Estudo da CVM avalia papel do conselho fiscal em empresas menores

Marco legal das startups autorizou eventual dispensa da instalação desse conselho

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As discussões em torno da instituição de conselhos fiscais nas empresas de menor porte ganharam força depois da edição, em 2021, da Lei Complementar 182 (também conhecida como marco legal das startups), levando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a se debruçar de maneira mais aprofundada sobre o tema. O resultado desse esforço está no relatório “Revisão da Obrigatoriedade do Conselho Fiscal em Companhias de Pequeno e Médio Porte”, elaborado pela Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) da autarquia.

A Lei Complementar 182 introduziu a possibilidade de dispensa ou modulação, pela CVM, da obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal via assembleia geral de companhias abertas de menor porte, assim consideradas as que têm receita bruta anual de até R$ 500 milhões.

A ideia do estudo foi mapear as implicações da existência de um conselho fiscal nas empresas menores, levando em consideração aspectos que vão desde a proteção do negócio até a viabilidade dos custos dessa implantação.

“Conforme mostrado no estudo da CVM, temos evidências teóricas e empíricas que mostram um aumento nos níveis de proteção do acionista e governança corporativa com a instalação do conselho fiscal, levando a um benefício frente à captação de investimentos, além do interesse cada vez maior dos minoritários na indicação de membros ao conselho fiscal”, ressalta Érika Aguiar Carvalho Fleck, sócia do Carneiro de Oliveira Advogados. “No entanto, a mera instalação do conselho fiscal não é garantia de maior proteção. O recente escândalo da Americanas, por exemplo, não foi mitigado pela existência de conselho fiscal instalado nos últimos exercícios”, acrescenta.

Na entrevista a seguir, Fleck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues, associada do Carneiro de Oliveira Advogados, tratam de outros aspectos de governança envolvidos na questão de conselhos fiscais. 


– No que diferem as normas sobre a instalação do conselho fiscal nas companhias de grande, pequeno e médio porte? O marco das startups traz regras diferentes? 

Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues: O conselho fiscal é um órgão fiscalizador mandatório para todas as sociedades anônimas de capital aberto ou fechado. De acordo com a Lei das S.As., o conselho fiscal poderá ter funcionamento permanente ou não permanente (temporário). Quando o funcionamento do conselho fiscal não for permanente, a Lei das S.As. prevê que o órgão poderá será instalado via assembleia geral a pedido de acionistas que representem, no mínimo, 10% das ações com direito a voto ou 5% das ações sem direito a voto, sendo que cada período de seu funcionamento termina na primeira assembleia geral ordinária após a sua instalação.

Conforme estudo feito pela CVM, 90% das companhias abertas da Categoria A adotavam o conselho fiscal não permanente em 2021.

Com base nos poderes concedidos pelo artigo 291 da Lei das S.As., a CVM regulamentou a instalação do Conselho Fiscal (Resolução CVM 70/2022, que substituiu a Instrução CVM 324/2000), fixando escala que reduz, em função do capital social, o percentual mínimo de participação acionária necessário para pedido de instalação de conselho fiscal quando seu funcionamento não for permanente. Essa regulamentação é aplicável para todas as companhias abertas, independentemente do seu porte ou da existência de valores mobiliários admitidos à negociação.

O “Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador”, instituído pela Lei Complementar nº 182/2021, introduziu a possibilidade de dispensa ou modulação, pela CVM, da obrigatoriedade de instalação do Conselho Fiscal via assembleia geral de companhias abertas de menor porte – ou seja, companhias abertas com receita bruta anual de até R$ 500 milhões (novos artigos 294-A e 294-B da Lei das S.As.). Em razão disso, estão sendo estudadas pela CVM alternativas de regras para eventual dispensa ou modulação da obrigatoriedade da instalação do Conselho Fiscal em companhias abertas de menor porte.


– Os conselhos fiscais vêm desempenhando um papel importante na estrutura de governança das companhias e na proteção dos acionistas?

Érika Aguiar Carvalho Fleck: Conforme mostrado no estudo da CVM, temos evidências teóricas e empíricas que mostram um aumento nos níveis de proteção do acionista e governança corporativa com a instalação do conselho fiscal, levando a um benefício em relação à captação de investimentos, além do interesse cada vez maior dos minoritários na indicação de membros ao conselho fiscal.

De fato, a instalação do conselho fiscal traz a possibilidade de maior representatividade dos acionistas minoritários na fiscalização dos administradores da companhia. Mediante a eleição de um representante dos acionistas minoritários para compor esse órgão, os conselhos fiscais podem ser contribuir para mitigar os conflitos de agência e de interesses presentes em estruturas acionárias onde há um grupo controlador (ou majoritário) em oposição aos acionistas minoritários.

