Nova resolução da CVM facilita identificação de insider trading

Norma adota sistema de presunções e consolida jurisprudência

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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) avançou em direção a uma maior clareza sobre transações feitas com o uso informação privilegiada (insider trading) e sobre a divulgação de ato ou fato relevante. No fim de agosto, a autarquia publicou a Resolução CVM n° 44/21, que substitui a Instrução 358/02. A nova norma se baseou na jurisprudência dos casos sobre o assunto e esclareceu questões importantes. 

Como a prática de insider trading é de difícil identificação e obtenção de provas, a nova norma adota presunções de que administradores de companhias abertas e outros participantes do mercado têm acesso a informações não divulgadas e sabem que elas constituem informação privilegiada. Além disso, presume que informações sobre determinados temas são relevantes, tais como as relacionadas a organizações societárias e estudos para recuperação judicial. 

“Ao prever um regime mais didático de presunções, a resolução traz maior clareza àquilo que já vinha sendo aplicado pela autarquia. Dessa forma, a norma tende a aumentar a transparência sobre os critérios utilizados pela CVM para punição, o que pode facilitar a interpretação da regra pelos agentes de mercado, bem como a aplicação de sanções”, consideram os advogados Felipe Hanszmann e Caio Brandão Teixeira Leite, respectivamente sócio e associado do Vieira Rezende Advogados

A seguir, eles abordam aspectos importantes da nova resolução e as presunções que ela estabelece. 


Quais são as principais mudanças determinadas pela nova norma? 

Felipe Hanszmann e Caio Brandão Teixeira Leite: Destacam-se as seguintes alterações introduzidas pela Resolução CVM n° 44/2021:

(i) Período de vedação autônomo: está sujeita à sanção pela autarquia a negociação de valores mobiliários, por parte de acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração e do conselho fiscal antes da divulgação de informações financeiras para o mercado, independentemente do conhecimento do conteúdo das referidas informações;

(ii) Política de divulgação de ato ou fato relevante: o documento passa a ser obrigatório apenas para companhias registradas na categoria A, com ações autorizadas à negociação em bolsa de valores e com ações em circulação, reduzindo custos de observância para as demais companhias;

(iii) Presunção aplicável a fundos exclusivos: instituída presunção relativa de que as negociações feitas pelos fundos de investimento exclusivo são influenciadas pelo cotista único, sendo admitida prova em contrário; e

(iv) Planos individuais de investimento e desinvestimento: flexibilização dos requisitos aplicáveis aos planos, como o rol de pessoas aptas a celebrar, prazo mínimo para a produção de efeitos e necessidade de instituição de critérios objetivos. Esse instituto pode ser particularmente benéfico para gestores de recursos que participem dos órgãos de administração de companhias investidas, pois possibilita que os fundos celebrem planos que lhes permitam negociar de forma automática na hipótese de resgate ou investimento no fundo.


A regulamentação implica grandes esforços de adaptação por parte das empresas? 

Felipe Hanszmann e Caio Brandão Teixeira Leite: A priori, não parece que haverá grandes esforços de adaptação pelas companhias, uma vez que a Resolução CVM n° 44/2021 visa adaptar a regulamentação a anos de jurisprudência da autarquia. Logo, espera-se que as práticas de mercado já estejam em grande parte alinhadas. Vale destacar que a instituição da vedação autônoma — proibição de negociação por alguns participantes de mercado anteriormente à divulgação de informações financeiras ao mercado — demandará a instituição de alguns sistemas de controle pelas companhias e insiders primários.


A nova norma pretende trazer mais clareza na aplicação de presunções relacionadas aos casos de informação privilegiada. Quais são essas presunções? Em sua opinião, a norma avançou nesse ponto? 

Felipe Hanszmann e Caio Brandão Teixeira Leite: Devido à dificuldade na obtenção de provas referentes ao ilícito de insider trading, a CVM consolidou na jurisprudência a instituição de presunções de conhecimento de informações não divulgadas ao mercado por agentes determinados na norma. A Resolução CVM n° 44/2021 avançou nessa mesma direção, garantindo maior segurança jurídica. Tais presunções relativas (ou seja, que permitem prova em contrário) estão previstas no artigo 13 da resolução e envolvem os seguintes temas: (i) conhecimento da informação não divulgada pelo agente e sua utilização; (ii) diversos agentes (como acionistas controladores, administradores) da companhia possuem conhecimento acerca dos negócios e informações relevantes; (iii) agentes que tenham relação comercial, profissional ou de confiança, ao terem tido acesso à informação relevante ainda não divulgada sabem que se trata de informação privilegiada; (iv) presunção de utilização de informação sigilosa por administradores afastados da companhia no período de três meses contados do seu desligamento; (v) operações e reorganizações societárias, bem como pedido de recuperação judicial ou extrajudicial e de falência, são relevantes a partir do momento em que iniciados estudos ou análises relativas à matéria.


A Resolução CVM n° 44/2021 terá o efeito de coibir os casos de transações com informações privilegiadas e de facilitar a punição? 

Felipe Hanszmann e Caio Brandão Teixeira Leite: Ao prever um regime mais didático de presunções, a resolução traz maior clareza àquilo que já vinha sendo aplicado pela autarquia. Dessa forma, a norma tende a aumentar a transparência sobre os critérios utilizados pela CVM para punição, o que pode facilitar a interpretação da regra pelos agentes de mercado, bem como a aplicação de sanções.

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