Brasil poderá ter plataformas de créditos de carbono

De olho no potencial do País para ativos verdes, prefeitura e estado do Rio de Janeiro buscam viabilizar iniciativas na área

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A necessidade de descarbonização da economia vem atraindo atenção para o mercado voluntário de carbono, no qual as empresas compram, por vontade própria, créditos de CO2 para neutralizar suas emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, esse mercado ainda funciona de maneira informal, mas iniciativas gestadas no Rio de Janeiro podem mudar esse cenário.  

Os projetos estão sendo desenvolvidos tanto no âmbito da prefeitura quanto do Estado. Por parte da prefeitura, o objetivo é a criação do Brazil Carbon Marketplace (BCM), voltado à negociação de créditos de carbono. Uma das parceiras do projeto, a bolsa digital AirCarbon Exchange (ACX) anunciou, em novembro, durante a COP26, que planeja lançar um ambiente de negociação para créditos de carbono no mercado voluntário no Brasil até a realização da Rio +30. A conferência sobre desenvolvimento sustentável será realizada no segundo semestre na cidade e marcará os 30 anos da Rio-92. Além da ACX e da prefeitura, a iniciativa conta com a participação da plataforma de descarbonização BlockC.

No âmbito do Estado, estuda-se a possibilidade de criação de uma plataforma de negociação de ativos relacionados ao meio ambiente. Para tanto, o governo do estado assinou um protocolo de intenções com a Nasdaq Market Technology e a Global Environment Asset Platform (GEAP) para que avaliem essa oportunidade. Por ora, no entanto, ainda não há nada concreto a respeito da instalação da bolsa.

Advogada associada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, Ana Carolina Barbosa enxerga as iniciativas com bons olhos. “A existência de uma bolsa específica para negociação de créditos de carbono pode impulsionar o mercado voluntário e consequentemente alavancar os projetos voltados para remoção e sequestro de carbono, além de trazer mais segurança e transparência para os créditos de carbono que serão comercializados”, afirma.

Mas será que há espaço, no País, para mais de uma bolsa voltada a ativos verdes? “Acreditamos que sim, tendo em vista que o tamanho do mercado e a escassez geram enorme oportunidade de inovação. Além disso, a concorrência tende a aumentar a qualidade dos produtos e equilibrar a precificação dos ativos”, afirmam os advogados Lara Miranda e Felipe Hanszmann, sócios do Vieira Rezende Advogados, Caio Brandão e Érica Antunes, respectivamente associado e estagiária do mesmo escritório. 

Na entrevista a seguir, Barbosa, Miranda, Hansmann, Brandão e Antunes abordam o potencial do mercado voluntário de carbono no Brasil e explicam por que a criação de um ambiente de negociação para esses créditos é importante. 


Qual é a importância de o Brasil ter uma bolsa voltada à negociação de créditos de carbono?

Ana Carolina Barbosa: A existência de mercados regulados ou voluntários de créditos de carbono vem da urgência de descarbonização da economia global. Precificar e controlar emissões se tornou uma forma eficiente e necessária para a transição para um modelo de baixo carbono.

No Brasil, a única inciativa atual de precificação de carbono é a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que usa um sistema no qual empresas produtoras de biocombustíveis certificadas emitem Créditos de Descarbonização (CBios), que são comercializados por instituições financeiras, e que devem ser adquiridos pelos distribuidores de combustíveis em volumes estabelecidos em metas anuais. Os CBios são negociados na B3, e a sua emissão é controlada pela Plataforma CBio, seguindo as regras estabelecidas na legislação. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 528/21, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil.

Todavia, a criação de um mercado regulado não afastará as empresas dos mercados voluntários. Neles, as companhias que desejam compensar suas emissões ou investir em projetos sustentáveis recorrem a plataformas de aquisição de créditos de carbono decorrentes de projetos certificados para compensação da sua pegada de carbono.

A existência de uma bolsa específica para negociação de créditos de carbono pode impulsionar o mercado voluntário e, consequentemente, alavancar os projetos voltados para remoção e sequestro de carbono, além de trazer mais segurança e transparência para os créditos de carbono que serão comercializados.

Com a regulamentação do artigo 6ª do Acordo de Paris, que aconteceu em Glasgow, várias inseguranças foram sanadas, inclusive em relação ao mecanismo de ajustes correspondentes, que impedirá a dupla contagem dos créditos de carbono. Isso permitirá que os mercados de carbono voluntários se desenvolvam de forma mais livre e com mais credibilidade.

Lara Miranda, Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Érica Antunes: A indústria do crédito de carbono surgiu como uma forma de reduzir os impactos ambientais negativos dos gases geradores do chamado efeito estufa. Um dos principais obstáculos para o crescimento desse mercado está na dificuldade de criação de incentivos econômicos que permitam melhor alinhamento de interesses entre as empresas, investidores e o meio ambiente, bem como de uma taxonomia global que viabilize maior integração e interoperabilidade entre as diferentes jurisdições, assim como melhoria da capacidade de fiscalização/enforcement. A bolsa voltada à negociação de créditos de carbono é uma das iniciativas buscando alinhar interesses, dado que facilita a negociação dos créditos no mercado secundário pelos respectivos adquirentes, ou seja, tem o potencial de aumentar sua liquidez.

O Brasil, naturalmente, possui um dos maiores potenciais para emissão de créditos de carbono devido ao seu extenso território florestal e potencial de reflorestamento. Logo, a implementação de um mercado de carbono o quanto antes, assim como de uma bolsa para sua negociação, podem gerar valor para toda a sociedade brasileira, posicionando nosso País como líder desse processo perante o mundo.


