Projeto aumenta riscos para administradores e proteção dos investidores

Mudanças na Lei das S.As, previstas pelo PL 2.925/23, demandarão mais atenção de conselheiros, diretores e controladores

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O Projeto de Lei 2.925/23, que propõe as mais importantes alterações na Lei das Sociedades Anônimas (Lei das S.As) dos últimos vinte anos, poderá representar um avanço para os minoritários, que passariam a contar com mais possibilidades de serem ressarcidos por prejuízos decorrentes de ações ilegais de administradores ou controladores de companhias. Um dos possíveis efeitos, para estes últimos, será o aumento do risco de serem processados – o que poderá ter o efeito benéfico de aumentar a preocupação com a conduta adequada por parte desses profissionais, reduzindo a probabilidade de ocorrerem eventos como o da Americanas.

Esse foi um dos pontos levantados durante o último encontro do Legislação & Debates, que discutiu o projeto que também altera a Lei 6.385/76 e amplia os poderes da CVM. Participaram do debate: Bernardo Freitas (sócio do Freitas Ferraz Advogados), Gyedre Carneiro de Oliveira (sócia do Carneiro de Oliveira Advogados), Julio Fleichman (sócio do Fleichman Advogados) e Vitor Biccas Massoli, sócio do Nankran Mourão Brito Massoli. Veja, abaixo, os principais tópicos e questões debatidos:

As mudanças na Lei das S.As podem fomentar um ambiente litigioso entre minoritários, controladores e administradores? 

A Lei das S.As prevê que acionistas com pelo menos 5% do capital social de uma companhia podem ajuizar ação contra o controlador por atos praticados em abuso de direito e que prejudicaram a companhia – o objetivo é que a companhia seja indenizada pelo prejuízo. Mas, antes, é necessário submeter a matéria para aprovação em assembleia. Caso isso não ocorra, o minoritário com 5% tem o direito de entrar com a ação. O PL 2.925/23 reduz esse percentual para 2,5% ou o valor de 50 milhões de reais (corrigido pelo IPCA) – mas mantém a necessidade de aprovação em assembleia.

Além disso, cria uma modalidade de busca de reparação que ainda não existe hoje: a ação coletiva contra os administradores que prejudicaram a companhia. Para isso, o acionista precisará ter 2,5% de qualquer classe de ações ou posição acionária superior a 50 milhões de reais (corrigidos pelo IPCA) – mas, antes, também será necessário submeter a matéria para aprovação em assembleia.

Uma das discussões é se essa redução nos percentuais, ao facilitar a proposição de processos, irá fomentar um ambiente de litígio entre minoritários, controladores e administradores. “Na minha visão, não acho que é percentual baixo demais”, considera Freitas. Ele se embasa em dois pontos. Um é que 60% das empresas listadas na bolsa valem mais de 1 bilhão de reais – 2,5% desse valor representa 25 milhões de reais em ações, montante que Freitas avalia considerável.

Outro ponto é que o PL outorgou para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a competência de alterar esses percentuais ao longo do tempo, se for verificado que está gerando distorções – no caso, aumentando a litigiosidade de forma indevida. Vale lembrar, no entanto, que a CVM apenas poderá reduzir esse percentual, mas não aumentá-lo, o que pode deixar pouca margem de manobra para coibir eventuais excessos.

Oliveira concorda que esse percentual não é significativamente baixo, já que grande parte das companhias tem free float de 25% – o acionista que detém 5% do capital teria 20% do free float, o que é um número elevado. Além disso, ela lembra que acionistas com 5% de participação societária são considerados relevantes e inclusive devem constar dos Formulários de Referência que as companhias entregam para a CVM. Ou seja, para ela os 2,5% continuam sendo relevantes. “Isso não deveria ser por si só um mecanismo que vá mudar completamente o cenário de litígios. Talvez os outros incentivos atrelados a essa diminuição de percentual tenham um maior potencial de incentivar o minoritário”, avalia.

Esses outros incentivos são a mecânica no cálculo do prêmio com a sucumbência – este elemento pode de fato promover um aumento das ações, mas deve ser um aumento salutar, considera Fleichman. “Hoje a gente tem muito pouca proteção e os caminhos para acessar o Judiciário não são claros do ponto de vista procedimental e processual. O projeto como um todo traz boas inovações”. Os outros incentivos são a mudança na forma de remuneração dos minoritários que movem as ações –aumento no prêmio para o vencedor da ação e redução dos honorários em caso de perda.

Hoje, a lei prevê um prêmio de 5% do valor da indenização pleiteada para o autor da ação. O prêmio existe para que os acionistas minoritários tenham mais incentivos econômicos para buscar seus direitos. Pelo projeto, o prêmio passará a ser de 20%. Deste valor deverá ser retirado o valor que o investidor pagará pelos honorários do advogado (que ficam hoje entre 10% a 20%). A sucumbência (honorários devidos ao advogado da parte vencedora) será calculada sobre o prêmio e não sobre o valor total da ação. Fleichman observa que isso reduz significativamente o risco de mover uma ação judicial, o que pode levar ao aumento do litígio.

Já Massoli não conta com um aumento da litigiosidade. “Não há a criação de novo sistema e não há a lógica de atrair a visão consumerista”. Ou seja, as alterações não vão considerar o investidor hipossuficiente (como ocorre com consumidores), e as responsabilidade dos administradores não vão mudar: a boa-fé na condução dos negócios continuará a ser levada em conta.

