Os insondáveis critérios do Perse

Atividades excluídas do programa vão desde instalação de portas até bares e lanchonetes

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O que tem a ver a instalação de portas, janelas, tetos, divisórias e armários embutidos, dentre outras atividades, com o setor de eventos? Nada, conforme recente Portaria (11.266/23) do Ministério da Economia. E a norma definiu que, portanto, essas atividades não poderiam se beneficiar do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado para mitigar os efeitos danosos da pandemia do Covid-19 sobre o setor de eventos. Mas, ao mesmo tempo em que a norma vedou o acesso a benefícios fiscais por parte de atividades que pouco ou nada tem a ver com o segmento, ela também excluiu atividades bastante relacionadas a eventos.

“Outra mudança significativa foi a exclusão dos bares e lanchonetes, com a manutenção dos restaurantes, o que suscita dúvidas quanto aos critérios utilizados pelo ministério. Ainda, foram removidas atividades que, a depender do caso, podem auferir significativas receitas relacionadas ao setor beneficiado pelo Perse, a exemplo dos seguintes CNAEs: clubes sociais, esportivos e similares, produção e promoção de eventos esportivos, comércio varejista de suvenires, bijuterias e artesanatos, entre outros”, exemplificam os advogados Pedro Simão e Sávio Hubaide, sócio e associado do Freitas Ferraz Advogados.

O CNAE mencionado pelos advogados é a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), que serve de base para determinar se as empresas exercem atividades que podem se beneficiar dos benefícios fiscais concedidos pelo Perse (alíquota zero para quatro tributos federais por cinco anos). A lista dessas atividades foi reduzida de 88 (conforme a Portaria 7.163/21) para 38 pela Portaria 11.266/23, publicada em 2 de janeiro passado.

“Aqueles contribuintes lesados pela exclusão de seu CNAE da nova lista podem procurar o Judiciário para suscitar, por exemplo, a violação à isonomia tributária ou à livre-concorrência, como no caso da exclusão de bares e lanchonetes, com a manutenção dos restaurantes”, consideram os advogados do Freitas Ferraz. As restrições no Perse, via regulamentação, têm levado as empresas a recorrer à Justiça para ter acesso ao programa.

Estas não foram as únicas alterações recentemente promovidas no programa. No fim do ano passado, o governo editou a Medida Provisória 1.147/22, que esclarece que têm direito ao benefício fiscal apenas as receitas e resultados provenientes do setor de eventos e que dispensa a retenção desses tributos por parte do tomador de serviços. Além disso, a norma veda a tomada de créditos de Pis e Cofins vinculados às receitas decorrentes do exercício das atividades beneficiadas.

Simão e Hubaide consideram que a constante alteração das empresas que podem aderir ao Perse traz insegurança jurídica e impedem a previsão, o cálculo e a utilização do benefício pelos contribuintes – além de aumentar o contencioso tributário. Por outro lado, eles ponderam que são positivas as alterações que esclarecem questões controversas, mesmo que idealmente o texto original da lei já devesse trazer esses esclarecimentos.

Leia, na entrevista abaixo, as considerações de Simão e Hubaide sobre as recentes alterações no Perse.


– Quais foram as principais novidades trazidas pela Medida Provisória 1.147/22 e pela Portaria 11.266/23 com relação ao Perse?

Sávio Hubaide e Pedro Simão: As principais novidades da Medida Provisória nº 1.147/22 relacionadas ao Perse foram:

  • esclarecer que estão abarcadas pelo benefício da alíquota zero tão somente as receitas e resultados das atividades do setor de eventos,
  • incluir de forma expressa a dispensa de retenção na fonte dos tributos beneficiados,
  • instituir o benefício da alíquota zero de Pis e de Cofins para receitas decorrentes da atividade de transporte aéreo regular de passageiros, e
  • tanto em relação às empresas do setor de eventos quanto às de transporte aéreo, vedar a tomada de créditos de Pis e Cofins vinculados às receitas decorrentes do exercício das atividades beneficiadas.

