STF revisita decisão sobre tarifas de conta de luz

Constitucionalidade da Lei Complementar 194/22 e exclusão da Tusd e da Tust da base de cálculo do ICMS serão julgadas pela corte

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A questão é antiga, mas agora volta ao Supremo Tribunal Federal (STF): o ICMS que o consumidor paga nas contas de energia elétrica deve incluir os valores referentes à tarifa de uso do sistema de distribuição (Tusd) e à tarifa de uso do sistema de transmissão de energia elétrica (Tust)? Ou seja, essas duas tarifas compõem a base de cálculo do imposto?

Para os contribuintes, não: eles consideram o ICMS deve incidir sobre o consumo da energia, excluindo-se as duas tarifas da base de cálculo do imposto. Já os Estados consideram que o ICMS deve incidir sobre o valor total, que considera a energia e as duas tarifas – o que aumenta o imposto a pagar.

Até a edição da Lei Complementar 194/22, que excluiu a Tusd e a Tust da base de cálculo do ICMS, não havia menção ao assunto – e daí vinham os questionamentos na Justiça por parte de contribuintes que queriam excluir as duas tarifas da base de cálculo. A LC 194/22 foi a mesma que definiu que itens como energia elétrica, telecomunicações e combustíveis são essenciais e, por isso, não podem ter uma alíquota superior às alíquotas ordinárias (seguindo decisão do próprio STF sobre o assunto).

Enquanto isso, a discussão também corre no Superior Tribunal de Justiça (STJ): em 2017, o próprio STF havia considerado que a matéria era infraconstitucional. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve julgar se a Tusd e a Tust compõem a base de cálculo do ICMS, sob a sistemática de recursos repetitivos.

No entanto, os Estados, que perderam arrecadação com a redução da base de cálculo do imposto, moveram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7.195) questionando pontos da LC 194/22 – portanto, cabe ao STF também avaliar novamente a questão. “O enfoque a ser analisado é a constitucionalidade ou não da Lei Complementar 194/22, o que passa pela análise da constitucionalidade ou não da exclusão das tarifas da base de cálculo do ICMS”, explicam os advogados Frederico Bakkum e Raphael Castro, associados do Vieira Rezende Advogados.

No início de fevereiro, o ministrou do STF Luiz Fux proferiu uma liminar que autorizava os Estados a incluir as duas tarifas na base de cálculo do imposto. “O deferimento da medida cautelar, nos autos da ADI 7.195, sugere uma tendência preliminar de o STF rever seu posicionamento acerca de a questão ser ou não constitucional”, avaliam Bakkum e Castro. O julgamento da ADI estava marcado para 24 de fevereiro e 3 de março, com sessões no plenário virtual.

O resultado do julgamento do STF deve influenciar o do STJ, consideram os advogados do Vieira Rezende. Na entrevista abaixo, eles abordam a questão e explicam por quê.


– Por que a questão da inclusão da Tusd e da Tust na base de cálculo do ICMS será julgada pelo STF? A corte não havia entendido que a matéria era infraconstitucional?

Frederico Bakkum e Raphael Castro: Ainda no ano de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão no sentido de que a questão relativa à inclusão ou não da Tusd e da Tust na base de cálculo do ICMS teria natureza infraconstitucional, cabendo, portanto, ao STJ definir se as referidas tarifas devem ou não compor o base de cálculo do ICMS incidente na aquisição de energia elétrica.

Com efeito, a análise da tese sobre a inclusão ou não das referidas tarifas na base de cálculo do imposto está pendente de análise no STJ, por meio do tema repetitivo nº 986, ainda sem data prevista para julgamento, tema este que tendia a ter um desfecho favorável aos contribuintes, em linha com a histórica jurisprudência do STJ.

Antes mesmo da análise do tema 986 pelo STJ, contudo, e de forma a sedimentar a questão, o Congresso Nacional editou a Lei Complementar 194/22, por meio da qual, dentre outras questões, foi disciplinado que as tarifas Tusd e Tust deveriam ser excluídas da base de cálculo do ICMS.

Ocorre que, após forte pressão dos Estados – preocupados com o impacto fiscal resultante da exclusão da TUSD/TUST da base de cálculo do ICMS –, o STF foi levado a revisitar essa discussão, agora sob a ótica da análise da constitucionalidade da citada LC nº 194/22, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.195.

Na ADI, os Estados questionam a possibilidade de a União Federal regulamentar a matéria, sustentando, dentre outras teses, que a base de cálculo do ICMS incidente sobre a aquisição de energia elétrica deve contemplar as tarifas Tusd e Tust, por força de disposição constitucional, posto que as tarifas fazem parte do valor da operação, base imponível do imposto.

