STF forma maioria sobre multa moratória

Se entendimento da corte se consolidar, contribuintes poderão buscar reaver valores pagos a mais

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Se o entendimento do Supremo Federal Federal (STF) sobre a fixação de um limite máximo para as multas de mora for consolidado, o governo federal, os estados e municípios não poderão cobrar dos contribuintes que atrasarem o pagamento de tributos uma multa superior a 20% do valor devido do imposto. O STF começou a julgar o Tema 816 em abril, com previsão de término no próximo dia 24 de maio, se não houver pedido de vista ou destaque.

A decisão é importante para os contribuintes porque há uma grande disparidade na cobrança de multas moratórias – tanto em relação aos percentuais cobrados pelos entes quanto no que diz respeito ao tempo de atraso. As legislações do governo federal, dos estados e municípios penalizam os contribuintes com multas que ficam em patamares de 20% a 60%, mas que podem chegar a 150% do valor do tributo. A corte vem lidando com situações de multas aplicadas pelo Fisco que podem ser consideradas desproporcionais. É o caso, por exemplo, do julgamento sobre o caráter confiscatório das multas isoladas por descumprimento de obrigação acessória, que é objeto de julgamento por parte do STF no RE 640452 (Tema 487).

“Diante da ausência de uniformização das legislações quanto ao percentual de multa de mora aplicável, a jurisprudência vem entendendo que a multa de mora aplicada acima de 20% sobre o valor do tributo é considerada confiscatória. Foi nesse sentido que, até o momento, vem decidindo (por maioria) o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 882.461 (Tema 816)”, afirmam Thiago Braichi e Ligia Merlo, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados.

No julgamento iniciado, o STF formou maioria fixando o limite de 20% para as multas de mora, mas deixou a cargo dos entes decidirem pela aplicação escalonada da multa, em razão do tempo de atraso no pagamento. “Caso essa tese seja confirmada, os contribuintes podem questionar qualquer cobrança superior a esse percentual de 20%, inclusive pleiteando a repetição de indébito de valores recolhidos acima desse percentual, isso se o STF não modular a sua decisão”, afirma Frederico Bakkum, associado do Vieira Rezende Advogados. Como o julgamento é em sede de repercussão geral (RE 882.461), seu resultado deverá ser acatado por todo o Judiciário.

Na entrevista abaixo, Braichi, Merlo e Bakkum falam sobre a disparidade atualmente existente e abordam o julgamento.


– Atualmente, há diferenças muito significativas entre os percentuais de multas de mora cobrados pelo governo federal, por Estados e municípios? E com relação ao período de atraso no pagamento de imposto?

Thiago Braichi e Ligia Merlo: Antes de mais nada, é preciso esclarecer que as multas tributárias são penalidades aplicadas em razão do descumprimento de regras de direito tributário. Uma de suas espécies são as chamadas multas moratórias, aplicadas quando há atraso no cumprimento de uma obrigação tributária.

Contudo, não há atualmente uma legislação nacional que regulamente e uniformize a aplicação dessas multas moratórias pela União, estados e municípios, de modo que o que se observa é uma divergência na legislação tanto em relação aos percentuais de multas de mora quanto ao período de atraso no pagamento do imposto.

Frederico Bakkum: Historicamente, sempre se observou muitas diferenças na forma de imposição da multa de mora pelos entes públicos, seja em relação à alíquota aplicada, seja em relação ao escalonamento da multa em razão do período de atraso no pagamento. Isso se deve ao fato de a União, os estados e os municípios deterem competência comum para legislar em matéria tributária e de inexistir lei complementar federal regrando a aplicação das multas tributárias, em especial no tocante aos parâmetros para sua limitação.

Isso ficou muito evidente no voto do ministro Dias Toffoli, por ocasião da análise do Tema 816 da repercussão geral (RE 882.461). Em seu voto, o ministro apresentou o panorama de alguns recursos analisados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo dos anos, que dão conta de legislações das mais diversas, contemplando desde a exigência de multas de mora elevadíssimas, na casa de 150% ou 100% do valor do tributo, até multas um pouco mais razoáveis, no patamar de 60% a 20%. Ora com escalonamento em razão do tempo, ora sem.

No mesmo sentido é a manifestação apresentada pela Associação Brasileira de Advocacia Tributária, nos autos do referido leading case (RE 882.461), dando conta da existência de ao menos 12 Estados que exigem multas de mora em patamares superiores a 20%, dentre eles, Minas Gerais, Espírito Santo e Goiás. No âmbito dos municípios essa realidade não é diferente, como evidencia o próprio município de Contagem, parte no tema 816 da repercussão geral, com legislação prevendo multa de mora no percentual de 30%.