A Portaria nº 11.266/23, por sua vez, instituiu nova lista de códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) abrangidos pelo Perse, com 38 atividades, reduzindo de forma expressiva os 88 CNAEs anteriormente previstos pela Portaria nº 7.163/21. Cabe ressaltar que a nova portaria manteve a exigência de inscrição com situação regular perante o Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur) para as atividades previstas no Anexo II, mas definiu como data-base o dia 18/03/2022, data da publicação do artigo 4º, após a derrubada do veto presidencial, e não mais a data da publicação inicial da Lei do Perse, como na portaria antiga.


– O que muda com relação às atividades e empresas que podem ser beneficiadas pelo programa?

Sávio Hubaide e Pedro Simão: A primeira lista instituída pela Portaria nº 7.163/21 trouxe diversos CNAEs que, salvo exceções casuísticas, não dizem respeito a atividades relacionadas com o setor de eventos, ao menos diretamente, e que foram removidas da nova lista publicada pela Portaria nº 11.266/23. Podem ser mencionados os CNAEs de instalação de portas, janelas, tetos, divisórias e armários embutidos, depósito de mercadorias para terceiros, fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para empresas, aluguel de máquinas e equipamentos para escritórios, atividades de vigilância e segurança privada, atividades de consultoria em gestão empresarial, entre outros.

Outra mudança significativa foi a exclusão dos bares e lanchonetes, com a manutenção dos restaurantes, o que suscita dúvidas quanto aos critérios utilizados pelo ministério. Ainda, foram removidas atividades que, a depender do caso, podem auferir significativas receitas relacionadas ao setor beneficiado pelo Perse, a exemplo dos seguintes CNAEs: clubes sociais, esportivos e similares, produção e promoção de eventos esportivos, comércio varejista de suvenires, bijuterias e artesanatos, entre outros.


– Empresas que já tinham acesso ao programa, mas cujas atividades não estão incluídas naquelas listadas pela Portaria 11.266/23 podem procurar o Judiciário? Há outros casos que podem ser judicializados?

Sávio Hubaide e Pedro Simão: Aqueles contribuintes lesados pela exclusão de seu CNAE da nova lista podem procurar o Judiciário para suscitar, por exemplo, a violação à isonomia tributária ou à livre-concorrência, como no caso da exclusão de bares e lanchonetes, com a manutenção dos restaurantes.

Além disso, caso se entenda que a concessão do benefício depende do cumprimento de condições, pode-se buscar uma equiparação com a proteção contida no artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual isenções concedidas por prazo certo e em função de determinadas condições não podem ser revogadas ou modificadas sequer por lei, quando menos por atos infralegais como no caso da nova portaria.

Pode ainda ser questionada a aplicabilidade ou não das anterioridades anual e nonagesimal, pois embora a portaria aponte como data 29/12/2022, o ato foi formalmente publicado somente no dia 02/01/2023.


– Qual é a sua avaliação sobre as constantes mudanças nas condições das empresas elegíveis ao Perse?

Sávio Hubaide e Pedro Simão: A constante alteração dos critérios e do rol das empresas que podem aderir ao Perse traz insegurança jurídica, na medida em que impede que os contribuintes possam prever, calcular e planejar a utilização do benefício. Outra consequência das reiteradas mudanças é o incremento do contencioso tributário no país, seja para assegurar direitos incertos pelos textos normativos, seja para tentar reverter eventuais ilegalidades ou inconstitucionalidades.

Por outro lado, quando essas alterações pretendem esclarecer questões até então controversas, tendem a prestigiar a segurança jurídica, a exemplo da definição de quais receitas e resultados estão abarcados pelo benefício, da dispensa expressa de retenção e da vedação à tomada de créditos. Idealmente, questões como essas deveriam ser introduzidas já no texto original da lei, mas antes uma alteração tardia que inexistente.

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