Uso alternativo de precatórios avança

Regulamentação estipula condições, mas são necessárias novas normas para viabilizar utilização ampla

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Apesar de o governo ter permitido que precatórios federais sejam usados com diversas finalidades — como o pagamento de outorgas, a compra de imóveis da União e a quitação de débitos, inclusive nas transações tributárias — a falta de regulamentação ainda não permite que os credores utilizem plenamente essas possibilidades. Recentemente, um passo foi dado para viabilizar o uso alternativo dos precatórios, por meio da publicação do Decreto 11.249/22, que regulamenta a Emenda Constitucional 113/21 (EC 113/21). O passo é considerado um avanço, embora ainda tímido, porque faltam regulamentações adicionais para que essa possibilidade se torne uma realidade.

A questão começou com as EC 113/21 e EC 114/21. Na ocasião, os credores do governo federal passaram a receber em data incerta devido ao teto instituído para os pagamentos por parte do Executivo. Em compensação, o governo abriu a possibilidade de os credores fazerem uso alternativo dos precatórios. “O decreto avança, ainda que de forma tímida, na regulamentação dessa faculdade criada pela EC 113/21 de usar precatórios para certos pagamentos junto ao poder público”, avalia Virginia Mesquita, sócia do Vieira Rezende Advogados. 

Ela considera que um ponto bastante positivo do decreto é a previsão de que o uso dos precatórios é uma faculdade do credor, e que esse uso não depende do disposto em editais ou documentos equivalentes – para Mesquita, essa é uma tentativa de deixar claro que os editais não podem limitar o uso dos precatórios nas hipóteses definidas.

Mas a utilização dos precatórios ainda não deve se dar de forma imediata porque faltam várias regulamentações: da Advocacia Geral da União, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e do Ministério da Economia. “Acompanhado de outros atos normativos já editados, outros ainda pendentes de edição, esse decreto é uma medida importante para que os contribuintes possam utilizar melhor os precatórios e, para o governo, uma opção para reduzir seu estoque de dívidas. Apesar de ainda existirem entraves, entendemos que a administração pública irá operar no sentido de garantir esse direito aos contribuintes”, afirma a advogada Carolina Sapori, associada do Freitas Ferraz Advogados.  

Seria importante que essas regulamentações viessem o mais rápido possível para que a faculdade dada pela Constituição aos credores se torne realidade, considera Mesquita. 

Na entrevista abaixo, Sapori e Mesquita abordam os avanços trazidos pelo Decreto 11.249/22 e a regulamentação ainda pendente para viabilizar o uso dos precatórios. 


Atualmente, em que condições os precatórios federais podem ser usados? Na prática, isso vem ocorrendo com frequência?

Carolina Sapori: Os precatórios são os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judicial transitada em julgado. O seu pagamento está previsto no artigo 100 da Constituição Federal.

Com o advento da Emenda Constitucional n° 113 (EC 113/21) de 2021, conhecida como PEC dos Precatórios, o § 11 do artigo 100 foi alterado e os precatórios passaram a poder ser usados para:

  • quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação tributária, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente; 
  • compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente disponibilizados para venda; 
  • pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente; 
  • aquisição, inclusive minoritária, de participação societária, disponibilizada para venda, do respectivo ente federativo; ou 
  • compra de direitos, disponibilizados para cessão, do respectivo ente federativo, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.

Apesar da promulgação do Decreto n° 11.249/22 que regulamenta o § 11 do artigo 100, ainda faltam regulamentações para o uso dos precatórios conforme o estabelecido pela EC 113/21. O próprio decreto estabelece os atos do advogado-geral da União, do procurador-geral da Fazenda Nacional e do ministro da Economia que deverão dispor sobre essa utilização.

Por isso, por ora, quem tentar utilizar os créditos para os fins descritos no § 11 do artigo 100 da Constituição pode encontrar entraves devido à falta de regulamentação. 

Virginia Mesquita: Antes das Emendas Constitucionais nº 113 e 114, de 2021, não havia uma regulamentação estabelecendo claramente a possibilidade de uso. Houve decisões judiciais esparsas permitindo a compensação de tributos com precatórios, mas não havia arcabouço permitindo isso de forma ampla e segura. Com as emendas, permitiu-se o uso de precatórios para quitação de débitos parcelados ou inscrito em dívida ativa, pagamento de outorgas e compra de direitos disponibilizados para cessão, imóveis ou ações colocadas à venda pelo poder público. Lembrando que o precatório só pode ser utilizado em operações com o mesmo ente público devedor do precatório. Como as emendas são recentes, ainda não temos notícias dessas operações.