Em razão da propositura da ADI é que o STF analisará a questão. O enfoque a ser analisado é a constitucionalidade ou não da Lei Complementar 194/22, o que passa pela análise da constitucionalidade ou não da exclusão das tarifas da base de cálculo do ICMS.

O deferimento da medida cautelar, nos autos da ADI 7.195, sugere uma tendência preliminar de o STF rever seu posicionamento acerca de a questão ser ou não constitucional.


– Qual é a diferença entre o julgamento do STF e do STJ? As duas decisões tendem a ser relacionadas?

Frederico Bakkum e Raphael Castro: A diferença efetiva entre o julgamento a ser realizado pelo STF e pelo STJ é bastante singela.

Enquanto o STF analisará a constitucionalidade da Lei Complementar 194/22, o STJ analisará, sob a perspectiva da Lei Complementar 87/96, ainda que em sua redação anterior à Lei Complementar 194/22, se as tarifas devem ou não fazer parte da base de incidência do ICMS.

Se a conclusão do STF for no sentido de que a Lei Complementar 194/22 é inconstitucional, o tema repetitivo 986 do STJ tende a ficar prejudicado, já que a análise da constitucionalidade da referida Lei passa pela análise da amplitude da base de constitucional de incidência do ICMS energia elétrica. Isto é, se o STF decidir que a base de incidência do ICMS energia elétrica deve contemplar o valor total da operação, inclusive o valor das tarifas, por força constitucional, o STJ deverá julgar o tema repetitivo na mesma linha, sob pena de a decisão ser incompatível com a Constituição.

Por outro lado, caso a Lei Complementar 194/22 seja julgada constitucional, podemos ter dois desfechos para o tema repetitivo 986: o STJ confirmar sua histórica jurisprudência, no sentido de que a simples cessão de uso das conexões para transmissão da energia elétrica não implica na circulação de bem ou mercadoria, afastando a incidência do ICMS sobre Tusd e Tust, inclusive para o período anterior à Lei Complementar 194/22; ou o STJ modificar sua jurisprudência, para concluir que somente após a entrada em vigor da Lei Complementar 194/22 que as tarifas devem ser excluídas da base de cálculo do ICMS.

Desse modo, certamente as decisões tendem a ser relacionadas.


 – No momento, como vem ocorrendo a cobrança da conta de energia por parte dos Estados: com a inclusão ou a exclusão da Tusd e da Tust na base de cálculo do ICMS? 

Frederico Bakkum e Raphael Castro:  Com a edição da Lei Complementar 194/22, apenas alguns poucos Estados adequaram a legislação local para determinar a exclusão das tarifas da base de cálculo do imposto. Nestes, o ICMS estava sendo cobrado com a exclusão das tarifas. A grande maioria dos Estados, no entanto, simplesmente manteve a cobrança, à revelia da legislação complementar nacional.

Com o deferimento da medida liminar concedida pelo Ministro Luiz Fux nos autos da ADI nº 7.195, essa cobrança passa a ter legitimidade e alguns dos Estados que inicialmente adequaram sua legislação interna passaram a rever seus atos. O Estado de Minas Gerais, por exemplo, já revogou o Decreto nº 48.482/22, que excluía as tarifas da base de cálculo do ICMS. Outros estados sinalizaram que aguardarão o julgamento do mérito da ADI nº 7.195 para rever a legislação interna.

No geral, especialmente após a concessão da cautelar postulada na ADI, os Estados estão mantendo a inclusão das tarifas Tusd e Tust na base de cálculo do ICMS energia elétrica.


–  O que se recomenda aos contribuintes a respeito da questão?

Frederico Bakkum e Raphael Castro: Em relação ao período posterior à edição da Lei Complementar 194/22, os contribuintes devem aguardar o posicionamento do STF, que decidirá se a questão é efetivamente constitucional e se a base constitucional de incidência do ICMS energia elétrica deve contemplar o valor total da operação, inclusive as tarifas Tusd e Tust.

Paralelamente, os contribuintes que ainda não possuem ação questionando o período anterior à Lei Complementar 194/22 podem avaliar a possibilidade de ajuizar medidas judiciais para questionar esse período, evitando a prescrição de eventual crédito a ser restituído, caso seja mantida a histórica jurisprudência do STJ no sentido de que as tarifas não devem compor a base de incidência do ICMS e caso o STF julgue constitucional a Lei Complementar 194/22.

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