Influenciadores e ações ESG na mira da CVM

Em iniciativa inédita, Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco incorpora riscos emergentes

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O rápido ritmo de inovação nos mercados financeiro e de capitais vem provocando mudanças em várias frentes – e os reguladores precisam estar atentos à essa evolução. Por conta disso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) trouxe uma novidade e incluiu riscos considerados emergentes no seu Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco 2023-2024. O plano elenca os riscos considerados prioritários para a supervisão da autarquia nos próximos dois anos. E os temas que trazem riscos emergentes são os influenciadores digitais, governança em ações ESG/ASG no mercado de valores mobiliários; e ofertas não registradas de security tokens distribuídos por grandes corretoras de criptoativos.

A supervisão temática dos riscos emergentes compreende os novos riscos que os investidores podem enfrentar em suas ações cotidianas de modo geral, explicam Marcela Nunes e Mariana Curtis, associada e estagiária do Vieira Rezende Advogados: “Na análise realizada pela CVM, ela se tornou necessária para abordar questões de grande porte e influência na atualidade, que requerem medidas para enfrentar eventuais problemas que possam ocorrer no futuro.

O aumento do número de investidores pessoas físicas e da atuação dos influenciadores que abordam temas relacionados ao mercado são um dos destaques, explicam as advogadas Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene, advogadas do Carneiro de Oliveira Advogados. “A CVM buscará detectar eventuais comportamentos prejudiciais à formação dos preços de ativos e ilícitos de mercado decorrentes da atuação desses influenciadores”, afirmam.

Com relação à governança ESG/ASG, a escolha do assunto decorre do próprio crescimento da importância do tema — aliado à entrada em vigor, neste ano, do novo formato do formulário de referência com informações ESG a serem prestadas pelas empresas. “Em razão da relevância do tema, a CVM possui expectativa de que as informações ESG atraiam a atenção de investidores e influenciem seu processo de tomada de decisão”, consideram Krieck e Domene.

Com relação aos tokens, o aumento dos processos de tokenização também atraiu a atenção da autarquia, que busca dimensionar o mercado de tokens e identificar eventuais enquadramentos como valores mobiliários, especialmente aqueles que oferecem remuneração fixa ou variável e são semelhantes ao conceito de valor mobiliário previsto em lei.

Na entrevista abaixo, Krieck, Domene, Nunes e Curtis abordam a supervisão baseada em risco e o plano da CVM para o próximo biênio.


– O que é a supervisão baseada em risco, adotada pela CVM?

Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene:  A supervisão baseada em risco adotada pela CVM é uma estratégia de atuação que busca identificar, analisar, avaliar, tratar e monitorar os riscos do mercado de valores mobiliários. Esta forma de supervisão foi determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), por meio da Resolução 3.427/06, conforme alterada, e é atualmente disciplinada pela Resolução CVM 53/2021.

Nos termos desta última, considera-se risco qualquer “evento ou série de eventos previamente identificado cuja possível ocorrência represente uma ameaça ao cumprimento dos mantados legais” da CVM. Os riscos podem ser de natureza econômica, operacional ou relacionados à integridade.

A gestão de riscos é realizada por meio de diversas áreas dentro da CVM, seguindo as diretrizes constantes do Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco (SBR) aprovado pelo Comitê de Governança e Gestão de Riscos (CGR) a cada dois anos, cujo objetivo é tornar a supervisão mais eficiente e eficaz. Além disso, as áreas técnicas da CVM divulgam os resultados alcançados anualmente, por meio do Relatório Anual do SBR.

Marcela Nunes e Mariana Curtis: A supervisão baseada em risco, adotada pela CVM e criada pela Resolução CMN 3.427/06, corresponde a um sistema de regulação e fiscalização do mercado de valores mobiliários, definido a cada dois anos, a partir da identificação e avaliação dos riscos a que o mercado de valores imobiliários está exposto, da definição de mecanismos de gestão para mitigar tais riscos, e do controle e monitoramento da ocorrência dos eventos de risco, visando a promoção da eficiência e da integridade dos mercados de valores mobiliários no Brasil.