O que prevê o Decreto 11.249/22 sobre a utilização de precatórios da União?

Carolina Sapori: Além dos fins para os quais os precatórios podem ser utilizados, o Decreto n° 11.249/22 prevê que os créditos líquidos e certos dos precatórios federais deverão obedecer, em igualdade de condições, aos requisitos procedimentais dos atos normativos que regerem a compra de imóveis públicos, pagamento de outorgas, concessão negocial, aquisição de participação societária ou compra de direitos da União, que se pretende adquirir, amortizar ou liquidar.

Ainda, prevê os atos que o advogado-geral da União, procurador-geral da Fazenda Nacional e ministro da Economia devem promulgar para regulamentação da utilização dos precatórios nas situações descritas no § 11 do artigo 100 da Constituição Federal.

Virginia Mesquita: O decreto avança, ainda que de forma tímida, na regulamentação dessa faculdade criada pela EC 113/21 de usar precatórios para certos pagamentos junto ao poder público. Ele prevê que o uso dos precatórios é uma faculdade do credor, cabendo a ele requerer o uso do precatório dos pagamentos. E prevê, de forma muito positiva, que isso não depende do disposto em editais ou documentos equivalentes, o que me parece ser uma tentativa de deixar claro que editais não podem limitar o uso dos precatórios nas hipóteses definidas acima. Detalhes como a documentação necessária para a oferta de precatórios em pagamento de outorgas e outros direitos e o procedimento para o uso desses créditos em pagamento de débitos tributários parcelados ou inscritos em dívida ativa foram deixados para futura regulamentação a ser expedida pela Advocacia Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).


Ainda faltam regulamentações a respeito do uso de precatórios federais ou a publicação do Decreto 11.249/22 é suficiente?

Carolina Sapori: A publicação do Decreto n° 11.249/22 não é suficiente para o uso dos precatórios federais, isto porque os artigos 5°, 6° e 7° dispõem sobre os atos que ainda deverão ser editados para assegurar sua eficácia.

O artigo 5° estipula que o advogado-geral da União deverá promulgar o ato que irá dispor sobre garantias necessárias à proteção contra os possíveis riscos decorrentes de medida judicial propensa à desconstituição do título judicial ou do precatório.

Já o artigo 6° determina que o procurador-geral da Fazenda Nacional deliberará sobre a utilização dos créditos líquidos e certos de que trata o decreto, para quitação ou amortização de débitos inscritos em dívida ativa da União, inclusive aqueles negociados em transação tributária.

Por fim, o artigo 7º dispõe que ato do ministro da Economia disporá sobre os procedimentos de finanças públicas necessários à realização do encontro de contas de que trata o decreto.

Após essas regulamentações, o emprego dos precatórios para os fins elencados no §11, do artigo 100 e Decreto n° 11.249/22 poderá se concretizar. 

Virginia Mesquita: Não é suficiente porque ainda é necessário especificar quais documentos devem ser apresentados, por exemplo. Outra questão que não está clara é se será possível “quebrar” um precatório, usando apenas parte do valor de um título e como ficaria a expedição de um novo título com o remanescente do crédito.


Com a publicação do decreto, a utilização dos precatórios se torna mais factível ou ainda permanecem obstáculos à sua aceitação por parte do poder público?

Carolina Sapori: A publicação do decreto é um passo importante para regulamentar o § 11 do artigo 100 da Constituição Federal, que previu as novas formas de utilização desses créditos. Acompanhado de outros atos normativos já editados, outros ainda pendentes de edição, esse decreto é uma medida importante para que os contribuintes possam utilizar melhor os precatórios e, para o governo, uma opção para reduzir seu estoque de dívidas. Apesar de ainda existirem entraves, entendemos que a administração pública irá operar no sentido de garantir esse direito aos contribuintes.  

Virginia Mesquita: Ainda há questões a serem regulamentadas, para criarmos um sistema uniforme. Mas o decreto sem dúvida é um avanço. Seria importante que o ato da AGU determinando os documentos que devem ser apresentados para a oferta dos créditos de precatórios como pagamento e a regulamentação da PGFN dispondo sobre o uso dos créditos para o pagamento dos débitos tributários mencionados na EC 113/21 fossem expedidos o mais rapidamente possível, para que a faculdade dada pela Constituição aos credores se torne realidade o mais rápido possível. Além disso, há uma expectativa de que a regulamentação federal sirva de inspiração aos Estados e municípios, que também devem expedir seus próprios regulamentos.

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