Gastos com reciclagem não geram créditos de Pis e Cofins

Em Solução de Consulta, Receita mantém entendimento restritivo sobre o que pode ser considerado insumo

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A recorrente discussão sobre o que pode ser considerado insumo e gerar créditos de Pis e Cofins voltou recentemente à tona, desta vez relacionada a embalagens utilizadas para reciclagem – e mais uma vez a Receita Federal se posicionou de forma contrária aos créditos. O entendimento está presente na Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) 11/24.

Dada a necessidade de uma empresa que atua com torrefação e moagem de café cumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10) e de contar com um Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, ela implementou um programa de reciclagem de embalagens que previa a troca de embalagens vazias por brindes fornecidos aos consumidores. Sua intenção era que os custos para a implementação do plano pudessem ser considerados insumos, gerando créditos de Pis e Cofins, já que o cumprimento das exigências legais é indispensável para a operação da empresa.

A questão existe porque o Pis/Cofins não cumulativos permitem ao contribuinte a tomada de crédito de bens e serviços da sua cadeia. “Dentre as previsões para a possibilidade de tomada de créditos, a legislação prevê que as despesas com “insumos” geram créditos. Os insumos, por sua vez, são bens e serviços considerados relevantes e essenciais para a atividade da sociedade, conforme definição do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.221.170/PR). Logo, a questão central é se a imposição legal em si é suficiente para caracterizar uma despesa como insumo”, explicam Sarah Partika e Romero Marinho, associados do Freitas Ferraz Advogados.

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira, sócia e associada do Vieira Rezende Advogados, afirmam que a questão relativa à geração de créditos de Pis e Cofins é controversa e objeto de grandes debates, e que, mesmo com o julgamento do REsp 1.221.170/PR a respeito do conceito de insumo, ainda restam diversas dúvidas e questionamentos: “Isso porque, diante da grande diversidade das atividades econômicas possíveis, é bastante complexa a definição do que seja “essencial”, “imprescindível” ou “relevante” para o desenvolvimento da atividade econômica, uma vez que são conceitos com alto grau de subjetividade”.

Na Solução de Consulta Cosit 11/24, o Fisco determinou que a imposição legal não é critério suficiente para que a despesa seja considerada insumo, considerando que os gastos relacionados à Política Nacional de Resíduos Sólidos não são relevantes e essenciais à produção de bens ou à prestação de serviço – não se enquadrando como insumos para fins de creditamento de Pis/Cofins.

Discussão semelhante: gastos com LGPD dão direito a créditos de Pis e Cofins?

A discussão é semelhante à relativa ao cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Rosa e Laranjeira explicam que o posicionamento da Receita está em linha com o entendimento da Solução de Consulta nº 307/2023, que discutia a geração de direito a créditos de Pis e Cofins em decorrência de gastos com adequação à LGPD – que igualmente configura obrigação legal da empresa. “Naquela ocasião, a Receita destacou que as obrigações impostas pela LGPD se aplicam a empresas de diversos setores – e não apenas àquele em que atua a consulente – o que evidenciaria a ausência de relação direta entre as referidas despesas e a produção dos bens e serviços produzidos pela empresa”, afirmam.

No entanto, as advogadas consideram que, no caso da reciclagem, caberia uma reflexão sobre a relevância dos gastos necessários para o alcance de políticas públicas relacionadas a objetivos delineados pela Constituição Federal, como o princípio da defesa do meio ambiente.

Em ambos os casos – reciclagem e LGPD – o entendimento da Receita foi restritivo: o Fisco considera que apenas são considerados insumos os bens e serviços usados na produção ou fabricação dos bens, ou, ainda, na prestação de serviços. Ou seja, a visão da Receita é que o produto precisa ser fisicamente incorporado para que possa haver a geração de créditos. Muitas empresas, então, recorreram ao Judiciário em busca do reconhecimento desses créditos.