Aumentos dos riscos para administradores, controladores e intermediários com as mudanças na Lei das S.As

O rol de matérias passíveis de ressarcimento por parte dos minoritários não será mudado se o PL 2.925/23 for aprovado, já que seu objetivo não é mudar os deveres e as responsabilidades que seriam a base das ações dos minoritários contra controladores e administradores, explicaram os advogados. No entanto, isso não significa que não haverá impacto, muito pelo contrário: “Ao melhorar o acesso dos minoritários que se sintam lesados a mecanismos mais eficazes de ressarcir os danos, o senso de risco e responsabilidade dos administradores e controladores será maior”, considera Oliveira. Fleichman, por sua vez, lembra que os valores envolvidos numa indenização – caso condenado, o administrador terá de pagar, além da indenização para a companhia, 20% a mais de prêmio – deverá torná-los mais atentos e menos propensos a se aventurar em atividades que possam ser consideradas limítrofes em relação à lei ou ao estatuto da companhia. “De fato, aumentou um pouco o risco dos administradores, dos controladores e assessores.”.

No caso dos assessores – como coordenadores da ofertas públicas – há um aumento de responsabilização e a criação de uma hipótese em que estes e a companhia (e não seus administradores ou controladores) poderá ser responsabilizada: quando forem prestadas informações incorretas aos investidores, e que gerem prejuízos. Essa seria uma exceção, já que o projeto não visa estabelecer a responsabilização da companhia por danos decorrentes de atos praticados pelos administradores ou controladores. Na visão de Freitas, esse foi um acerto do projeto. A responsabilização do coordenador de uma oferta pública, por exemplo, poderia ocorrer quando este não tivesse a diligência necessária para verificar se as informações prestadas pela empresa eram verdadeiras, ou se havia passivos ocultos.

A redação do artigo 27-G, no entanto, gerou dúvida entre os debatedores. O artigo prevê que administradores de emissores de valores mobiliários serão responsáveis por prejuízos sofridos por investidores em decorrência de ação ou omissão dos investidores em infrações à lei ou regulamentação. Para Massoli, o artigo se refere a administradores das sociedades anônimas, porque senão o leque de administradores seria ampliado demais. Para Oliveira, do jeito que está, a redação do artigo abarcaria também administradores de fundos de investimento.

Publicidade dos procedimentos arbitrais 

Uma das propostas do PL é a obrigatoriedade de as sociedades anônimas divulgarem procedimentos arbitrais nos quais estão envolvidas. Fleichman considera que essa publicidade daria mais clareza, pois reduziria a assimetria de informações referente às disputas societárias no mercado de capitais, até para fins de formação de formação de banco de jurisprudência. Freitas concorda e considera a publicidade fundamental, uma vez que há uma conduta inerte de buscar essa divulgação.

Ele lembrou que a assimetria de informações existe porque a companhia e os acionistas envolvidos no litígio o conhecem, mas os demais acionistas não têm acesso aos fatos que envolvem a companhia e os administradores – informação que, ainda que não envolva valores relevantes, pode influir na decisão do investidor de continuar acionista ou não. “Essa publicidade é fundamental para acabar com a assimetria de informações”, afirma. Até mesmo porque a adesão à arbitragem foi incentivada pela CVM e pela bolsa. Ele lembra que a CVM regulamentará essa publicidade. Massoli concorda com a publicidade, mas tem dúvidas com relação à divulgação de precedentes em larga escala porque as partes escolhem os árbitros e poderia haver uma tendência para que estes se baseiem unicamente nos precedentes, seguindo-os de uma forma segura.

Oliveira lembrou que a divulgação não é uma novidade, uma vez que o anexo I da Resolução 80 da CVM trata da obrigação de divulgar contencioso ou arbitragem A diferença é que, agora, essa exigência será aplicável a todas as sociedades anônimas, mesmo as de capital fechado. Para Freitas, essa mudança seria necessária porque a regra atualmente não atende à necessidade do mercado por mais informações.

Aumento de poderes da CVM

O PL 2.925/23 também altera a Lei 6.385/76 e visa conferir mais poderes à CVM. “O projeto tem uma iniciativa louvável que é dar fomento para a atividade pré-sancionadora da CVM”, diz Massoli. No entanto, ele lembra que esses mecanismos previstos pela lei precisam ser revertidos em arcabouço probatório relevantes na formação de procedimento administrativo para a responsabilização do administrador. Ou seja, considera que é necessário resolver a questão da falta de servidores na autarquia para dar efetividade para essa atividade.

Já Fleichman tem certo receio que a ampliação de poderes seja excessiva: um dos dispositivos diz que a CVM pode realizar inspeções na sede social e sucursais da companhia. Ele considera que esse poder de polícia dado à autarquia pode ser exagerado. Freitas concorda: no mundo teórico os poderes são maravilhosos, mas na prática podem surgir problemas. Alguns deles, como investigar estoques e quaisquer livros, são amplos demais. O medo é que surjam abusos que hoje não existem: “Nesse projeto de lei, esses poderes foram a única coisa que me incomodou”. Oliveira lembra que a Polícia Federal faz isso para a CVM, e que o projeto prevê o término dessa triangulação: “Em teoria, a CVM seria mais capacitada que a Polícia Federal para fazer isso.”

O que merece calibragem?

Os advogados elencaram alguns pontos que devem gerar debates: o prêmio de 20% (ainda não se sabe se pode gerar uma indústria de ajuizamento de ações); como a CVM irá calibrar o que deve ou não ser divulgado nos procedimentos de arbitragem; a relação entre prêmios e sucumbência (que poderia aumentar o litígio) e a redação pouco clara desse tópico e a responsabilidade de outras entidades, como fundos de investimento.

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