Dentre os benefícios do conselho fiscal indicados no estudo da CVM, destacamos a menor probabilidade de suavização de resultados contábeis (manipulação de dados contábeis), menor nível de atraso na entrega do parecer da auditoria independente e inibição de remuneração excessiva para administradores. Importante pontuar que a maior parte das conclusões atrela esses benefícios à instalação permanente do conselho fiscal do que à instalação temporária (via assembleia geral).

Lembramos, no entanto, que a mera instalação do conselho fiscal não é garantia de maior proteção. O recente escândalo da Americanas, por exemplo, não foi mitigado pela existência de conselho fiscal instalado nos últimos exercícios. Estudos sobre o assunto indicam que diversos fatores podem influenciar a qualidade do monitoramento exercido pelo conselho fiscal, como a independência de seus membros, seu tamanho e a frequência de suas reuniões.

Além disso, o ativismo dos minoritários pode ser empregado de forma maliciosa e prejudicial à companhia, caracterizando o chamado “abuso de minoria”. Esse fenômeno ocorre quando um grupo de acionistas não controladores atua com o único propósito de obter vantagens individuais e não alinhadas com o objetivo e melhor interesse da companhia. Ainda que este seja mais raro de se manifestar do que o abuso de maioria, ele também é possível e é capaz de engendrar custos de agência.

É importante também ponderarmos sobre o relevante custo do órgão para as companhias abertas de menor porte. Conforme estudo da CVM, o custo direto gerado pelo conselho fiscal representou em 2021 0,48% das despesas médias, gerais e administrativas, enquanto nas companhias de maior porte representou apenas 0,04%.


– Em recente estudo sobre o assunto, a CVM considerou que poderia, em eventual regulamentação no futuro, dispensar a obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal via assembleia geral nas companhias de menor porte, desde que os minoritários elegessem um conselheiro de administração. Essa solução garantiria a proteção dos minoritários, considerando que esse conselheiro pode não ser especialistas em assuntos contábeis?

Érika Aguiar Carvalho Fleck: A solução proposta no estudo da CVM pode ser interessante na medida em que mitiga os custos de observância envolvidos com a instalação de conselho fiscal em companhias abertas de menor porte e, ao mesmo tempo, assegura o direito de indicar um representante dos minoritários para o sistema de governança dessas companhias, através da possibilidade expressa de eleição por parte da minoria de um dos integrantes do conselho de administração.

Hoje a Lei das S.As. já prevê a possibilidade de eleição em separado de membros do conselho de administração por minoritários. No entanto, os requisitos para eleição de representantes dos minoritários no conselho de administração são mais exigentes do que aqueles aplicáveis para eleição de representantes dos minoritários no conselho fiscal.

Ainda que não haja exigência legal geral de que os conselheiros de administração sejam especialistas em assuntos contábeis, para que possam exercer suas atividades e cumprir com seus deveres legais e estatutários é necessário que tenham conhecimento sobre as questões que permeiam a companhia da qual participarão, as quais naturalmente incluem questões financeiras e contábeis. Não estamos dizendo que os conselheiros de administração devem ser especialistas em assuntos contábeis, como é exigido dos conselheiros fiscais, mas sim que devem ter conhecimento suficiente para conduzir de forma adequada seus trabalhos. Assim, entendemos que não haveria prejuízo para os minoritários na proposta indicada no estudo da CVM.


– A obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal via assembleia nas companhias de menor porte (faturamento abaixo de R$ 500 milhões) deveria ser mantida, extinta ou flexibilizada (conforme sugerido pelo estudo da CVM)?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues: Considerando o alto custo envolvido na instalação do conselho fiscal pelas companhias abertas, sobretudo o impacto proporcional para aquelas de menor porte dentro da perspectiva de seus custos totais, concordamos que há necessidade de alterar a regra vigente para possibilitar a não instalação do fiscal por essas companhias.

A alternativa recomendada no estudo, que seria modular a obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal via assembleia geral para todas as companhias abertas elegíveis, mediante a possibilidade expressa de eleição por parte da minoria de um dos integrantes do conselho de sdministração, nos parece razoável, na medida em que gera redução de custos de observância e assegura a representatividade dos minoritários por meio do conselho de administração.

Cabe ressaltar que a alternativa não constitui um impeditivo para as companhias abertas de menor porte instalarem o conselho fiscal e que a modalidade do conselho fiscal de funcionamento permanente não está em discussão, tendo em vista que somente há a mudança na obrigatoriedade de instalação mediante aprovação da assembleia geral.

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