Para Marinho e Partika, buscar no Judiciário o direito ao creditamento de Pis/Cofins referente aos gastos com adequação à Política Nacional de Resíduos Sólidos pode ser uma estratégia válida para os contribuintes, pois há argumentos sólidos que respaldam a possibilidade de creditamento dessas despesas relacionadas ao cumprimento de exigências ambientais.

“[ …] considerando a relevância das questões ambientais e o papel das empresas na promoção da sustentabilidade, buscar a validação judicial para o creditamento pode ser vantajoso do ponto de vista tributário. De toda forma, é sempre recomendável uma análise do caso concreto para identificar a chance de êxito”, avaliam.

As advogadas do Vieira Rezende consideram que é válida a discussão sobre o direito a créditos de Pis e Cofins relacionados a gastos referentes à reciclagem e adequação à Política Nacional de Resíduos Sólidos, e que há bons argumentos em favor dos contribuintes.

“Nesse contexto, considerando o posicionamento da Receita Federal, recomenda-se que as empresas que pretendam discutir a questão continuem efetuando o recolhimento das contribuições sem se utilizar dos créditos, e sigam a discussão judicial, tendo sempre em vista as particularidades do setor da economia em que se enquadrem, bem como a ampla relevância do tema da sustentabilidade”, afirmam Rosa e Laranjeira.

Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende explicam a questão envolvendo os créditos de Pis e Cofins e a Solução de Consulta Cosit 11/24.


– O que a Solução de Consulta Cosit 11/24 diz a respeito da possibilidade de empresas se creditarem de gastos referentes à reciclagem de embalagens e para o cumprimento de exigências ambientais, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos?

Romero Marinho e Sarah Partika: Por meio da Solução, a Receita Federal estabeleceu que despesas com reciclagem de embalagens para o cumprimento de exigências ambientais não são passiveis de geração de créditos para fins de Pis/Cofins na sistemática não cumulativa.

Em breve síntese, o Pis/Cofins não cumulativo é um tributo que permite ao contribuinte a tomada de crédito de bens e serviços da sua cadeia. Dentre as previsões para a possibilidade de tomada de créditos, a legislação prevê que as despesas com “insumos” geram créditos. Os insumos, por sua vez, são bens e serviços considerados relevantes e essenciais para a atividade da sociedade, conforme definição do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.221.170/PR).

Logo, a questão central é se a imposição legal em si é suficiente para caracterizar uma despesa como insumo.

Na Solução de Consulta, o Fisco determinou que a imposição legal não é critério suficiente para que a despesa seja considerada insumo. Para ele, os gastos relacionados à Política Nacional de Resíduos Sólidos não são relevantes e essenciais à produção de bens ou à prestação de serviço e, por isso, não se enquadram como insumos para fins de creditamento de Pis/Cofins.

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: A consulta analisada foi formulada por empresa que atua nas atividades de torrefação e moagem de café e na fabricação de laticínios, razão pela qual está sujeita à observância da Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, e que tem como instrumento, dentre outros, o da coleta seletiva de resíduos.

Em atendimento ao disposto na legislação, a empresa criou um Programa de Sustentabilidade por meio do qual visa reciclar cerca de 20% do total dos resíduos que coloca no mercado, incentivando os consumidores a trocarem as embalagens vazias de seus produtos por brindes, em uma campanha de “Troca-Troca”.

Na consulta, a empresa buscou ver confirmado o entendimento de que, por estar obrigada pela legislação a desenvolver um sistema de gerenciamento de resíduos – que, conforme destacou, é requisito condicionante à obtenção de sua licença ambiental – as despesas efetuadas com o sistema são consideradas “insumo”, passíveis, portanto, de geração de créditos de Pis e Cofins. Na ocasião, foi dado especial destaque aos gastos incorridos pela empresa com os brindes dados aos clientes que participam do Programa de Sustentabilidade devolvendo as embalagens vazias.

