Transação tributária do Município de São Paulo oferece descontos atraentes

Abatimento de dívidas de IPTU e ISS para setores afetados pela pandemia é interessante, mas adesão deve ser analisada caso a caso

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A regularização fiscal de contribuintes de setores fortemente impactados pela pandemia do covid-19 deve ganhar impulso com dois editais de transação tributária do Município de São Paulo. Trata-se de uma oportunidade para contribuintes dos setores de turismo e lazer, dentre outros, saldarem dívidas relativas ao imposto predial e territorial urbano (IPTU) e ao imposto sobre serviços (ISS).  Os descontos oferecidos são interessantes, mas a adesão deve ser analisada caso a caso, consideram advogados tributaristas.

Os descontos variam de 80% a 95% sobre os juros de mora e multa das dívidas inscritas na dívida ativa. “Entendemos que, de forma geral, a proposta traz boas condições para os contribuintes quitarem seus débitos de IPTU e ISS perante a Fazenda Municipal sem a necessidade de entrar em litígio – o que resultaria em maior custo para ambas as partes. Além disso, ressaltamos a importância dos contribuintes optantes pelo Simples Nacional de regularizarem sua situação com o Fisco, para permanecerem nesse regime”, avaliam Pedro Simão e Marina Guimarães, sócio e associada do Freitas Ferraz  Advogados. Mas eles lembram que cada caso tem que ser analisado individualmente, já que a adesão implica na desistência de discussão judicial sobre a mesma dívida. Outro aspecto é que o contribuinte não poderá ter acesso a depósito judicial realizado no âmbito dessa discussão.

Este ponto também é tido como relevante por Bruna Luppi e Gabriel Eleutério, sócia e associado do Vieira Rezende Advogados. Eles consideram que merecem uma análise detalhada os casos de contribuintes interessados em aderir à transação na modalidade de pagamento parcelado e que eventualmente possuam depósitos judiciais que estejam garantindo débitos elegíveis à transação. “Isso porque, nesses casos, os valores depositados judicialmente serão integralmente convertidos em favor do Município para a imediata quitação do débito transacionado, com o parcelamento apenas do eventual saldo devedor do valor da transação, o que pode acabar não sendo interessante para algum contribuinte.”

O que dizem os Editais de Transação n° 02/2023 e n° 06/2023

Com relação ao IPTU, estão contemplados pelo Edital n° 02/2023 os imóveis utilizados para as atividades de cinema, teatro, casa de diversão, clube ou congêneres, hotel, pensão ou hospedaria, desde que os débitos tenham sido inscritos em dívida ativa, mas que não ultrapassem 510 mil reais. O mesmo vale para imóveis localizados no Centro Histórico de São Paulo.

O Edital n° 02/2023 também abarca débitos de ISS e multas por descumprimento de obrigação acessória prevista na legislação do ISS, inscritos em dívida ativa – podem aderir aqueles que prestam serviços como transporte, produção de eventos, shows, organização de festas e recepções, hospedagem e hotelaria, turismo, teatro e cinema.

Já o Edital nº 06/2023 é voltado para contribuintes com débitos de ISS apurados no âmbito do Simples Nacional e inscritos em dívida ativa municipal por força do convênio celebrado entre o Município de São Paulo e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Na entrevista abaixo, Simão, Guimarães, Luppi e Eleutério detalham as condições dos editais de transação tributária do Município de São Paulo.


 Quais empresas podem se beneficiar dos editais de transação tributária abertos pela prefeitura de São Paulo para quitar o pagamento de IPTU e ISS?

Pedro Simão e Marina Guimarães: Em dezembro de 2023, a Procuradoria Geral do Município de São Paulo publicou os editais nº 02/2023 e 06/2023 para regulamentar a transação de cobranças de dívida ativa dos impostos municipais.

O primeiro edital (02/2023) é destinado às atividades econômicas mais impactadas pela pandemia devido às restrições sanitárias impostas naquela época, principalmente os setores cultural e do turismo. Sendo assim, o objeto da transação foi organizado de acordo com os códigos de uso dos imóveis (para débitos de IPTU) e os códigos dos serviços prestados (para débitos de ISS). Dentre os beneficiados, temos cinemas, teatros e espetáculos, hotéis e serviços de hospedagem e organização de festas. Além disso, os imóveis localizados no Centro Histórico de São Paulo também foram contemplados.

