio da concessionária (como bens disponíveis) não podendo inclusive ser penhorados. Ou seja, os credores não têm acesso a esse conjunto de ativos para satisfazer suas dívidas, o que torna o procedimento concursal incompatível.

Importante relembrar que essa proibição surgiu logo após a crise do Grupo Rede, que culminou com a recuperação judicial da Celpa. Após o pedido de recuperação judicial da Celpa, foi editada a Medida Provisória 577, transformada na Lei 12.767/12, que permite a intervenção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nas concessionárias de energia elétrica, bem como exclui referidas empresas do regime da recuperação judicial. A lei de concessões (Lei 8.987/95) não possui disposição semelhante. Inclusive já tivemos exemplos de concessionárias de rodovias e aeroportos que ingressaram com pedido de recuperação judicial.

Maria Virginia Mesquita: Essa vedação existe apenas para o setor elétrico. A Lei 12.676/12 (que é resultado da conversão de uma medida provisória – a 577/12) determina que a falência e a recuperação judicial (procedimentos previstos na Lei 11.101/05) não se aplicam às concessionárias de serviço público de energia elétrica enquanto estiverem vigentes seus respectivos contratos de concessão com o Poder Público. Extinta a concessão, a empresa poderia entrar em recuperação judicial, sim.


– Quando uma concessionária de serviços públicos está em dificuldades financeiras, quais são as suas alternativas para alcançar o reequilíbrio econômico-financeiro (além das soluções via mercado) e não perder a concessão?

Renato Tavares: Excetuado a hipótese da recuperação judicial (que possui vedação legal), a empresa deve tentar obter soluções consensuais com os credores, o que, pelo menos no caso da Light, não se mostrou exitoso, uma vez que não foi possível uma solução coordenada com todos os credores. A Lei 12.767/12 possui disposição permitindo a intervenção da Aneel nas concessões “com o fim de assegurar sua prestação adequada e o fiel cumprimento das normas contratuais”, mas essa intervenção visa evitar problemas na prestação dos serviços e não resolve o problema financeiro, já que o interventor não tem poder para reestruturar as dívidas de forma impositiva (o que somente é possível com a recuperação judicial).

Maria Virginia Mesquita: As concessionárias de serviço público muitas vezes ficam numa situação sui generis na recuperação judicial. De um lado, o juízo da recuperação, que tem por missão perseguir a sobrevivência da empresa (desde que ela seja viável) é o foro adequado para se buscar uma reestruturação ampla de todo o passivo da empresa (o regulatório, as dívidas financeiras, os créditos de fornecedores). De outro, quando o passivo regulatório é muito grande (sobretudo aquele ainda não líquido), não há chance de a empresa se reestruturar de forma adequada sem obter a reestruturação desse passivo com a agência reguladora. Isso sem contar na discussão sobre se o passivo regulatório líquido (créditos de multas regulatórias, investimentos em atraso e até mesmo de acordos de leniência) é sujeito ao concurso de credores. Eu entendo que deve ser. Mas não é entendimento pacífico. Por isso, venho defendendo que, à exceção do setor elétrico, que tem um regime de reestruturação próprio aplicável às concessionárias e enquanto vigente o contrato de concessão, o melhor arranjo para reestruturar as concessionárias em crise é a recuperação judicial acompanhada de um processo de mediação junto à agência reguladora competente. A Lei de Recuperação Judicial e Falências foi inclusive alterada recentemente para permitir isso.


– No caso da Light, como é vista a opção da empresa de pedir recuperação judicial pela holding e a aceitação do pedido pelo Judiciário?

Renato Tavares: A holding não está sujeita à proibição legal imposta pela Lei 12.767/12, não estando impedida de pedir recuperação judicial, assim como já aconteceu com a Abengoa no passado.

Maria Virginia Mesquita: Já houve um caso de recuperação judicial de holding de concessionária de energia na vigência da Lei 12.767/12 anteriormente. Nesse caso da Light, porém, foi pedido que os efeitos da recuperação judicial fossem estendidos a todas as empresas do grupo. Por isso, mecanismos como o stay period, que impede execuções contra a empresa durante 180 dias, se aplicariam também às concessionárias. Se o grupo conseguir apresentar um plano de recuperação factível nesse período e negociar o que for necessário junto à Aneel, tudo terá terminado bem. Caso contrário, essa estratégia heterodoxa pode vir a encontrar seus limites, principalmente se a Aneel decidir intervir na concessão, o que só se justificaria se a empresa começar a deixar de prestar o serviço de forma adequada. Nada no caso da Light é trivial.


– Ainda considerando a Light, quais seriam as alternativas legais para que a empresa consiga se reerguer e alcançar o equilíbrio econômico-financeiro, conciliando a adequada prestação de serviços à população?

Renato Tavares: O sistema jurídico nacional possui na Lei de Recuperação Judicial e Falência o único meio legal e impositivo de organização e distribuição dos ativos do devedor entre os credores. Ao não permitir que a concessionária de energia elétrica possa se utilizar desse mecanismo, os credores ficam livres para atingir ativos da devedora e esses atos de constrição podem impactar na geração de caixa da empresa que, ao final, terá sua capacidade de prestação de serviços afetada. O que teremos é a corrida desenfreada dos credores pelos ativos da concessionária, partindo das regras processuais existentes fora da recuperação judicial, onde se premia “quem chegar primeiro” e o objetivo da lei (assegurar a prestação de serviços adequada) não será atingido. O remédio acaba se transformando em veneno.

Maria Virginia Mesquita: Não existe solução pontual para o caso da Light. É necessário que os distintos stakeholders compreendam, como ouvi de um arguto executivo recentemente, que o longo prazo chegou. O Estado e o município precisam apresentar para a sociedade e para o regulador um plano de segurança pública visando apoiar a redução das perdas não técnicas. A Light precisa apresentar as medidas para reduzir essas perdas o quanto possível, com a ajuda do Estado. Se esse processo começar hoje, levaria algum tempo para se consolidar. Até lá, é necessário definir com quem e como dividir a conta da energia furtada entre o Estado, a empresa e os usuários pagantes. A prorrogação do contrato de concessão muito provavelmente será necessária, mas o governo federal não tem como simplesmente prorrogar a concessão para permitir a reestruturação financeira do grupo, sem contrapartidas das empresas em termos de investimento e cumprimento de suas obrigações contratuais e regulatórias. Por outro lado, ninguém pode se dar ao luxo de permitir que o serviço de distribuição de energia elétrica do Rio de Janeiro entre em colapso. Isso seria uma demonstração de incapacidade do país como um todo de lidar com uma concessão importante do setor de infraestrutura em crise. Além disso, há a questão dos milhares de investidores que investiram suas economias em ações da empresa e em debêntures por ela emitidas, um instrumento que inclusive conta com incentivo tributário para fomentar investimento privado em infraestrutura. A reestruturação da Light está longe, muito longe de ser um problema unicamente privado.


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5 Comentários
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