Tributação de fundos exclusivos preocupa investidores

Medida esperada pelo governo deverá provocar movimentação nas aplicações

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Uma das intenções do governo federal é a de igualar a tributação de fundos exclusivos, acessíveis a pessoas com elevado patrimônio, à dos fundos de investimento comuns, voltados para as pessoas físicas. Os primeiros devem se tornar sujeitos também ao “come-cotas”, tributação antecipada pelo Imposto de Renda que incide duas vezes por ano sobre os rendimentos obtidos com as aplicações. Ainda que não haja detalhes sobre a mudança, os investidores já estão avaliando as alternativas.

“Acreditamos que a reação imediata seria o resgate de muitos recursos aportados nos fundos. Em um segundo momento, acreditamos que a inclusão do come-cotas poderá gerar uma transferência de capital para o exterior. De qualquer forma, é possível dizer que a alteração (instituição do come-cotas) não será uma surpresa porque esse assunto já está em pauta há alguns anos – o que permite aos contribuintes se programarem com relação a possíveis alternativas de investimento”, avaliam Thiago Braichi e Júlia Barreto, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados.

As iniciativas e estratégias que serão tomadas pelos cotistas diante da tributação de fundos exclusivos dependem, é claro, da redação da medida. Um dos temores é que venha algum tipo de tributação do estoque (rendimentos obtidos antes do início da medida). Nesse caso, espera-se que haja o questionamento na Justiça. “Caso o texto pretenda tributar o estoque, certamente esse ponto será questionado pelos contribuintes. É preciso aguardar os próximos andamentos sobre o tema e estar preparado para possíveis mudanças”, avaliam Michel Siqueira Batista e Giovanna Milana, associados do Vieira Rezende Advogados.

Eles lembram que, no passado já houve uma tentativa, que não avançou, de tributar integralmente o estoque (MP 806/17). E que o Projeto de Lei da reforma da tributação da renda (PL nº 2.337, aprovado na Câmara dos Deputados em 2021) prevê a incidência do come-cotas nos fundos exclusivos fechados e com a cobrança de uma alíquota de 6% sobre o estoque (o PL está parado no Senado Federal). Milana e Batista lembram que a Constituição veda a instituição de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os houver instituído ou majorado (artigo 9º, I) — o que pode embasar o questionamento na Justiça.

A questão preocupa os investidores porque muitas carteiras estão em ativos ilíquidos. A necessidade de pagar o imposto antecipadamente e sobre o estoque, portanto, pode tornar necessária a liquidação de ativos para pagar o tributo. “Diante da possibilidade de [a tributação de fundos exclusivos] incidir sobre o estoque, recomenda-se aos gestores uma análise mais aprofundada nas carteiras de investimento com o objetivo de reservar caixa ou já mapear os ativos que poderiam ser liquidados com mais facilidade caso eventual tributo venha a ser instituído”, recomendam Batista e Milana.

Na entrevista abaixo, Braichi, Barreto, Batista e Milana abordam as diferenças na tributação entre os fundos e refletem sobre as possíveis consequências para o mercado.


– Atualmente, quais são as diferenças existentes na tributação de fundos exclusivos e fundos não exclusivos? Existe diferença também com relação ao tipo de investimento (renda fixa, variável, multimercados)?

Thiago Braichi e Júlia Barreto: O fundo ser “exclusivo” significa que ele possui apenas um cotista (o que é distinto dos fundos abertos, em que o público em geral tem acesso), o que permite uma grande personalização na alocação de recursos. Além disso, o fundo exclusivo fechado (que só permite o resgate no momento de vencimento ou encerramento do fundo) não possui come-cotas – o que acaba por diferir a tributação para o cotista apenas para o encerramento e/ou resgate dos valores aplicados.

O portifólio do fundo exclusivo vai depender do perfil do cotista – que poderá investir em renda fixa, variável etc. Ou seja, independentemente do tipo de investimento que o fundo exclusivo fechado possui, a tributação só ocorre no resgate (do fundo). Com isso, a movimentação interna de diferentes investimentos dentro do fundo exclusivo fechado – de renda fixa para variável ou vice e versa – não será tributada até que o cotista resgate as cotas do fundo. Essa é talvez a diferença mais relevante quando comparamos a tributação de um fundo exclusivo com investimentos realizados diretamente pelas pessoas físicas.

Paralelamente, caso a pessoa invista diretamente em um fundo de renda fixa ou multimercado, por exemplo, estará sujeita às regras da modalidade desse fundo. Em um fundo multimercado, por exemplo, se o investidor for a pessoa física, haverá come-cotas. O come-cotas é uma antecipação do Imposto de Renda que é devido sobre os ganhos do investimento, sendo feito por meio de amortização (redução do valor) das cotas, ocorrendo em maio e novembro.