Quanto ao segundo edital (06/2023), para ter direito ao tratamento diferenciado dos créditos de ISS inscritos em dívida ativa, os contribuintes devem se enquadrar como Microempreendedores Individuais (MEI), Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP), sendo optantes do regime Simples Nacional.

Em ambos os casos, é vedada  a adesão de contribuintes que tenham tido rescisão de transação nos últimos dois anos, e a inclusão de créditos com parcelamento em curso, salvo aqueles inscritos em dívida ativa sem concessão de descontos.

Bruna Luppi e Gabriel Eleutério: Desde a publicação da Lei Municipal nº 17.324/2020, que instituiu a Política de Desjudicialização no âmbito da Administração Pública Municipal, o Município de São Paulo, visando promover a redução de litigiosidade e estimular a solução consensual de conflitos, assim como a colaboração e equidade fiscal, tem lançado editais com o objetivo de conceder aos contribuintes paulistanos a oportunidade de transacionar débitos de natureza tributária e não tributária que estejam inscritos em dívida ativa municipal.

Mais recentemente, em dezembro de 2023, a Procuradoria Geral do Município de São Paulo publicou os Editais de Transação nos 02/2023 e 06/2023, regidos pela Portaria PGM nº 48/2023, com objetivo de ofertar aos contribuintes paulistanos de certos seguimentos econômicos a oportunidade de transacionar, em condições especiais, eventuais débitos de IPTU e/ou ISS  que estejam inscritos em dívida ativa, e cujo valor não supere o limite de até R$ 510.000,00, conforme estabelecido pelo artigo 4º da Lei Municipal nº 13.7324/2020.

O Edital de Transação nº 02/2023 beneficia setores específicos da economia, possibilitando que contribuintes que tenham imóveis cujo uso seja destinado às atividades de cinema, teatro, casa de diversão, clube ou congêneres, bem como hotel, pensão ou hospedaria, possam transacionar débitos de IPTU relativos a esses imóveis e que estejam inscritos em dívida ativa. Da mesma forma, os proprietários de imóveis localizados no Centro Histórico da Área de Intervenção Urbana do Setor Central, definido pela Lei Municipal nº 17.844/2022, também poderão transacionar débitos de IPTU referentes a esses imóveis e que estejam inscritos em dívida ativa municipal. Importante destacar que os Anexos I, II e III do Edital de Transação nº 2/2023 especificam o número do cadastro dos imóveis (SLQs) que podem se beneficiar das condições especiais oferecidas pela transação tributária.

Além do IPTU, o Edital nº 02/2023 também concede condições especiais de pagamento na transação de débitos municipais de ISS e multas por descumprimento de obrigação acessória prevista na legislação do ISS, inscritos em dívida ativa, contemplando serviços específicos elencados no item 1.1, letra “d” do referido edital, tais como serviços de transporte, produção de eventos, shows, organização de festas e recepções, hospedagem e hotelaria, turismo, teatro, cinema, dentre tantos outros impactados pela pandemia do covid-19.

Por sua vez, o Edital nº 06/2023 oferece condições especiais de pagamento aos contribuintes paulistanos que tenham débitos de ISS apurados no âmbito do Simples Nacional e inscritos em dívida ativa municipal por força do convênio celebrado entre o Município de São Paulo e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

O que se observa é que os Editais de Transação nos 02/2023 e 06/2023 visam beneficiar aqueles setores da economia mais impactados pela pandemia do covid-19, de modo a cooperar com a regularização fiscal desses contribuintes e apoiar a retomada das atividades econômicas desenvolvidas por esses setores.


– Quais são as condições oferecidas para os contribuintes?

Pedro Simão e Marina Guimarães: O edital nº 02/2023 permite:

(a) o pagamento dos débitos em parcela única, à vista, com redução de 95% do valor dos juros de mora, de 95% da multa e, quando o débito não estiver ajuizado, de 95% dos honorários advocatícios ou

(b) para pagamento parcelado em até 120 prestações, mensais, iguais e sucessivas, observado o valor mínimo de cada parcela, sendo de R$ 25,00 para pessoas físicas e R$ 150,00 para pessoas jurídicas, com redução de 80%  do valor dos juros de mora, de 80% da multa e, quando o débito não estiver ajuizado, de 80% dos honorários advocatícios.