No Brasil, qual é o potencial do mercado voluntário de carbono e de outros ativos, como os títulos verdes e de sustentabilidade?

Ana Carolina Barbosa: De acordo com estimativas apresentadas durante a COP 26 em Glasgow, espera-se que o mercado voluntário global atinja um volume de 30 a 50 bilhões de dólares por ano a partir de 2030. O Brasil tem o potencial de responder por, pelo menos, 20% desse mercado, uma vez que o País possui enorme potencial para o desenvolvimento de projetos de agropecuária sustentável e de remoção e sequestro de carbono. 

Os títulos verdes e de sustentabilidade são títulos de dívida utilizados para captar recursos para financiar ou refinanciar projetos verdes ou sustentáveis, ativos novos ou existentes.

Os setores da economia com maior potencial para emissão de títulos verdes no Brasil, de acordo com dados da Sitawi são: (i) agronegócio, principalmente em razão do Programa ABC e das metas de restauração de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e direcionamento de 5 milhões de hectares para o Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta; (ii) produtos florestais, diante da necessidade urgente de reflorestamento e redução do desmatamento; e (iii) energia renovável, com um crescimento dos investimentos em ativos do setor e metas de aumento de 10% do setor elétrico até 2030 e aumento das matrizes eólica, biomassa e solar na matriz elétrica de pelo menos 23% até 2030.

No Brasil, mais de 6 bilhões de dólares de debêntures verdes foram emitidos desde 2016, o que coloca o País no segundo lugar na América Latina em emissões verdes.

Lara Miranda, Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Érica Antunes: Cada vez mais temos notado o desenvolvimento de políticas corporativas de net-zero – quando empresas assumem compromissos voluntários para neutralizar suas emissões líquidas de carbono. Com a adesão de grandes empresas ao mercado voluntário para ajudá-las a cumprir suas metas net-zero, mecanismos de precificação de carbono atingiram um total de 64 jurisdições ao redor do mundo, de acordo com dados do Banco Mundial. No Brasil, o tema é discutido pelo PL 528/21, cuja tramitação corre apensada ao PL 290/20, atualmente em regime de urgência e no aguardo de votação pela Câmara dos Deputados. 

O Brasil apresenta um alto potencial para o desenvolvimento de um forte mercado voluntário de carbono. Isto porque, normalmente, os compromissos de neutralização de emissões de gases do efeito estufa exigem, como boa prática, a remoção do carbono liberado na atmosfera, o que pode ser realizado por meio do reflorestamento ou da manutenção das áreas verdes. O Brasil possui aproximadamente 500 milhões de hectares cobertos por florestas naturais e plantadas, de acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizada em 2018 – o que corresponde a 59% do território nacional. 

Além disso, nosso País é atualmente o maior mercado de green bonds da América Latina. De acordo com a Climate Bonds Initiative, o mercado brasileiro já alcança o valor de 5,4 bilhões de dólares (27 bilhões de reais).


A especialização é importante nesse caso ou créditos de carbono poderiam ser negociados na B3, por exemplo?

Ana Carolina Barbosa: Os créditos de carbono poderiam ser negociados na B3, mas a criação de uma bolsa específica para negociação dos créditos de carbono pode dar outra visibilidade e relevância para esses ativos e consequentemente para os projetos envolvidos.

Lara Miranda, Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Érica Antunes: É possível que tais créditos sejam negociados na B3. Entretanto, entende-se que, devido às particularidades desse mercado, inclusive dos investidores, a criação de uma bolsa de valores voltada especificamente para esse nicho pode ser benéfica. Dessa forma, o mercado poderia ser estruturado com regras e procedimentos adaptados, contando com um regime informacional mais adequado. Pela experiência internacional, vimos que foram necessários alguns anos até que a EU ETS (European Union Exchange Trading System) funcionasse de maneira apropriada. Podemos esperar o mesmo tipo evolução para um mercado aqui no Brasil, mas a especialização pode ajudar o entendimento das particularidades e facilitar o funcionamento. 

A especialização pode gerar valor, permitindo resultados mais efetivos. Isso já acontece em outras bolsas, como a bolsa de commodities e a bolsa de empresas de tecnologia, a Nasdaq.


Há espaço para mais de uma bolsa voltada à negociação de “ativos verdes” no País?

Ana Carolina Barbosa: Entendo que sim, na medida em que os mercados sejam impulsionados. Vale ressaltar que a Organização das Nações Unidas (ONU) também desenvolveu a Iniciativa das Bolsas de Valores Sustentáveis (SSE), da qual a B3 é signatária. A SSE tem como objetivo facilitar a troca de informações entre investidores, empresas e órgãos reguladores para promover investimentos sustentáveis e avaliar os critérios ESG nas empresas listadas. Portanto, as bolsas de valores são atores importantes no caminho da descarbonização da economia.

Lara Miranda, Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Érica Antunes: Acreditamos que sim, tendo em vista que o tamanho do mercado e a escassez geram enorme oportunidade de inovação. Além disso, a concorrência tende a aumentar a qualidade dos produtos e equilibrar a precificação dos ativos. Por outro lado, a existência de um marketplace também é um típico caso passível de consolidação futura. Enfim, essa resposta naturalmente dependerá do apetite do mercado, incluindo as políticas públicas eventualmente adotadas no País, desde precificação do carbono até a tributação, entre outros.  Vale destacar que já há projetos em outras regiões do País, incluindo na própria Amazônia, caminhando nessa direção, como é o caso da BVM12.


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1 comentário
  1. Domingos Diz

    Gostaria de maiores atualizações de como está atualmente (janeiro de 2023) a legislação de criação de plataformas de comercialização de crédito de carbono no Brasil.

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