Giovanna Milana e Michel Siqueira Batista: Os fundos de investimento exclusivos são diferentes dos não exclusivos, em sua essência, pelo fato de que possuem apenas um único cotista ou um grupo restrito deles, o que faz com que sejam voltados principalmente para investidores de alta renda. Nos fundos exclusivos há uma maior liberdade para sua personalização, de modo que ele pode ser ajustado de acordo com as necessidades e objetivos do cotista, tendo uma maior flexibilidade em relação às regras de investimentos.

Outro conceito importante são os fundos fechados (que não se confundem com os exclusivos, embora em geral os fundos exclusivos adotem a forma fechada).

Basicamente a diferença entre os fundos abertos e fechados é que no primeiro o investidor consegue aportar e resgatar seu dinheiro em qualquer momento. Já os fundos fechados são aqueles que permitem o recebimento dos rendimentos apenas em momentos específicos (com menor frequência) como amortizações (em geral anual) ou no encerramento do fundo.

Além disso, outra diferença relevante é que é possível doar cotas de fundos fechados, o que não ocorre com relação aos abertos – que exigem o resgate (e tributação) do investimento para que o recurso líquido seja transferido aos donatários.

O tratamento tributário dispensado, no entanto, depende da modalidade do fundo (renda fixa, em ações, multimercado etc.) e se ele é fechado ou aberto.

Por exemplo, os fundos de investimento em renda fixa e multimercado (abertos) estão sujeitos ao come-cotas, enquanto os fundos de investimento em ações (FIA), inclusive os abertos, não estão.

Já os fundos fechados não ficam sujeitos ao come-cotas, independente dos ativos em que investem. Ou seja, um fundo de renda fixa ou multimercado aberto que está sujeito ao come-cota atualmente não teria esse tratamento se constituído na modalidade fechada.


– O que o governo pretende mudar na tributação de fundos exclusivos? Espera-se uma tributação do estoque ou só dos rendimentos obtidos após a mudança na forma de tributação?

Thiago Braichi e Júlia Barreto: A ideia é a instituição do come-cotas, aplicável aos fundos em “geral”. O Projeto de Lei 2.337, aprovado pela Câmara do Deputados em 2021, previa a cobrança do come-cotas sobre os fundos fechados – inclusive sobre o estoque (ativos que já são detidos pelo fundo, antes de qualquer mudança legislativa).

Essa possibilidade (tributação do estoque) gerou uma grande crítica do mercado. Entretanto, no âmbito da atual reforma tributária, entendemos que a tributação do estoque ainda está indefinida, e o que temos visto nos últimos posicionamentos do governo atual é uma “suavização” do tratamento do estoque mantido nos fundos – como a utilização de uma alíquota diferenciada, como já foi proposto em projetos anteriores, em que a alíquota de Imposto de Renda cobrada sobre o estoque seria inferior.

Giovanna Milana e Michel Siqueira Batista: O governo pretende igualar a tributação dos fundos exclusivos fechados com a dos demais fundos, de modo que o “come-cotas” também seja aplicado nesses casos e haja tributação antecipada pelo Imposto de Renda de forma periódica.

Por ora, ainda não há nenhuma proposta do governo em concreto em tramitação no Congresso Nacional (de acordo com os noticiários e com as declarações recentes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, há indícios de que tal proposta seja encaminhada ainda nesse mês de agosto).

Um dos pontos que está em discussão é justamente se o referido projeto virá com a previsão da tributação do estoque (isto é, se rendas obtidas em anos anteriores ao ano-calendário de 2023 também seriam tributadas de forma acumulada em 2024) ou se serão considerados apenas os rendimentos obtidos a partir do ano-calendário de 2023. No passado já houve uma tentativa, que não avançou, de tributar integralmente o estoque (MP 806/17).

Além disso, o Projeto de Lei da reforma da tributação da renda (PL nº 2.337, aprovado na Câmara dos Deputados em 2021) prevê a incidência do come-cotas nos fundos exclusivos fechados e com a cobrança de uma alíquota de 6% sobre o estoque. O PL, no entanto, está pendente de análise pelo Senado Federal.

Há muitas críticas em relação à tentativa de tributação do estoque, já que a Constituição Federal veda a instituição de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os houver instituído ou majorado (artigo 9º, I).

Trata-se de discussão similar àquela travada por ocasião da edição da sistemática de tributação de lucros no exterior pela MP nº 2.158-35/01, que pretendia alcançar os lucros que haviam sido apurados no exterior antes da edição da norma. Ao analisar a matéria, o STF decidiu que se tratava de tributação retroativa, considerando inconstitucional esse trecho da norma (Ação Direta de Inconstitucionalidade 2588).