Por outro lado, vale destacar que recentemente alguns entes têm feito um esforço legislativo para adequar as multas de mora ao limite de 20%, muito em razão da jurisprudência que vem se firmando no âmbito do STF. Nesse sentido, podemos citar o município do Rio de Janeiro, cuja legislação inicialmente não previa um teto para a multa de mora, que atualmente passou a prever o limite máximo de 20%, após a edição da Lei 7.000/21, além de manter o escalonamento inicial da multa, em razão do tempo de atraso no recolhimento.


– Em que ocasiões as multas podem ser consideradas confiscatórias e quando os contribuintes podem questionar as multas de mora?

Thiago Braichi e Ligia Merlo: Diante da ausência de uniformização das legislações quanto ao percentual de multa de mora aplicável, a jurisprudência vem entendendo que a multa de mora aplicada acima de 20% sobre o valor do tributo é considerada confiscatória. Foi nesse sentido que, até o momento, vem decidindo (por maioria) o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 882.461 (Tema 816).

Assim, caso haja a aplicação de multa moratória em percentual superior ao limite de 20%, os contribuintes poderão requerer no Judiciário a sua redução, tendo em vista o seu caráter confiscatório.

Frederico Bakkum: Esse é um dos aspectos que será analisado pelo STF no Tema 816 da repercussão geral. Até o momento, o Supremo formou maioria para reconhecer que a multa de mora não pode exceder o percentual de 20%, sendo legítimo cada ente decidir pela aplicação escalonada da multa, em razão do tempo de atraso no pagamento, ou não.

Caso essa tese seja confirmada, os contribuintes podem questionar qualquer cobrança superior a esse percentual de 20%, inclusive pleiteando a repetição de indébito de valores recolhidos acima desse percentual, isso se o STF não modular a sua decisão.


– Quando o julgamento (RE 882.461) foi interrompido, os ministros do STF haviam formado maioria estipulando um limite máximo de 20% para as multas de mora. Na retomada do julgamento, é possível haver mudança de entendimento desses ministros?

Thiago Braichi e Ligia Merlo: O artigo 133 do Regimento Interno do STF possibilita a alteração de voto pelos ministros até a conclusão do julgamento. Desse modo, quando da retomada do julgamento do RE 882.461, há possibilidade de que os ministros profiram novo voto alterando o entendimento firmado até então.

Frederico Bakkum: Sempre é possível eventual mudança de voto. Contudo, a jurisprudência do STF já vem se firmando no sentido de aplicar o limite de 20%, de modo que o mais provável é a confirmação da maioria já formada. Além disso, a tese proposta pelo ministro Dias Toffoli tem grande potencial para estabilizar a controvérsia, pondo fim a diversos casos tributários, o que reforça essa possibilidade.


– A modulação temporal dos efeitos pode ser aplicada ao caso? Após a decisão do STF, caso seja favorável aos contribuintes, estes poderão reaver valores pagos a mais?

Thiago Braichi e Ligia Merlo: A modulação temporal de efeitos em julgamentos de casos repetitivos é regulada pelo artigo 927, §3º do Código de Processo Civil e justifica-se quando: há uma alteração na jurisprudência dominante do STF e de tribunais superiores ou por razões de segurança jurídica ou de interesse social.

No caso, o teto de 20% (para multa aplicada em caso de atraso) não se enquadraria nas hipóteses previstas nesse dispositivo, motivo pelo qual entendemos pela impossibilidade de modulação temporal de seus efeitos.

Nesse sentido, caso a decisão do STF no julgamento do Tema 816 seja favorável à limitação da multa moratória ao patamar de 20%, os contribuintes poderão buscar no Judiciário o seu direito de reaver os valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos. Vale mencionar que casos decididos em sede de repercussão geral, tal como o Tema 816, são vinculantes a todo o Judiciário, conforme prevê o artigo 927 do Código de Processo Civil.

Frederico Bakkum: Até o momento, não há uma tendência de modulação no que diz respeito à limitação da multa de mora em 20%. O voto do ministro Dias Toffoli propõe apenas a modulação da decisão no que diz respeito à não incidência do ISS na industrialização por encomenda, sem propor modulação em relação à limitação da multa. No mesmo sentido foi o voto dos demais ministros que formam a maioria até o momento.

Apesar de improvável, nada impede que outra proposta de modulação venha a ser apresentada, contemplando a tese fixada em relação à multa de mora, e acabe sendo acatada pelo plenário do STF.


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