STF decide a favor de incidência de ISS sobre softwares

Interpretação afasta possibilidade de cobrança de ICMS na comercialização de programas

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Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que incide imposto sobre serviços (ISS), de competência municipal, sobre a comercialização de softwares. Anteriormente, a jurisprudência estabelecia que no caso dos programas de prateleira incidia ICMS, cobrado pelos estados, restando aos municípios arrecadar ISS nos casos de softwares feitos sob encomenda. A atual decisão do STF uniformiza a cobrança, que passa a se concentrar no ISS.

Como explica Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados, na “venda” de softwares na verdade não há a venda de um produto. “Existe apenas uma autorização para seu uso, mediante licenciamento ou cessão de uma licença, por tempo determinado ou ilimitado. A operação não envolve aquisição do denominado código-fonte, sua titularidade”, afirma, lembrando que se trata de um bem intangível, protegido pelo direito autoral daquele que o desenvolveu. “E serviços são prestados mediante exercício de atividade intelectual ou física que atende à necessidade do adquirente da prestação. Na ‘venda de softwares’ não há qualquer serviço”, avalia.

Na visão de Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, a sistemática da tributação de softwares e mercadorias digitais ainda é objeto de grandes embates na doutrina e na jurisprudência por causa da ausência de uma legislação clara e bem definida sobre matéria. “Não existe ainda um consenso quanto ao imposto incidente sobre essas operações”, destaca.

Para Tiago Severini, sócio do Vieira Rezende Advogados, de um lado há uma possível contingência para as empresas, decorrente da postura que vinha sendo adotada nos últimos cinco anos. “E, de outro, a incerteza sobre o alcance, por essa nova decisão, de uma série de operações e contratos cujas peculiaridades não se assemelham ao do caso julgado como paradigma”, afirma o advogado. “Essa mudança de interpretação do STF gera uma enorme insegurança jurídica para o mercado”, completa.

Segundo Chiaradia, a decisão do STF oferece segurança e tranquilidade para esse mercado, pois agora o contribuinte sabe claramente como e para quem deve recolher o tributo. “Ficam encerradas as discussões pendentes e evita-se as futuras”, acrescenta. Embora no caso dos softwares a questão tenha sido endereçada, o sistema tributário provoca problemas para muitas outras atividades econômicas.

“Diversos outros mercados se veem prejudicados pelas indefinições do atual sistema tributário, cuja legislação está repleta de indefinições e entendimentos ultrapassados”, sublinha Braichi. “Infelizmente, é uma situação bastante comum no Brasil, e que se deve à complexidade da nossa legislação tributária. A divisão dos tributos entre os diferentes entes da Federação (União, estados e municípios) gera uma série de conflitos de competência, em que os entes disputam entre si o direito de cobrar certo tributo sobre uma determinada atividade, de modo a melhorar sua arrecadação”, avalia Severini.

Adicionalmente, o STF modulou a validade da decisão em termos temporais, na prática impedindo cobranças retroativas ou ressarcimentos de pagamentos excessivos pelos contribuintes no passado — haverá apenas uma exceção, para o caso de falta de pagamento dos dois tributos.

A seguir, Chiaradia, Braichi e Severini tratam de outros aspectos da tributação de softwares e bens e serviços de difícil classificação.

 


Os ministros do STF decidiram que incide ISS sobre a venda de softwares. Como funciona hoje essa tributação? Programas de computadores são, para efeitos tributários, produtos ou serviços?

A tributação sobre a venda de softwares enfrentava um impasse: estados e municípios brigavam pelas receitas de ICMS versus ISS, causando dúvidas aos contribuintes sobre a quem devidamente recolher o tributo. Além disso, motivava-se a bitributação em muitas situações.

Programas de computadores não são produtos e, na minha opinião, nem serviços. De acordo com a Lei 9.609/98, em seu artigo 1º: “Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”. A lei disciplina que “o uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença” (art. 9º).

Como se pode observar, programas de computador são resultado de uma obra intelectual, protegida por direito autoral, cuja tributação depende da compreensão isolada para melhor identificação da sua natureza jurídica.

Produtos são comercializados, adquiridos, com transferência da titularidade, em que se identifica a denominada circulação de mercadorias. Por isso, sobre eles, autoriza-se a cobrança do ICMS. Na “venda de softwares” não há venda de um produto. Há, de fato, apenas a autorização para seu uso, mediante licenciamento ou cessão de uma licença, por tempo determinado ou ilimitado, que permite ao adquirente apenas a sua utilização. Não há a aquisição do denominado código-fonte, sua titularidade, tratando-se de um bem intangível, protegido pelo direito autoral daquele que o desenvolveu.

