Pandemia motiva PL que altera Lei de Recuperação Judicial e Falência

Dispositivo pretende conter efeitos econômicos da crise nas empresas, mas tem causado polêmica

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Com o objetivo de proporcionar maior liquidez para as empresas afetadas pela pandemia do novo coronavírus, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ) propôs o projeto de lei (PL) 1.397/20. O PL envolve pontos como a alteração do regime jurídico da recuperação extrajudicial e a suspensão, em caráter transitório, de determinados dispositivos da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/05).

O PL 1.397/20 prevê a suspensão de possíveis ações judiciais de caráter executivo que envolvam discussões sobre cumprimento de obrigações, revisionais de contratos, decretação de falência e mandato de despejo por 30 dias, desde que vencidas após o dia 20 de março de 2020 — data em que foi decretado estado de calamidade pública no País. O texto também estabelece a vedação de execução de garantias, cobranças de multas, decretação de falência, despejo por falta de pagamento e resolução unilateral de contratos bilaterais enquanto durar a pandemia. 

Thomas Magalhães, sócio do Magalhães & Zettel Advogados, explica que após esse prazo de 30 dias as empresas que comprovarem redução igual ou superior a 30% do seu faturamento — comparado com a média do último trimestre correspondente de atividade no exercício anterior — terão direito a uma negociação preventiva. “Durante o período de negociação, o devedor poderá celebrar, independentemente de autorização judicial, contratos de financiamentos para custear sua reestruturação”, destaca. Se houver pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, o PL indica que o período de suspensão de 30 dias deve ser deduzido do stay period, prazo previsto na Lei 11.101/05 em que todas as ações e execuções contra o devedor são suspensas.

Alterações provisórias na Lei de Recuperação Judicial e Falência também fazem parte da proposta. Segundo Pedro Mourão, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados, dentre as mudanças mais relevantes estão a suspensão do direito do credor de cobrar garantidores do devedor, como fiadores e coobrigados; a possibilidade de apresentação de um novo plano de recuperação judicial ou extrajudicial, mesmo já existindo um outro homologado judicialmente; e a redução do quórum — de três quintos para maioria simples dos credores — para aprovação da recuperação extrajudicial.

O PL 1.397/20 foi encaminhado para o Senado no dia 25 de maio e aguarda apreciação. A seguir, Magalhães e Mourão abordam alguns aspectos importantes do projeto de lei, os possíveis benefícios que pode trazer diante dos efeitos da pandemia de covid-19 e seus pontos polêmicos.


O PL pode ser uma solução para empresas à beira de um pedido de recuperação judicial em decorrência da pandemia? Por quê?

Sim, por permitir um fôlego maior ao agente econômico. Vale lembrar que dentre as propostas estão as suspensões das ações de execução e da possibilidade de pedido de decretação de falência. Além disso, há chance também do procedimento de jurisdição voluntária de negociação preventiva, no qual se permite a um negociador fazer a negociação das dívidas com os credores sem um processo de recuperação judicial. Outro ponto relevante é a redução do quórum para aprovação da recuperação extrajudicial, que poderá passar para maioria simples.

O PL tem como base uma série de medidas que foram recomendadas pelo Banco Central Europeu. Pode ser uma medida de ajuda imediata para as empresas, principalmente as pequenas, pois fomenta a negociação, a conciliação entre as partes. Ele pode dar um fôlego tanto aos devedores quanto aos credores, aumentando a liquidez dos devedores e criando um ambiente que possibilita o recebimento dos valores devidos — mesmo que seja em um tempo mais longo — em vez da certeza de inadimplência.


Um dos pontos polêmicos da proposta é que ela cria uma “moratória” de 30 dias para todas as empresas — estejam elas muito, pouco ou nada afetadas pela crise. Quais consequências negativas essa proposta pode produzir?

No caso das empresas que foram pouco ou nada afetadas pela crise, o PL e, consequentemente, a suspensão de 30 dias das ações de natureza executiva, pode acarretar desequilíbrio e injustiça para os credores. Imagine-se uma empresa em nada afetada pela crise e cujo credor está impossibilitado de executá-la e muito menos de cobrar dela a multa por inadimplemento decidir não realizar o pagamento, seja para honrar outros compromissos ou para realizar investimentos. Nessa situação, talvez a melhor alternativa seja a comprovação da necessidade de suspensão das ações executivas pela empresa que realmente foi afetada pela crise.

De fato, a abrangência será gigantesca. Com a situação econômica advinda da pandemia, grande parte das empresas se enquadrará no corte de queda de 30% de faturamento. Porém, surgirá como consequência um aumento brutal das demandas perante o Poder Judiciário, que precisará ter uma peneira fina para escolher somente empresas que de fato sejam saudáveis e tenham uma administração excepcional. Outro ponto que vejo como altamente negativo é que o PL pode beneficiar a empresa ruim — aquela que já tem uma administração fora dos padrões ideias, que não é saudável. O PL deve gerar uma série de passivos a longo prazo que não serão pagos, pois muitas das negociações serão concretizadas, mas não serão cumpridas.


O projeto também prevê que os bancos retenham 50%, e não 100%, dos recebíveis dados em garantia dos financiamentos, o que desagradou esses agentes financeiros. De que forma essa medida afetaria as empresas em crise e o sistema bancário?

No que diz respeito aos recebíveis, o PL permite a liberação de 50% do valor em favor do devedor, à revelia dos credores que possam deter garantias sobre eles, sendo que referida garantia deve ser recomposta de forma gradual a partir do sexto mês e em até 36 meses. Essa medida pode acarretar a recomposição do fluxo de caixa da empresa, permitindo um fôlego para condução das atividades empresariais. Mas, por outro lado, retira das instituições financeiras a mais líquida das garantias.

O principal ponto é que se aprovado, esse projeto de lei extinguiria o crédito no mercado. Ele descapitalizaria as instituições financeiras, impossibilitando a obtenção de crédito novo. É um tiro no pé, beneficiando somente o mau pagador, o mau empresário, o mau empreendedor.

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