Caso o texto pretenda tributar o estoque, certamente esse ponto será questionado pelos contribuintes. É preciso aguardar os próximos andamentos sobre o tema e estar preparado para possíveis mudanças.

Uma grande preocupação dos investidores nesse contexto é que os ativos normalmente detidos nos fundos de investimento exclusivos fechados podem não ter uma liquidez imediata para arcar com um imposto desse tipo, ou mesmo podem estar desvalorizados, o que exigiria a liquidação de ativos com perda para pagar o imposto, impactando na estratégia do fundo.

Diante da possibilidade de tributação do estoque, recomenda-se aos gestores uma análise mais aprofundada nas carteiras de investimento com o objetivo de reservar caixa ou já mapear os ativos que poderiam ser liquidados com mais facilidade caso eventual tributo venha a ser instituído.


– Há fundos exclusivos (master) que recebem a aplicação de outros fundos (feeder), estes últimos com muitos cotistas. Os fundos master também passariam a ter “come-cotas”, mesmo que seus feeders não sejam exclusivos?

Thiago Braichi e Júlia Barreto: Não nos parece que os fundos exclusivos master terão algum tratamento diferenciado. Entretanto, o que deve ser levado em consideração é que os fundos não são contribuintes do imposto – o cotista é o contribuinte. No caso do come-cotas, o mecanismo é uma antecipação do tributo devido pela cotista pessoa física ou pessoa jurídica.

Mas, como o fundo feeder é o cotista do fundo exclusivo (master), o mecanismo do come-cotas entraria em “conflito” porque não haveria uma pessoa física conectada diretamente no fundo exclusivo, e consequentemente não haveria como antecipar a tributação – justamente porque o fundo, pela ausência de personalidade jurídica, não é contribuinte de imposto. De qualquer forma, acreditamos que situações específicas serão devidamente endereçadas em uma eventual reforma, como é o caso de fundo master/feeder.

Giovanna Milana e Michel Siqueira Batista: Conforme acima mencionado, o que impacta atualmente na forma tributação é o fato de o fundo ser fechado (e não o fato de ser exclusivo ou ter uma pluralidade de cotistas).

De todo modo, a discussão sobre esse tipo de estrutura se faz relevante, pois as operações realizadas pelos chamados fundos de fundos (fundos que investem em outros fundos, que seria o caso dos feeders funds) também não são tributadas atualmente pela sistemática do come-cotas.

Como se trata de um investimento em cadeia, o ideal é que o fundo master não fosse tributado, caso o feeders também seja, sob pena de se criar uma eficiência sem qualquer racional.

No entanto, como ainda não foi divulgado nenhum texto, não é possível dizer como seria nesses casos.


– Levantamento da Trademap contabilizou em R$ 756,8 bilhões (dados de junho deste ano) os fundos exclusivos, o que representa 12% da indústria de fundos. Espera-se uma migração desses recursos para outras modalidades de investimento ou jurisdições? Ou esse investidor, acostumado com a cobrança do imposto só no resgate, irá aceitar passivamente a mudança na tributação?

Thiago Braichi e Júlia Barreto: Acreditamos que a reação imediata seria o resgate de muitos recursos aportados nos fundos. Em um segundo momento, acreditamos que a inclusão do come-cotas poderá gerar uma transferência de capital para o exterior. De qualquer forma, é possível dizer que a alteração (instituição do come-cotas) não será uma surpresa para os contribuintes porque esse assunto já está em pauta há alguns anos – o que permite aos contribuintes se programarem com relação a possíveis alternativas de investimento.

Giovanna Milana e Michel Siqueira Batista: Certamente os contribuintes irão se adaptar – além de eventualmente questionar alguma parte da norma, como uma possível tributação do estoque. A estratégia, no entanto, dependerá da redação que virá.

Uma possível alternativa seria segregar os ativos para uma modalidade de fundo que continue fora do campo de incidência do come-cota. Por exemplo, caso o FIA continue não sujeito ao come-cota, uma alternativa seria segregar os investimentos em ações que estão num fundo de investimento multimercado (FIM) para um FIA. Uma outra possibilidade a ser pensada são os fundos de previdência. Por fim, uma estrutura com fundos de fundos também pode mitigar alguma ineficiência.

De toda forma, é necessário que se faça uma avaliação individual do patrimônio de cada investidor, bem como dos seus objetivos patrimoniais e sucessórios antes de tomar qualquer decisão, até mesmo porque os fundos exclusivos ainda guardariam determinadas vantagens (tais como a possibilidade de compensação de perda em operações com ativos de naturezas diferentes, governança, acesso a investimentos mais exclusivos) que, a depender da situação, podem ser consideradas relevantes.


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