Receita exclui ICMS da base de cálculo de créditos de PIS e Cofins

Normativo consolida legislação da contribuição, mas abre espaço para questionamentos

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A Receita Federal publicou, em meados de julho, uma Instrução Normativa (RFB nº 2.152) que altera instrução anterior (Instrução Normativa nº 2.121/2022) para consolidar a legislação da contribuição para PIS/Pasep e Cofins. A principal mudança é a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições. A intenção, segundo a Receita, é alinhar os parâmetros para apuração tendo em vista recentes modificações legais.

“A IN nº 2.121/2022 alarga a hipótese de creditamento, ao tratar, de forma expressa, do seguro e frete relativos aos produtos adquiridos, desde que o custo seja suportado pelo comprador. Por outro lado, traz severas restrições aos contribuintes, que não poderão aproveitar os créditos referentes ao ICMS incidente nas suas aquisições, sendo a restrição aplicável também ao ICMS por substituição tributária e ao IPI”, avaliam Bianca Mareque e Frederico Bakkum, associados do Vieira Rezende Advogados.

As mudanças da IN nº 2.121/2022 podem ensejar questionamentos dos contribuintes. Um dos argumentos, segundo Pedro Simão, sócio do Freitas Ferraz Advogados, e Romero Marinho, associado do escritório, está baseado no que é chamado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de “contrabando legislativo” – ou seja, tendo sido o dispositivo legal incluído na conversão em lei de medida provisória com tema completamente distinto, haveria impertinência temática para tratar dois temas sem conexão numa mesma lei.

“Além disso, a metodologia de apuração do PIS e da Cofins é de ‘base contra base’, não sendo relevante o quanto dos tributos tenha sido recolhido pelo fornecedor para que o contribuinte tenha ou não direito ao crédito sobre suas aquisições”, observam Simão e Marinho. Os advogados mencionam, ainda, a possibilidade de se questionar o descompasso com o princípio da isonomia e da não concorrência.

“O ICMS embutido no preço dos insumos adquiridos pelos contribuintes é um ônus por eles suportado, não podendo se suprimir esse valor da base dos créditos, pois isso significaria inegável violação à não cumulatividade imposta pela Constituição Federal”, afirmam Mareque e Bakkum.

Na entrevista a seguir, os advogados abordam outros pontos do normativo da Receita e os possíveis questionamentos no Judiciário.


– O que a Instrução Normativa 2.152/23 da Receita Federal modificou com relação ao cálculo dos créditos do PIS e da Cofins?

Romero Marinho e Pedro Simão: A Instrução Normativa nº 2.152/23 promoveu algumas alterações na Instrução Normativa nº 2.121/22, que trata da consolidação das normas de relacionadas ao PIS e à Cofins.

Dentre as mudanças, foi incluído o inciso I, no parágrafo único do artigo 171, prevendo a impossibilidade de aproveitamento de créditos sobre o valor do ICMS incidente nas aquisições das empresas. Essa previsão legal foi inserida em linha com os arts. 6º e 7º da Lei nº 14.952/23, recentemente aprovada.

Bianca Mareque e Frederico Bakkum: A Instrução Normativa nº 2.152/23 foi editada com o fim de alterar algumas disposições da recente Instrução Normativa nº 2.121/22, que trouxe bastante inovação quanto à sistemática de apuração do PIS/Cofins.

No que se refere à forma de cálculo dos créditos de PIS/Cofins, a IN nº 2.152/23 alarga a hipótese de creditamento, ao tratar, de forma expressa, do seguro e frete relativos aos produtos adquiridos, desde que o custo seja suportado pelo comprador. Por outro lado, traz severas restrições aos contribuintes, que não poderão aproveitar os créditos referentes ao ICMS incidente nas suas aquisições, sendo a restrição aplicável também ao ICMS por substituição tributária e ao IPI.

A ideia das alterações trazidas, segundo o Governo Federal, é equalizar os efeitos da exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições para o PIS/Cofins.


– Quais argumentos podem embasar o questionamento, por parte dos contribuintes, da exclusão do ICMS dos créditos do PIS e da Cofins?

Romero Marinho e Pedro Simão: Existem relevantes argumentos de que os contribuintes podem se valer para pleitear a manutenção do ICMS na base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins.

Primeiro, ocorreu o que é chamado pelo STF de “contrabando legislativo”, ou seja, o dispositivo legal que reduziu o crédito do contribuinte foi incluído na conversão em lei de medida provisória que tinha tema completamente distinto. Portanto, argumenta-se a impertinência temática para tratar dois temas sem conexão na mesma lei.

Segundo, a metodologia de apuração do PIS e da Cofins é de “base contra base”, não sendo relevante o quanto dos tributos tenha sido recolhido pelo fornecedor para que o contribuinte tenha ou não direito ao crédito sobre suas aquisições.

Há, ainda a possibilidade de se questionar o descompasso com o princípio da isonomia e da não concorrência, na medida em que os contribuintes deverão buscar fornecedores que têm menor destaque de ICMS em suas vendas, seja em razão da localização geográfica ou por benefícios estaduais específicos.

Bianca Mareque e Frederico Bakkum: São várias as razões passíveis de serem utilizadas para fins de questionamento da exclusão do ICMS da base de créditos do PIS/Cofins. Isso porque, enquanto o cálculo dos créditos de PIS/Cofins é realizado considerando “base sobre base”, a forma de apuração do valor a recolher a título das contribuições leva em conta o faturamento dos contribuintes.