Serviços são prestados mediante exercício de atividade intelectual ou física que atende à necessidade do adquirente da prestação. Na “venda de softwares” não há qualquer serviço. Porém, analisando-se profundamente a atividade no caso a caso, poder-se-ia identificar a contratação de um profissional para desenvolver um determinado software para um determinado adquirente. Aqui, pode-se constatar a contratação de um serviço particular (“software sob encomenda”). Mas, na maioria das vezes, o que há apenas é o licenciamento ou a cessão de uma licença, que só permite o uso do software (“software de prateleira”), sem a entrega do denominado código-fonte, sua titularidade, mais se assemelhando a uma locação, na qual não se identifica qualquer prestação de serviço.

A sistemática envolvendo a tributação de softwares e mercadorias digitais ainda é objeto de grandes embates na doutrina e na jurisprudência em face da ausência de uma legislação clara e bem definida sobre matéria, não havendo ainda um consenso quanto ao imposto incidente sobre tais operações.

Embora alguns estados e municípios tentem pacificar a questão prevendo expressamente a cobrança de ICMS ou ISS em suas legislações, diversos contribuintes são levados a questionar judicialmente a tributação sobre softwares.

Do ponto de vista jurisprudencial, por sua vez, prevaleciam os conceitos adotados pelo STF ainda no final da década de 1990. Assim, regra geral, entendia-se que, no caso de softwares produzidos por encomenda — de forma personalizada — haveria uma prestação de serviço sujeita à incidência do ISS, ao passo que os chamados softwares de “prateleira”, produzidos em larga escala, se caracterizariam como mercadorias para fins de ICMS.

Ocorre que, com a expansão dos mercados digitais — cada vez mais complexos e dinâmicos — tais definições tornaram-se incapazes de solucionar a questão, sendo necessária a formação de uma jurisprudência mais recente e atenta às particularidades dessas novas tecnologias.

Quando a comercialização dos softwares por meio de suporte físico (CDs, DVDs, disquetes, pen-drives) ainda era predominante, a jurisprudência havia se consolidado na diferenciação entre os “softwares de prateleira” (produtos-padrão vendidos a qualquer cliente com idêntico conteúdo), softwares customizados (aqueles que, sobre o produto-padrão, sofriam algum tipo de modificação ou adição de suplementos/funcionalidades para atender à demanda de um cliente específico) ou softwares por encomenda (aqueles desenvolvidos desde o início para atender a uma demanda específica do cliente que fez a encomenda).

aqueles que, sobre o produto-padrão, sofriam algum tipo de modificação ou adição de suplementos/funcionalidades para atender à demanda de um cliente específico


Qual o efeito, para o mercado, da decisão do STF sobre a cobrança de ISS?

A decisão do STF é louvável e acaba com uma discussão que durava cerca de 20 anos.

A jurisprudência no passado era no sentido de que sobre os softwares de prateleira deveria incidir ICMS, por se assemelharem a uma venda de mercadorias, incidindo ISS apenas sobre os softwares sob encomenda. No passado, o software de prateleira era comprado numa caixinha, o que levava a crer que haveria uma mercadoria. Desde então muita coisa mudou e se desenvolveu. E, como visto acima, programa de computador não é uma mercadoria e, dessa forma, não poderia autorizar a exigência de ICMS.

Mesmo com a jurisprudência do STF, os municípios sempre tentaram também a cobrança do ISS. Com a edição da Lei Complementar 116/03, autorizando a exigência do ISS sobre a elaboração de programas de computador, a situação se complicou. Em 2016, com a inserção do licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador na lista de serviços, ficou evidente o conflito de competência.

O efeito para o mercado dessa nova decisão é de segurança e tranquilidade, pois agora o contribuinte tem desenhado claramente como e para quem deve recolher o tributo, encerrando as discussões pendentes e evitando as futuras.

O antigo entendimento do STF provocava um cenário de grande incerteza para as empresas de tecnologia, uma vez que não se sabia ao certo qual era o imposto devido sobre as operações com softwares. Além disso, com base na jurisprudência firmada pelo Supremo, a tendência era a cobrança de ICMS sobre softwares, gerando uma maior carga tributária às empresas em razão de sua alíquota ser, regra geral, superior à do ISS.

Nesse sentido, o que se observa é que o entendimento proferido pelo STF oferece uma perspectiva otimista ao mercado de softwares e novas tecnologias, tendo em vista a pacificação dessa questão de grande relevância de forma favorável aos contribuintes.

Essa mudança gera uma enorme insegurança jurídica para o mercado. De um lado, há uma possível contingência para as empresas, decorrente da postura que vinha sendo adotada nos últimos cinco anos (em tese ainda alcançáveis por questionamentos do fisco municipal, com base no novo entendimento) ou mesmo período superior, para o caso de cobranças que já tinham sido realizadas pelos municípios e cujas disputas ainda se encontram em curso. E, de outro lado, há a incerteza sobre o alcance, por essa nova decisão, de uma série de operações e contratos cujas peculiaridades não se assemelham ao do caso julgado como paradigma.