Ao analisar a questão, a Receita Federal apontou para o fato de que somente os bens e serviços utilizados diretamente na produção e fabricação dos bens podem ser considerados “insumos”. Para tanto, aplicou o conceito de insumo utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar, sob a sistemática dos recursos repetitivos, o REsp 1.221.170/PR, segundo o qual “conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.

Nesse sentido, para a Receita, considerando que os brindes destinados à campanha de “Troca-Troca” e a reciclagem de embalagens vazias de produtos não fazem parte do processo e torrefação ou moagem de café, e nem da fabricação de laticínios, os gastos em questão não originam direito a créditos de Pis e Cofins.

Não obstante, entendemos que vale suscitarmos a reflexão sobre a necessidade de se reconhecer, na legislação tributária, a relevância de programas que visem alcançar a maior sustentabilidade ambiental e demais políticas públicas relacionadas, como forma de promover uma política fiscal que se mostre em consonância com os objetivos previstos pela Constituição Federal, e reiterados pela Reforma Tributária.


– A discussão se assemelha ao questionamento dos contribuintes sobre o creditamento de Pis e Cofins referentes aos gastos necessários à adequação à LGPD? 

Romero Marinho e Sarah Partika: Em certa medida, sim. Em outra oportunidade (SC Cosit 307/23), a Receita Federal se pronunciou sobre a possibilidade de creditamento de gastos com adequação à LGPD. Na ocasião, os contribuintes argumentaram que esses gastos decorrem de uma imposição legal, portanto, elegíveis para creditamento.

O Fisco, por sua vez, entendeu que os gastos decorrentes de imposições legais não seriam relevantes e essenciais à atividade produtiva ou à prestação em serviços do contribuinte para se enquadrarem como insumos para fins de creditamento de Pis/Cofins. Ou seja, assim como na SC Cosit 11/24, a Receita defendeu que a mera obrigação legal não é requisito suficiente para que o gasto fosse considerado insumo.

Em conclusão, embora os gastos em questão tenham naturezas distintas, o centro da discussão está na argumentação dos contribuintes de que tanto as despesas relacionadas à adequação à LGPD quanto as despesas vinculadas à Política Nacional de Resíduos Sólidos são obrigações legais e, portanto, devem ser consideradas como insumos para efeitos de creditamento.

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: Sim. O posicionamento da Receita está em linha com o entendimento externalizado com a publicação da Solução de Consulta nº 307/2023, que discutia a geração de direito a créditos de Pis e Cofins em decorrência de gastos com adequação à LDPG – que igualmente configura obrigação legal da empresa. Naquela ocasião, a Receita destacou que as obrigações impostas pela LGPD se aplicam a empresas de diversos setores – e não apenas àquele em que atua a consulente – o que evidenciaria a ausência de relação direta entre as referidas despesas e a produção dos bens e serviços produzidos pela empresa.

A diferença, neste caso, se refere à natureza do gasto. Ou seja, entendemos que caberia, neste momento, uma reflexão sobre a relevância de determinado gasto para o alcance de políticas públicas que busquem alcançar os objetivos já delineados pela Constituição Federal, como, por exemplo, o princípio da defesa do meio ambiente.


– Como você avalia essa orientação da Receita Federal? 

Romero Marinho e Sarah Partika: Sob nosso ponto de vista, era esperado que a Receita Federal se pronunciasse no sentido de impedir o aproveitamento de créditos relativos ao cumprimento de exigências ambientais. Como já debatido, as Soluções de Consulta Cosit (que possuem caráter vinculante) têm se alinhado ao entendimento de que a imposição legal não é suficiente para que determinada despesa represente um insumo para fins de Pis/Cofins.

Embora seja um posicionamento mais consolidado da Receita Federal, nos parece que esse entendimento não está adequado ao conceito trazido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.221.170/PR.

