CBios dobram de preço e chamam atenção

Certificados ganham apelo entre investidores afeitos à temática ESG e fundos multimercados

2

Um ativo ainda pouco conhecido do público brasileiro vem se valorizando de forma consistente desde o início deste ano. Trata-se do Crédito de Descarbonização (CBio), título que representa uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) que deixou de ser lançada na atmosfera. Emitidos pelas produtoras de biocombustíveis, esses certificados são comprados por participantes da cadeia de distribuição, como parte do programa RenovaBio, para compensar suas emissões de CO2

Segundo informações do portal Datagro, no primeiro dia útil do ano, o preço médio de um CBio era de 45,46 reais. Desde essa data até o último dia 4 de março, esse valor mais que dobrou e o papel passou a ser negociado a 110,28 reais. 

Embora os principais investidores dos CBios sejam as distribuidoras, obrigadas a adquirir os certificados, o mercado voluntário tem potencial para crescer, na visão da advogada Ana Carolina Barbosa, associada do escritório Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. “Alguns fundos de investimento multimercado e investidores com metas ESG estão se interessando pelos títulos, principalmente por causa de sua valorização”, afirma.

Na entrevista abaixo, a advogada explica o funcionamento desse mercado e sua importância. 


No que consiste o programa RenovaBio e o que são os CBios?

Ana Carolina Barbosa: O RenovaBio, instituído pela Lei 13.576/17, é o programa que visa descarbonizar o setor de produção de combustíveis no Brasil por meio de incentivos à produção de biocombustíveis e de um mercado regulado. O programa coloca a indústria de biocombustíveis do Brasil em evidência no cenário internacional. 

No âmbito do Acordo de Paris, o Brasil apresentou metas e compromissos em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), e a transformação da produção de combustíveis se tornou uma política estratégica na busca pela descarbonização. Os programas RenovaBio, Proconve e Rota 2030 são políticas públicas que podem contribuir, de forma integrada e efetiva, não só para o alcance das metas de descarbonização, mas também para a redução dos níveis de poluição nas cidades, para o desenvolvimento industrial e tecnológico do País, para a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) e para as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O princípio fundamental do RenovaBio é a determinação do Índice de Carbono (IC) dos diversos combustíveis, ou seja, quanto de CO2 fóssil eles emitem ao longo do ciclo de vida para produzir energia (megajoule). Com esse índice, é possível entender quanto de biocombustível (etanol, biogás etc.) precisa ser produzido para que se evite que 1 tonelada de CO2 fóssil seja emitida, por exemplo, pelo uso da gasolina. É essa unidade – 1 tonelada de CO2 fóssil mitigada – que é a “moeda verde” batizada de Crédito de Descarbonização (CBio), que será negociada no mercado e que deverá ser adquirida pelas distribuidoras de combustíveis.


Como esse mercado funciona? Sua liquidez e transparência são adequadas?

Ana Carolina Barbosa: As metas de descarbonização são fixadas anualmente pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em dezembro de cada ano, e desdobradas para as distribuidoras de combustíveis, que, para atingi-las, devem adquirir determinado volume de CBios disponíveis no mercado. 

Os CBios, por sua vez, são ativos intangíveis verdes, emitidos conforme solicitação por produtores ou importadores de biocombustíveis (emissores primários). A ANP também é responsável por aprovar os processos de certificação da produção eficiente de biocombustíveis (realizados pelas firmas inspetoras credenciadas junto à agência). Assim, a ANP acompanha todas as etapas, da produção à venda do biocombustível.

Com a certificação, o produtor pode solicitar eletronicamente a demanda do pré-CBio. A ANP e o Serpro emitem os pré-CBios pela Plataforma CBio, a partir do lastro validado, ou seja, a partir das notas fiscais que refletem o volume produzido e comercializado de biocombustíveis pelos emissores primários certificados. A emissão do CBio é feita da forma escritural. Com o pré-CBio, o produtor registra o CBio perante uma instituição financeira autorizada a funcionar como escrituradora. É ela quem vai negociar os créditos em bolsa e acompanhar todas as operações com o título até a sua aposentadoria.

Uma vez emitidos, os CBios podem ser comercializados e as distribuidoras de combustíveis terão que adquiri-los conforme metas estabelecidas individualmente, para compensar suas emissões — momento em que se dá a aposentadoria do título. Se as distribuidoras não adquirirem títulos suficientes para cumprir suas metas, poderão ser multadas.

Assim, percebe-se que desde o processo de produção do biocombustível até a negociação dos CBios e a sua aposentadoria, temos um processo regulamentado e transparente. A liquidez dos CBios emitidos é garantida por meio da Plataforma CBio, que emite os títulos com lastro com base na verificação das notas fiscais de venda de biocombustíveis comercializados.


Quem são os principais investidores dos CBios? 

Ana Carolina Barbosa: Os principais investidores dos CBios atualmente são as distribuidoras de combustíveis, obrigadas pela legislação a adquirir os títulos para compensação de suas emissões. Mas o mercado voluntário tem potencial de crescimento. Alguns fundos de investimento multimercado e investidores com metas ESG estão se interessando pelos títulos, principalmente por causa de sua valorização. 


As distribuidoras de combustíveis vêm cumprindo as metas estipuladas pela ANP para a compra de CBios? 

Ana Carolina Barbosa: De acordo com o relatório de 2020 emitido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), dentre as 141 distribuidoras, apenas 35 empresas de pequeno e médio porte não cumpriram suas metas individuais e foram notificadas pela ANP. As informações publicadas pela agência, relativas ao ano de 2021, mostram que dos 142 distribuidores de combustíveis, 118 cumpriram integralmente a meta ou pelo menos 85% dela (o que permite que os 15% restantes sejam transferidos para cumprimento em 2022). Apenas 7 aposentaram CBios em quantidade inferior à 85% da meta individual e 17 não aposentaram CBios.

A ANP ainda ressaltou que 1.392 CBios foram aposentados por partes não obrigadas, quantidade que foi abatida do cálculo das metas para o ano de 2022.

O mercado de CBios no Brasil é uma importante experiência para o mercado de carbono, tema que tem sido discutido na Câmara dos Deputados por meio do Projeto de Lei 528/2021.


Leia também

CPR Verde reforça remuneração por serviços ambientais

Mercado ganhará fundos de investimento em reciclagem

Greenwashing pode caracterizar publicidade enganosa e atuação fraudulenta

2 Comentários
  1. […] CBios dobram de preço e chamam atenção […]

  2. […] CBios dobram de preço e chamam atenção […]

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.