A ausência da necessidade de suporte físico para a comercialização de softwares, viabilizada pelos avanços tecnológicos nas últimas décadas, acabou por modificar a percepção do Judiciário acerca da natureza dos softwares, evidenciando uma compreensão equivocada da efetiva natureza de tais bens. Isso porque o fato de um bem ser intangível (não exigir meio físico) não o torna necessariamente um serviço passível de comercialização apenas sob a modalidade de licenciamento e remuneração por royalties. A nova decisão do STF acabou por tentar padronizar o tratamento aplicável aos softwares, sem considerar, no entanto, as diversas peculiaridades aplicáveis não apenas aos tipos de software, mas também as relativas às diferentes operações (negócios jurídicos) passíveis de serem realizados para a comercialização de softwares.


O STF também estabeleceu a modulação da decisão em termos de prazo. O que ela representa para fabricantes e contribuintes?

A modulação dos efeitos da decisão pelo STF foi uma surpresa. Mas surpreendeu positivamente. O STF conseguiu disciplinar oito situações diferentes, protegendo o fisco e os contribuintes com a devida orientação, acabando com as dúvidas e discussões passadas e futuras.

Na prática, a modulação dos efeitos da decisão pelo STF para a data da publicação do julgamento significa que os contribuintes que fizeram o recolhimento do ICMS sobre softwares não poderão ser ressarcidos sobre o que foi pago indevidamente. Ou seja, os efeitos serão apenas futuros, considerando-se como válidos os pagamentos realizados até então.

Em sentido contrário, se o STF decidisse sobre a não modulação dos efeitos, os contribuintes poderiam requerer judicialmente a restituição/compensação da diferença entre o valor recolhido (a título de ICMS) e o realmente devido nos últimos cinco anos.

A expectativa de modulação da decisão se justifica justamente para, ao menos, impedir que as empresas sejam punidas por seguir o entendimento que, durante décadas, foi adotado de forma pacificada pelos tribunais. Ou seja, poderia evitar que o passado (ao menos os últimos cinco anos, mas podendo superar esse prazo, relativamente às disputas que já se encontravam em curso) também fosse alcançado pelo novo entendimento firmado pelo STF.

A mudança de entendimento é legítima dentro do sistema jurídico, até em razão das mudanças de perspectiva que as evoluções da sociedade (e, nesse caso, da tecnologia) podem ensejar sobre entendimentos adotados no passado. No entanto, o patamar mínimo de proteção da segurança jurídica e estabilidade do mercado exigível nessas circunstâncias é de que se assegure que o impacto de qualquer mudança tenha efeitos apenas prospectivos.


Em que medida uma indefinição em torno de qual tributo incide sobre um produto ou serviço prejudica os participantes de um setor? Essa situação é comum no sistema tributário brasileiro?

A indefinição em torno de qual tributo recolher sobre determinado produto ou atividade é extremamente prejudicial à economia e ao desenvolvimento das atividades no País, pois causa insegurança e obsta os investimentos. Essa situação é muito comum no sistema brasileiro, reflexo de normas complexas que ampliam interpretações, causam dúvidas e fomentam um enorme contencioso que atola o Poder Judiciário.

A meu ver, a controvérsia acerca da tributação sobre softwares tem como efeito prático a bitributação das operações envolvendo novas tecnologias, tendo em vista o atual embate existente entre estados e municípios quanto aos impostos devidos nessas operações. Nesse sentido, assim como ocorre com a economia digital, diversos outros mercados se veem prejudicados pelas indefinições do atual sistema tributário, cuja legislação está repleta de indefinições e entendimentos ultrapassados.

Essa insegurança quanto aos impostos incidentes sobre determinadas operações, por sua vez, tem como consequência direta um cenário pouco atraente para o desenvolvimento de negócios, sobretudo, no que diz respeito às novas tecnologias.

Infelizmente, é uma situação bastante comum no Brasil, e que se deve à complexidade da nossa legislação tributária. A divisão dos tributos entre os diferentes entes da Federação (União, estados e municípios) gera uma série de conflitos de competência, em que os entes disputam entre eles o direito de cobrar certo tributo sobre uma determinada atividade, de modo a melhorar sua arrecadação, e colocam o contribuinte em uma situação de incerteza sobre qual tributo pagar ou para quem pagar, gerando custos com consultas a especialistas e, na maioria das vezes, custos com disputas judiciais. É difícil justificar para qualquer empresário, investidor ou cidadão, que mesmo seguindo um entendimento pacificado pelo Judiciário ele corre o risco de ver aquele posicionamento modificado em algum momento, podendo vir a ter que reconhecer uma contingência decorrente da postura adotada.

 

 

 

 

 

 

 

2 Comentários
  1. EDEVAL DORICO DA CRUZ E SILVA Diz

    sou ADVOGADO TRIBUTARISTA COM AVIDEZ POR INFORMAÇÕES JURÍDICAS SÉRIAS E CONFIÁVEIS

  2. Xoxo Diz

    Uma porcaria de decisão. Comércio não é serviço, bando de animais, e revender uma licença é comércio. Só para quem é empresário simples se lascar e pagar mais imposto. Parabéns, ABES e Microsoft. Querendo lascar os pequenos

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