Isto é: a apuração do PIS/Cofins no que se refere à forma de cálculo dos créditos e à forma de cálculo dos débitos é distinta – já que, enquanto o cálculo do crédito deve se ater ao custo de aquisição por parte do adquirente, o recolhimento das contribuições é realizado conforme faturamento verificado.  Assim, sendo o ICMS componente do custo de aquisição do contribuinte, deve compor sua base de créditos a ser apurada.

Além disso, é possível discutir a norma do ponto de vista formal. Isso porque, uma vez que há alteração de previsão constitucional, já que altera a previsão de não cumulatividade das contribuições para o PIS/Cofins, é de se verificar a necessidade de edição de Lei Complementar, ou até Emenda Constitucional, que trate da matéria.


– Há casos de contribuintes que obtiveram vitória no Judiciário em ações que questionavam a exclusão do ICMS dos créditos do PIS e da Cofins (conforme determinado pela Medida Provisória 1.159/23). Por que o Judiciário entendeu que a exclusão não é adequada? 

Romero Marinho e Pedro Simão: Sim, já existem decisões de primeira instância que asseguraram o direito de contribuintes de manter o ICMS na base dos créditos do PIS e da Cofins.

Nesses casos, as decisões tomaram por base o argumento de impertinência temática (ou “contrabando legislativo”) e também a questão de a metodologia desses tributos ser “base contra base”, ou seja, que não seria relevante o quanto dos tributos tenha sido recolhido pelo fornecedor para que o contribuinte tenha ou não direito ao crédito sobre suas aquisições.

Bianca Mareque e Frederico Bakkum: Desde a implementação das alterações trazidas pela MP 1.159/2023, os contribuintes começaram a questionar a legitimidade da exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS/Cofins, seja do ponto de vista da sua materialidade, seja do ponto de vista formal.

Nesse sentido, o governo federal apresentou como justificativa para a exclusão do ICMS das bases dos créditos de PIS/Cofins uma suposta necessidade de se equilibrar a apuração das contribuições ao que restou decidido pelo STF na chamada “tese do século” (tema 69 da repercussão geral), julgada de forma favorável aos contribuintes, para dispor que o ICMS não pode integrar as bases de cálculo do PIS e da Cofins. O racional apresentado pelo governo foi o seguinte: se o ICMS não compõe o débito, ele também não deve compor o crédito.

Ocorre que as leis 10.637/02 e 10.833/03 disciplinaram a não cumulatividade do PIS/Cofins considerando a sistemática de base contra base, utilizando-se de variáveis distintas para apuração de créditos e débitos. A base de cálculo dos débitos de PIS/Cofins é o faturamento/receita bruta, conceito jurídico que, de acordo com o STF (tema 69 da repercussão geral), não contempla o valor do ICMS incidente nas operações de venda; por outro lado, os créditos de PIS/Cofins são apurados sobre o valor de aquisição dos bens, mercadorias e serviços, conceito jurídico que, de também de acordo com o STF (tema 214) inclui o valor do ICMS.

Com efeito, a alteração prevista na MP 1.159/2023 ou na Lei 14.592/2023 contraria o conceito de “valor de aquisição” já estabelecido no ordenamento, conforme consolidado pela jurisprudência do STF. De fato, o ICMS embutido no preço dos insumos adquiridos pelos contribuintes é um ônus por eles suportado, não podendo se suprimir esse valor da base dos créditos, pois isso significaria inegável violação à não cumulatividade imposta pela Constituição Federal.

Essas foram as principais razões de ordem material aplicadas pelas decisões favoráveis aos contribuintes até o momento.

Do ponto de vista da formalidade, o que se sustenta é que, com a perda da eficácia da MP 1.15920/23, a matéria não poderia ter sido incluída no texto da Lei 14.592/2023, que converteu em lei a MP 1.147/2022, pois a manobra representa claro “contrabando legislativo”. Isso porque, a MP 1.147/2022 tratava do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, matéria que não tem qualquer tipo de relação com a forma de apuração dos créditos de PIS/Cofins, mormente por ser uma proposta que visa aumentar a carga tributária, no contexto de um programa que visa fazer exatamente o oposto.

O contrabando legislativo já foi objeto de análise pelo STF, nos autos da ADI 5.127/DF, que consolidou suja jurisprudência no sentido de que a norma posta no contexto do contrabando legislativo é inconstitucional, por violar o princípio devido processo legislativo, garantia do parlamentar e do cidadão (art. 5º, LIV, da CF/88), envolvendo a correta e regular elaboração das leis.


– Essas vitórias fortalecem aumentam as chances de sucesso dos contribuintes que questionarem a exclusão do ICMS dos créditos do PIS e da Cofins?

Romero Marinho e Pedro Simão: Apesar de ser um tema recente, à medida que mais decisões favoráveis vêm sendo proferidas e noticiadas é possível notar a formação de um entendimento mais consolidado, o que incentiva os contribuintes a buscarem o amparo do Poder Judiciário.

Bianca Mareque e Frederico Bakkum: Por ser um tema bastante novo, as decisões favoráveis aos contribuintes acabam tendo um impacto significativo, a título de precedentes, aumentando as chances de sucesso, ainda que nessa fase inicial. É certo, no entanto, que o tema ainda será discutido por muito tempo e pelos mais diversos níveis de jurisdição, sendo muito provável que a matéria venha a ser sedimentada pelo STF.

De todo modo, os precedentes favoráveis deixam clara a importância de os contribuintes sujeitos à sistemática não cumulativa do PIS/Cofins judicializarem a matéria, evitando que suportem o ônus de eventual modulação futura do tema pelos tribunais superiores, bem como a fim de manter seu nível de competitividade no mercado.

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