Esse sistema funciona por meio da colaboração entre diferentes áreas da CVM, observando diretrizes ordenadas pelo Comitê de Governança e Gestão de Riscos (CGR) – liderado pelo presidente da CVM.


– Quais são os principais riscos priorizados pela autarquia em 2023/24? Em relação ao plano anterior, há inclusões e/ou exclusões?

Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene:  Existem 9 grupos de riscos priorizados pela CVM para o biênio de 2023-2024, sendo eles:

  • mercado marginal;
  • transações com partes relacionadas;
  • riscos nas atividades de distribuição de valores mobiliários;
  • prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição de massa;
  • perda do controle de informações relevantes não divulgadas ao mercado;
  • inadequação à legislação e à regulamentação em processos de emissão de ações ou títulos conversíveis em ações por subscrição privada;
  • falhas de diligência no processo de gestão de liquidez em fundos abertos;
  • estratégias de alavancagem irregulares e/ou pouco diligentes em fundos 555; e
  • irregularidades ou inépcias cometidas na formalização e na realização de trabalhos de auditoria.

De acordo com a apresentação do Plano Bienal 2023-2024, a CVM indicou novos riscos comparativamente aos riscos priorizados no biênio anterior, tais como os riscos vinculados às atividades de distribuição de valores mobiliários. Além disso, também houve manutenção de alguns riscos, tais como os relativos ao mercado marginal, às transações com partes relacionadas, à prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição de massa. Outros aspectos importantes do novo Plano Bienal são a reclassificação de alguns riscos de acordo com o grau de severidade atualizado, bem como a consolidação de riscos redundantes em um único item mais amplo, vide os riscos relativos aos trabalhos de auditoria.

Marcela Nunes e Mariana Curtis: No Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco (SBR) para o período 2023-2024, a CVM admitiu novos riscos, notoriamente vinculados às atividades de distribuição de valores mobiliários. Ainda, foram estabelecidas três supervisões temáticas vinculadas a riscos emergentes: influenciadores digitais, governança em ações ESG/ASG no mercado de valores mobiliários e ofertas não registradas de security tokens distribuídos por corretoras de criptoativos.

Além disso, o novo plano prioriza riscos presentes no Plano Bienal 2021-2022 para o próximo biênio, tais como os riscos relativos ao mercado marginal (prestação de serviços de gestão de valores mobiliários sem registro e intermediação de valores mobiliários por participantes não autorizados), às transações com partes relacionadas e à prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição de massa – PLD/FTP.


– O que é a supervisão temática para riscos considerados emergentes, introduzida no Plano 2023-24?

Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene: A supervisão temática para os riscos emergentes é uma novidade do Plano Bienal 2023-2024, e seu objetivo é promover uma abordagem de tais riscos envolvendo diferentes superintendências da CVM, demandando coordenação de esforços entre áreas técnicas e permitindo uma análise dos riscos emergentes de forma mais abrangente e por vieses diversos.

Serão 3 supervisões temáticas no novo Plano Bienal, sendo elas:

  • influenciadores digitais, envolvendo as superintendências de Supervisão de Riscos Estratégicos, Supervisão de Investidores Institucionais, Relações com o Mercado e Intermediários, e Registro de Valores Mobiliários;
  • governança em ações ESG/ASG no mercado de valores mobiliários, envolvendo as superintendências de Supervisão de Riscos Estratégicos, Relações com Empresas, Supervisão de Investidores Institucionais, e Normas Contábeis e de Auditoria; e
  • ofertas não registradas de security tokens distribuídos por grandes corretoras de criptoativos, envolvendo as superintendências de Supervisão de Riscos Estratégicos, e Supervisão de Securitização.