De forma similar, o edital nº 06/2023 possibilita:

(a) o pagamento em parcela única, à vista, com redução de 95% do valor dos juros, de 95%  da multa e, quando o débito não estiver ajuizado, de 95% dos honorários advocatícios ou

(b) o parcelamento em 120 prestações, mensais, iguais e sucessivas, observado o valor mínimo de cada parcela, correspondente a R$ 150,00, com redução de 65% do valor dos juros, de 65% da multa e, quando o débito não estiver ajuizado, de 65% dos honorários advocatícios.

Os dois editais estabelecem que o contribuinte deverá transacionar todos os créditos de sua titularidade que forem elegíveis.

Bruna Luppi e Gabriel Eleutério: Os contribuintes elegíveis à transação tributária prevista no Edital de Transação nº 02/2023 poderão optar por duas modalidades de pagamento da dívida transacionada:

  • pagar o débito à vista, em parcela única, com redução de 95% dos valores de juros de mora e multa, sendo que, para aqueles débitos que ainda não estejam sendo cobrados judicialmente por meio de execução fiscal, a redução de 95% também recairá sobre o valor dos honorários advocatícios adicionados na dívida ativa; ou,
  • optar pelo pagamento do débito em até 120 parcelas mensais, iguais e sucessivas, com a redução de 80% do valor dos juros de mora e da multa e, quando o débito ainda não estiver ajuizado, também se aplica a redução de 80% dos honorários advocatícios. Nesta modalidade parcelada, o valor de cada parcela deverá ser no mínimo de R$ 25,00 para pessoas físicas e R$ 150,00 para pessoas jurídicas, cada parcela será acrescida de juros equivalentes à Taxa Selic, acumulada mensalmente, calculados a partir do mês subsequente ao da adesão à transação até o mês anterior ao do pagamento, mais 1% relativamente ao mês do pagamento.

Da mesma forma, os contribuintes que recolhem o ISS pelo Simples Nacional elegíveis à transação prevista no Edital de Transação nº 06/2023, também poderão optar entre duas modalidades de pagamento semelhantes àquelas do Edital de Transação nº 02/2023, aplicando-se as mesmas reduções para pagamento à vista. Contudo, para aqueles que optarem pela modalidade de pagamento do débito em até 120 parcelas mensais, a redução será de 65% do valor dos juros de mora e multa e, quando o débito ainda não estiver ajuizado, também haverá a redução de 65% dos honorários advocatícios adicionados na dívida ativa, observando-se ainda a parcela mínima de R$ 150,00.

É importante registrar que, tanto no Edital nº 02/2023 quanto no Edital nº 06/2023, o contribuinte que optar pela transação tributária deverá transacionar todos os débitos tributários de sua titularidade elegíveis à transação prevista nos respectivos editais. Ainda, no caso de débitos tributários inscritos em dívida ativa que sejam objeto de ação judicial e estejam garantidos mediante depósito, o valor da transação será pago com o valor depositado, parcelando-se eventual saldo devedor do valor da transação ou restituindo-se eventual saldo credor em uma das ações nas quais os depósitos tenham sido efetuados.

Por fim, embora em regra seja vedada a adesão de créditos com parcelamento em curso, ambos os editais ressalvam que os débitos inscritos em dívida ativa que sejam objeto de parcelamento sem desconto em andamento poderão ser objeto do novo acordo de transação, aplicando-se os descontos ao débito remanescente que ainda esteja em aberto.


– Essas contribuições são atraentes? O que o contribuinte deve avaliar para decidir pela adesão?

Pedro Simão e Marina Guimarães: Entendemos que, de forma geral, a proposta traz boas condições para os contribuintes quitarem seus débitos de IPTU e ISS perante a Fazenda Municipal sem a necessidade de entrar em litígio – o que resultaria em maior custo para ambas as partes. Além disso, ressaltamos a importância dos contribuintes optantes pelo Simples Nacional de regularizarem sua situação com o Fisco, para permanecerem nesse regime.

No entanto, para decidir quanto à adesão, o contribuinte deve observar principalmente o conjunto de obrigações previsto em cada edital, o qual determina, dentre outras exigências: a confissão irrevogável e irretratável dos créditos a serem transacionados, a desistência de ações anteexacionais que tenham por objeto os mesmos créditos (inclusive ações coletivas), bem como a imputação da integralidade dos valores depositados em juízo em garantia das respectivas execuções fiscais e ações judiciais envolvendo os créditos ao valor da transação.