Uma vez que as empresas estão obrigadas por lei a incorrer em determinadas despesas, a atividade do contribuinte passa a depender do cumprimento da norma e, com isso, a despesa passa a ser essencial e relevante para o pleno funcionamento das atividades empresariais, mesmo que as despesas não estejam diretamente relacionadas à atividade produtiva ou à prestação de serviço.

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: A questão relativa à geração de créditos de Pis e Cofins é controversa e objeto de grandes debates, o que demonstra estar longe de ser uma discussão simples.

Mesmo com a análise realizada pelo STJ ao julgar o REsp 1.221.170/PR, a respeito do conceito de “insumo”, ainda restam diversas dúvidas e questionamentos. Isso porque, diante da grande diversidade das atividades econômicas possíveis, é bastante complexa a definição do que seja “essencial”, “imprescindível” ou “relevante” para o desenvolvimento da atividade econômica, uma vez que são conceitos com alto grau de subjetividade.

De todo modo, é importante destacar que, sempre que possível, as intepretações conferidas pela Receita Federal e pelo Poder Judiciário aos dispositivos legais devem ir ao encontro das questões de maior relevância social, a depender do contexto em que se realiza tais análises.

Nesse momento, muito se discute sobre sustentabilidade, transição energética e em ESG, razão pela qual se mostra cada vez mais relevante a necessidade de incentivar a adoção de medidas com esse caráter, ainda que decorram de obrigação legal.

Ademais, pelo teor da Solução de Consulta, não foi possível avaliar se a empresa recicla e reaproveita as embalagens recolhidas por meio do Programa de Sustentabilidade. Nessa hipótese, as embalagens poderiam ser consideradas como matérias-primas na fabricação dos produtos, de modo que a discussão adquiriria outros contornos, a depender de circunstâncias determinadas.

Por fim, cabe destacar outras oportunidades em que a Receita se manifestou em casos semelhantes, relativos ao cumprimento de determinadas obrigações, impostas por legislação, relacionadas ao tratamento de descarte de resíduos e efluentes gerados pelas atividades das empresas. Trata-se do entendimento exarado nas Soluções de Consulta nº 1/2021 e 55/2023, em que foi reconhecido o direito das empresas ao creditamento do Pis e da Cofins sobre gastos com as despesas destinadas às referidas medidas de tratamento.


– O que se recomenda a contribuintes que incorrem em custos para se adequar à Política Nacional de Resíduos Sólidos? Vale a pena buscar, no Judiciário, o direito ao creditamento de Pis e Cofins referente a esses gastos?

Romero Marinho e Sarah Partika: Buscar no Judiciário o direito ao creditamento de Pis/Cofins referente aos gastos com adequação à Política Nacional de Resíduos Sólidos pode ser uma estratégia válida para os contribuintes. Isso se deve ao fato de que existem argumentos sólidos que respaldam a possibilidade de creditamento dessas despesas relacionadas ao cumprimento de exigências ambientais.

Dessa forma, considerando a relevância das questões ambientais e o papel das empresas na promoção da sustentabilidade, buscar a validação judicial para o creditamento pode ser vantajoso do ponto de vista tributário. De toda forma, é sempre recomendável uma análise do caso concreto para identificar a chance de êxito.

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: A tese segundo a qual esses gastos gerariam direito a créditos de Pis e Cofins conta com bons argumentos em favor dos contribuintes, que, ao final, estão submetidos às disposições instituídas pela Lei nº 12.305/2010, de modo que a discussão é válida.

Nesse contexto, considerando o posicionamento da Receita Federal, recomenda-se que as empresas que pretendam discutir a questão continuem efetuando o recolhimento das contribuições sem se utilizar dos créditos, e sigam a discussão judicial, tendo sempre em vista as particularidades do setor da economia em que se enquadrem, bem como a ampla relevância do tema da sustentabilidade


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1 comentário
  1. Mundo Feminino Diz

    Olá tudo bem com vc? Espero que sim 🙂 ;
    Adorei o artigo muito bom msm,continue assim;
    Abraçosss ,até a proxima…

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