Medida Provisória prorroga subsídios desnecessários

Projetos de energia limpa são economicamente viáveis, mas MP 1.212/24 estende prazo para benefícios

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A prorrogação de subsídios que visam incentivar a geração de energia eólica e solar, que veio por meio de recente Medida Provisória 1.212, é considerada desnecessária para fomentar a adoção de energia renovável no Brasil. Na opinião de especialistas, o barateamento de projetos de energia limpa ao longo do tempo tornou-os economicamente viáveis sem a necessidade de contar com benefícios fiscais.

“O principal intuito do governo quando da criação de subsídios é o desenvolvimento de determinado setor. O setor de geração de energia renovável do Brasil já está bastante desenvolvido – o que pode ser verificado quando analisamos o Plano Decenal de Expansão de Energia 2024 da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que estima que o Brasil aumente sua capacidade instalada de geração de energia elétrica em 73 mil MW, sendo metade vinda de fontes renováveis”, afirma Paula Padilha, sócia do Vieira Rezende Advogados.

A advogada informa que existem 11 subsídios relacionados a energias renováveis, sendo a maioria voltada para o setor de geração. A Lei 14.120/21, determinou a extinção gradual dos descontos (que não eram inferiores a 50%) na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (Tust) e/ou a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd) – novos empreendimentos só teriam direito aos descontos se pedissem outorga dentro de 12 meses contados da publicação da lei (de 02/03/22) e entrassem em operação comercial em até 48 meses (contados da outorga).

Efeitos da Medida Provisória 1.212/24

 Já a MP 1.212/24, publicada em 10 de abril, estendeu em mais 36 meses o prazo para que usinas eólicas e solares entrem em operação comercial e possam contar com esses descontos. O objetivo da MP, segundo o governo, é reduzir a conta de luz dos brasileiros. Para isso, também prevê a antecipação de recursos que a Eletrobras pagará à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que custeia política públicas do setor. No entanto, para especialistas, o efeito a médio prazo deve ser o oposto: aumento nas contas de luz por conta da prorrogação dos subsídios, que são arcados por todos os consumidores.

“Já o setor de distribuição de energia tem sofrido bastante com a transição energética e abertura do mercado, o que, somado à prorrogação dos subsídios na TUST/TUSD certamente encarecerá o preço da energia elétrica. E quem pagará a conta será o consumidor final”, avalia Padilha. Nas distribuidoras, vem ocorrendo um processo de migração dos consumidores do mercado cativo para o mercado livre de energia – desde 1º de janeiro de 2024, os consumidores de média e alta tensão podem escolher livremente quem irá lhes fornecer energia – estima-se que cerca de cem mil consumidores (a maioria de pequenos negócios) poderão migrar para o mercado livre.

Na entrevista abaixo, Padilha aborda a prorrogação dos subsídios para projetos de energia renovável.


– Atualmente, quais são os subsídios para o uso de redes de transmissão existentes para os projetos de energia eólica e solar? Por que esses subsídios existem e de que forma eles são bancados?

Paula Padilha: Pode-se dizer que existem 11 subsídios relacionados a energias renováveis, os quais podem ser divididos em dois grupos: incentivos fiscais (REIDI, PADIS, consumo de etanol, biodiesel, aerogeradores, geração distribuída) e despesas orçamentárias (TUST/TUSD, Proinfra, Renovabio, Mais Luz na Amazônia etc.)

A maior parte dos subsídios mencionados das fontes renováveis é voltada para o setor de geração. Historicamente, os subsídios relacionados a fontes renováveis surgiram em 1998, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, visando, inicialmente, as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), com intuito de desenvolver o setor. Gradualmente, conforme o setor de geração de renováveis foi se aquecendo, os subsídios foram abarcando outras formas de geração de energia renovável.

A Lei nº 9.427/1996, alterada pela Lei nº 9.648/1998, estabelecia incentivos regulatórios a empreendimentos de geração de energia de fontes renováveis, garantindo um desconto não inferior a 50% no “transporte” da energia produzida, ou seja, um desconto de 50% na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e/ou a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).

Aproximadamente 99% dos gastos orçamentários são oriundos dos consumidores de energia elétrica, ou seja, cobrados na forma de tarifa de eletricidade, conforme levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC).


  – O que a Medida Provisória recentemente editada pelo governo trouxe com relação a esses subsídios?

 Paula Padilha: Importante elucidar que a Medida Provisória nº 998/2020, a qual foi convertida na Lei nº 14.120/2021, determinou a extinção gradual desses descontos, e também trouxe novos requisitos para que novos empreendimentos possam usufruir dos descontos na TUSD/TUST, quais sejam:  tenham protocolado o respectivo requerimento de outorga no prazo de até 12 meses da publicação da lei (ocorrida em 02/03/2022); e entrem em operação comercial no prazo de até 48 meses, contados a partir da data de emissão da outorga.

Já a Medida Provisória 1.212/2024 trouxe a possibilidade do pedido de prorrogação para entrada comercial desses empreendimentos, estabelecendo um prazo adicional de até 36 meses para entrada comercial, mediante requerimento à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no prazo de 60 dias contados da publicação da MP.  Entretanto para manterem o direito ao prazo adicional, devem atender os seguintes requisitos: aportarem garantia de fiel cumprimento em até 90 dias a partir da publicação da MP; e iniciarem as obras do empreendimento em até 18 meses a partir da publicação da MP 1.212/2024


– Muitos criticaram a prorrogação dos subsídios. Em sua opinião, no atual estágio, a prorrogação dos subsídios é necessária para viabilizar projetos de energia limpa no Brasil? Quais devem ser os efeitos disso? 

Paula Padilha: O principal intuito do governo quando da criação de subsídios é o desenvolvimento de determinado setor. O setor de geração de energia renovável do Brasil já está bastante desenvolvido – o que pode ser verificado quando analisamos o Plano Decenal de Expansão de Energia 2024 da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que estima que o Brasil aumente sua capacidade instalada de geração de energia elétrica em 73 mil MW, sendo metade vinda de fontes renováveis. Assim, a matriz energética brasileira deverá atingir 45% de participação de fontes renováveis. Portanto, diante desses números, não podemos falar que o setor de renováveis necessita dos subsídios para viabilizar projetos de energia limpa no país.

Já o setor de distribuição de energia tem sofrido bastante com a transição energética e abertura do mercado, o que, somado à prorrogação dos subsídios na TUST/TUSD certamente encarecerá o preço da energia elétrica. E quem pagará a conta será o consumidor final.


– Após as críticas, o governo anunciou um grupo de estudo sobre a questão das tarifas de energia. A MP poderá ser modificada?

Paula Padilha: Importante resumir o processo legislativo das medidas provisórias, o qual compreende as seguintes fases: Publicação; Comissão Mista; Câmara dos Deputados; Senado Federal; em caso de aprovação: promulgação; Aprovação de Projeto de Lei de Conversão: segue para sanção ou veto presidencial; ou em caso de rejeição: sua vigência e tramitação são encerradas e ela é arquivada.

Conforme estabelecido no processo legislativo, o texto da Medida Provisória 1.212/2024 ainda pode sofrer alterações, o que irá apenas refletir no trâmite entre as casas, ou seja, se o texto for alterado no Senado, ele deve retornar à Câmara e posteriormente seguir o trâmite legislativo.


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