Dessa forma, além de não ser mais possível continuar qualquer discussão judicial sobre a mesma dívida, o contribuinte também não poderá ter acesso a depósito judicial realizado nesse âmbito, sob risco de rescisão da transação. 

Bruna Luppi e Gabriel Eleutério: As reduções dos juros de mora e multa oferecidas pelos Editais de Transação nº 02/2023 e 06/2023 são significativas. Contudo, os benefícios da adesão certamente devem ser analisados caso a caso, em especial para aqueles contribuintes que eventualmente estejam discutindo a legitimidade de um ou outro débito elegível à transação por meio de medida judicial, uma vez que não se pode optar por transacionar apenas os débitos de sua escolha, mas sim todos os débitos elegíveis à transação.

Além disso, também merecem uma análise detalhada os casos de contribuintes que tenham interesse em aderir à transação na modalidade de pagamento parcelado e que eventualmente possuam depósitos judiciais que estejam garantindo débitos elegíveis à transação. Isso porque, nesses casos, os valores depositados judicialmente serão integralmente convertidos em favor do Município para a imediata quitação do débito transacionado, com o parcelamento apenas do eventual saldo devedor do valor da transação, o que pode acabar não sendo interessante para algum contribuinte.


– Outros municípios também lançaram programas de transação. Trata-se de uma tendência?

Pedro Simão e Marina Guimarães: Sim. É possível observar que tanto municípios quanto alguns Estados têm tomado medidas similares ao governo federal ao criar programas de transação, com objetivo de redução de litígios tributários. Dessa forma, os entes conseguem reduzir os gastos com execuções fiscais – as quais acabam por congestionar o Judiciário de forma geral – e garantem maior fluxo de caixa com o recebimento dos créditos transacionados. Além disso, as exigências estabelecidas por esse tipo de programa condicionam a adesão dos contribuintes ao cumprimento de outros acordos anteriores, garantindo uma melhor dinâmica dos Fiscos com os “bons pagadores”.

Bruna Luppi e Gabriel Eleutério: A transação tributária tem sido uma medida alternativa na solução e desjudicialização de litígios fiscais com grandes expectativas de superar as adversidades do contencioso tributário e a ineficiência na recuperação do crédito tributário pelos entes federativos. Fato é que a experiência exitosa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional acabou por contribuir com o fortalecimento desse instrumento alternativo de solução de conflitos, e, consequentemente, com sua expansão em todos os âmbitos federativos.

A título de exemplo, o Município de Blumenau (SC), antes mesmo da implementação tributária pela União Federal, já havia editado a própria legislação (Lei Municipal nº 8.532/2017) dispondo sobre a transação de créditos tributários, e até mesmo prevendo a criação Câmara de Transação com objetivo de firmar acordos entre o Município e os contribuintes blumenauenses. Da mesma forma, em 2021, o Município do Rio de Janeiro, através da Resolução PGM nº 1.052/21, instituiu o programa “Resolve Rio” para recuperação dos créditos tributários municipais por meio de transação tributária. Em Belo Horizonte, houve a instituição do programa “Reativa BH” para redução da litigiosidade e ampliação da arrecadação tributária.

Embora a transação já estivesse prevista no Código Tributário Nacional desde 1966, sua regulamentação em âmbito federal apenas veio a ocorrer com a edição da Medida Provisória nº 899/19, convertida na Lei nº 13.988/20. Mas, apesar de ser ainda recente, fato é que a transação tributária deixou de ser apenas uma realidade jurídica para se tornar uma realidade prática, e não apenas no âmbito da União, mas também nos demais entes federativos, com um crescente normativo disciplinando tal instituto tanto nos Estados quanto nos Municípios da Federação.

Contudo, não se pode negar que ainda se trata de um instituto muito recente, a ser aprimorado, embora já tenha alcançado importantes avanços. No estágio atual, tem-se observado que muitas das propostas de transação tributária lançadas se assemelham a “parcelamentos especiais”. No entanto, espera-se que as experiências atuais contribuam cada vez mais com o aperfeiçoamento dessa modalidade de solução alternativa de conflitos, para se tornar de fato um mecanismo de eficiência administrativa, promoção da redução da litigiosidade fiscal e melhoria da relação Fisco-contribuinte.


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