Marcela Nunes e Mariana Curtis: A supervisão temática para riscos considerados emergentes introduzida no novo Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco 2023-2024 compreende os novos riscos que os investidores podem enfrentar em suas ações cotidianas de modo geral. Na análise realizada pela CVM, ela se tornou necessária para abordar questões de grande porte e influência na atualidade, que requerem medidas para enfrentar eventuais problemas que possam ocorrer no futuro.


– No âmbito da supervisão temática, por que foram escolhidos como temas os influenciadores digitais, a governança em ações ESG/ASG no mercado de valores mobiliários e ofertas não registradas de security tokens distribuídos por corretoras de criptoativos?

Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene:  Cada supervisão temática possui uma justificativa específica para sua criação.

No caso do tema de influenciadores digitais, a supervisão temática foi criada em razão do aumento relevante do registro de novos investidores pessoas naturais no mercado de capitais e da atuação dos influenciadores digitais que exploram temas relacionados ao mercado de valores mobiliários. A CVM buscará detectar eventuais comportamentos prejudiciais à formação dos preços de ativos e ilícitos de mercado decorrentes da atuação dos referidos influenciadores.

Com relação à governança ESG/ASG no mercado de valores mobiliários, a escolha do tema decorre de sua importância em âmbito internacional e nacional. Além disso, em 2023 entrou em vigor o novo formato do formulário de referência a ser preenchido e divulgado pelas companhias abertas brasileiras, com novos itens específicos relacionados a informações ESG. Em razão da relevância do tema, a CVM possui expectativa de que as informações ESG atraiam atenção de investidores e influenciem seu processo de tomada de decisão.

Por fim, as ofertas não registradas de security tokens distribuídos por corretoras de criptoativos compõem a terceira supervisão temática do Plano Bienal 2023-2024 em decorrência do aumento dos processos de tokenização em diferentes segmentos econômicos e modalidades de negócios. Assim, a CVM pretende dimensionar o mercado de tokens e identificar eventuais enquadramentos como valores mobiliários (em especial em relação aos tokens que oferecem remuneração fixa ou variável semelhantes ao conceito de valor mobiliário previsto em lei), a fim de orientar corretamente o mercado.

Marcela Nunes e Mariana Curtis: A inclusão da pauta dos influenciadores digitais no Plano ocorreu em virtude do crescente aumento do uso das redes sociais por investidores e do impacto que as redes têm sobre as tomadas de decisões no mercado de valores mobiliários. Sendo assim, a CVM visa analisar a atuação desses influenciadores no mercado de valores mobiliários para que

sejam detectados comportamentos que possam prejudicar a formação de preço dos ativos e, eventualmente, caracterizar ilícitos de mercado.

O tema ESG/ASG tem ganhado cada vez mais visibilidade no cenário regulatório internacional e nacional. No Brasil, inclusive, entrou em vigor neste ano a Resolução CVM nº 59, que destaca que as companhias deverão entregar o relatório de referência (FRE) anualmente, tendo como um dos diferenciais a inclusão da prestação pelas companhias de diversas informações voltadas ao tema ESG/ASG. Dessa maneira, e identificando o grande interesse ao redor da temática, há uma expectativa da CVM de que esSe será um tema crucial para a tomada de decisões dos investidores.

Por fim, a inclusão da temática de security tokens no mercado de criptomoedas se deu em decorrência do crescimento da oferta de diferentes modalidades de tokens para o público em geral, o que tende a facilitar a modalidade de investimento ou acesso a serviços. Por meio do desenvolvimento dos tokens, e sua posterior oferta, diversas corretoras passaram a utilizar a tecnologia inicial, a própria criptomoeda, para dar andamento a outras relações econômicas, como, a prestação de serviços. Isto permitiu um aumento significativos de ofertas de tokens de recebíveis, ofertados por tais corretoras, os quais conferem rendimento mensal fixo aos investidores, com características de contrato de investimento coletivo – CIC, o que justifica a inclusão no Plano Bienal 2023-2024.

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