CVM vota pela absolvição em caso emblemático
Wesley e Joesley Batista são absolvidos da acusação de insider trading
Terminou em absolvição mais um processo administrativo que investigava a existência de transação com base em informação privilegiada (insider trading). O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) absolveu os irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores da JBS, e a J&F Investimentos – à exceção da diretora Flávia Perlingeiro, que votou pela condenação.
“A comprovação de casos de insider trading é baseada, em regra, em indícios, já que é complexo comprovar a maneira pela qual o acusado teve acesso à informação privilegiada e se ele fez uso da informação em seu processo cognitivo de negociar com valores mobiliários”, afirmam Érika Carvalho Fleck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues, sócia e associada do Carneiro de Oliveira Advogados. Mas elas ressaltam que, apesar de as condenações serem raras, nos últimos anos foram celebrados diversos termos de compromisso relacionados ao tema na vigência da Resolução 44/21, cujos valores variaram de R$ 100 mil a R$ 500 mil.
Na época em que o caso ocorreu, estava em vigência a Instrução 358/02 – revogada em 2021 pela Resolução 44/21. Esta última buscou facilitar a identificação de insider trading.
O caso dos irmãos Batista abalou o mercado de capitais brasileiro – no primeiro pregão (18/05/2018) após a publicação de uma nota em que o colunista Lauro Jardim, de O Globo, informava sobre a existência do acordo de delação premiada envolvendo o então presidente Michel Temer, o Ibovespa chegou a cair mais de 10% e o circuit breaker foi acionado pela primeira vez desde a crise de 2008. O evento ficou conhecido como “Joesley Day”.
Insider trading
No Processo Administrativo Sancionador (PAS) CVM 19957.005390/2017-90, buscou-se apurar a responsabilidade dos irmãos Batista e da J&F Investimentos S.A. por suposta manipulação de preços, uso indevido de informação privilegiada, negociação de ativos em período vedado, violação ao dever de lealdade e abuso de poder de controle, em negócios realizados pela JBS S.A. e pela J&F Investimentos S.A. com ações de emissão da JBS S.A. A J&F foi condenada a pagar uma multa de 500 mil reais por ter negociado ações da JBS em período vedado por força do Programa de Recompra de Ações da JBS e absolvida das demais acusações. Os controladores foram absolvidos de todas as acusações.
As advogadas explicam que, com relação ao insider trading, a discussão era sobre se o acordo de colaboração premiada que os irmãos Joesley e Wesley Batista haviam firmado junto à Procuradoria-Geral da República seriam caracterizados como informação relevante e privilegiada. Durante as tratativas para celebrar a colaboração premiada, a JBS a J&F Investimentos negociaram com as ações da JBS.
A acusação considerou que sim: a mera existência de tratativas para a negociação de colaboração premiada era informação relevante e teria o potencial de impactar o mercado de valores mobiliários. A maioria do colegiado, no entanto, entendeu que não houve informação privilegiada porque era imprevisível saber se o acordo de colaboração premiada seria homologado, e não foi possível comprovar que as operações com as ações de emissão da JBS S.A. foram motivadas pelo uso de informação sigilosa.
Perlingeiro, voto dissidente, votou pela condenação dos Batista à inabilitação ao exercício de cargo de administrador ou conselheiro fiscal de companhia aberta por 7 anos, além de multa de 500 mil reais para cada. Já para a J&F, o voto foi pela condenação (em violação à Instrução CVM 358/02, que trata da divulgação de fato relevante e veda a negociação de ações até a divulgação), com multa de 253 milhões de reais.
Para alguns, como Bruno Carazza, em artigo publicado no Valor, o desfecho do caso deixa uma mensagem de que o enforcement feito pela CVM não é para valer.
Na entrevista abaixo, Fleck e Rodrigues abordam as punições previstas para a transação com base em informação privilegiada e explicam o caso.
– Como a negociação com base em informações privilegiadas é definida pela regulamentação e quais as punições aplicáveis?
Érika Carvalho Fleck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues: A Lei das S.A. prevê expressamente a vedação do uso de informação relevante ainda não divulgada pelos administradores das companhias, bem como qualquer outra pessoa que a ela tiver tido acesso, com a finalidade de obter vantagem (para si ou outrem). São, portanto, três requisitos para a configuração da prática de insider trading: a existência de informação privilegiada não divulgada ao mercado; o acesso a essa informação privilegiada; e a intenção de negociar tirando proveito de tal informação.
Em linha com os precedentes da CVM da época, a Resolução CVM 44/21 estabelece presunções relativas que caracterizam o uso indevido de informação privilegiada na negociação com valores mobiliários.
Com relação ao âmbito administrativo, nos termos da Lei nº 6.385/1976, a CVM pode impor multa aos envolvidos em insider trading, observando, para fins de dosimetria, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a capacidade econômica do infrator e os motivos que justifiquem sua imposição, e não deverá exceder o maior destes valores: R$ 50 milhões; o dobro do valor da emissão ou da operação irregular; 3 vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ilícito; ou o dobro do prejuízo causado aos investidores em decorrência do ilícito.
O uso indevido de informação privilegiada também é crime tipificado na Lei 6.385/76. Na esfera penal, o uso indevido de informação privilegiada é punível com reclusão de 1 a 5 anos e multa de até 3 vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
No que tange à responsabilização civil, aqueles que forem prejudicados pelo uso indevido de informação privilegiada por parte de terceiros poderão pleitear a devida compensação, além das medidas judiciais que podem ser adotadas pelo Ministério Público para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado.
– Por que são raros os casos de condenação, por parte da CVM, de pessoas acusadas de insider trading? No que diz respeito aos processos criminais, o mesmo acontece?
Érika Carvalho Fleck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues: A comprovação de casos de insider trading é baseada, em regra, em indícios, já que é complexo comprovar a maneira pela qual o acusado teve acesso à informação privilegiada e se ele fez uso da informação em seu processo cognitivo de negociar com valores mobiliários.
Importante ressaltar que, apesar da raridade da condenação de pessoas em razão da negociação com base em informações privilegiadas, nos últimos anos foram celebrados diversos termos de compromisso relacionados ao tema na vigência da Resolução CVM 44/21, cujos valores variaram de R$ 100 mil a R$ 500 mil, aproximadamente.
– Com relação ao insider trading, quais eram as acusações contra os irmãos Batista, controladores da JBS, contra a J&F Investimentos, no Processo Administrativo Sancionador (PAS) CVM 19957.005390/2017-90? Por que o colegiado optou pela absolvição, à exceção da diretora Flávia Perlingeiro?
Érika Carvalho Fleck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues: O Processo Administrativo Sancionador apurou a responsabilidade de Joesley Mendonça Batista, Wesley Mendonça Batista e J&F Investimentos S.A. (sucessora da FB Participações S.A.) por suposta manipulação de preços, uso indevido de informação privilegiada, negociação de ativos em período vedado, violação ao dever de lealdade e abuso de poder de controle, em negócios realizados pela JBS S.A. e pela J&F Investimentos S.A. com ações de emissão da JBS S.A.
No que tange ao tema de insider trading, em suma, a discussão gira em torno da caracterização do acordo de colaboração premiada que os irmãos Joesley e Wesley Batista haviam firmado junto à Procuradoria-Geral da República como informação relevante e privilegiada. Isso porque foram realizadas operações envolvendo ações de emissão da JBS S.A. pela própria companhia e pela J&F Investimentos S.A. enquanto ocorriam as negociações para a celebração da colaboração premiada.
Para a acusação, a mera existência de tratativas para a negociação de colaboração premiada com objeto dessa natureza é considerada como informação relevante, que teria o potencial de impactar o mercado de valores mobiliários. Dessa forma, a utilização dessa informação ainda não divulgada na época para a realização das transações envolvendo empresas relacionadas com os acusados são consideradas como insider trading.
De acordo com os votos da maioria do colegiado, entretanto, não havia uma informação privilegiada no caso em tela, em razão da imprevisibilidade da homologação do acordo de colaboração premiada, a qual ainda estava em estudo, bem como da data de divulgação desta, não tendo sido possível comprovar que as operações com as ações de emissão da JBS S.A. teriam sido motivadas pelo uso de informação sigilosa.