Governo envia PL das offshores para o Congresso

Após matéria ser retirada da MP 1.172/23, governo tenta emplacar a tributação de rendimentos no exterior por meio de Projeto de Lei

0

Após bastante discussão e algumas idas e vindas, o governo enviou no último dia 28 de agosto um Projeto de Lei (PL) ao Congresso Nacional para tratar da tributação de rendimentos obtidos no exterior por brasileiros – o que inclui as offshores e os trusts. Até o fechamento desta edição, a íntegra do PL das offshores ainda não havia sido divulgada, mas ele é, segundo o governo, similar ao da Medida Provisória 1.171/23, de abril.

No entanto, vários pontos dessa medida haviam sido mudados pela MP 1.172/23 – a mesma que tratava da política do salário-mínimo e do aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda e foi aprovada na semana passada. Só que, dada a reação do presidente da Câmara dos Deputados, Athur Lira, o conteúdo referente à tributação dos rendimentos da pessoa física obtidos no exterior foi retirado da MP 1.172/23 e o acordo com o governo foi tratar a questão por meio de um PL.

E o que previa a MP 1.172/23 com relação à tributação de investimentos no exterior e aos trusts? No que diz respeito a estes assuntos, essa medida alterou pontos muito criticados da MP 1.171/23, como a tributação da variação cambial dessas aplicações e a impossibilidade de compensar o tributo pago no exterior com o devido no Brasil.

“A nova Medida Provisória, apesar de trazer mudanças ao texto da MP 1.171/23, nos aparenta “compensar” onerações com isenções. Apesar de passar a tratar criptoativos como ativos financeiros, e consequentemente tributá-los como tais, concede isenções para variações cambiais sobre depósitos de cartões de débito e crédito no exterior, institui limite mínimo para tributação de ganho de variações cambiais e permite a tomada de crédito tributário no exterior. De toda forma, entendemos que ainda é difícil medir os efeitos das alterações e definir as vantagens e desvantagens para os contribuintes”, avaliam Thiago Braichi e Anna Laura Lacerda, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados.

A avaliação de Giovanna Milana e Michel Siqueira Batista, associados do Vieira Rezende Advogados, é que as mudanças da MP 1.172/23 em relação à anterior foram positivas por conta da não tributação da variação cambial e da possibilidade de compensação do imposto recolhido no exterior com o devido no Brasil.

Sabe-se que o PL manteve o que estava previsto nas MPs: isenção do imposto para rendimentos de até 6 mil reais, tributação à alíquota de 15% para rendimentos de 6 mil a 50 mil reais e de 22,5% para rendimentos superiores.

A MP 1.172/23 também mexia com a tributação de entidades controladas no exterior e com os trusts. Na entrevista abaixo, Milana, Batista, Braichi e Lacerda comentam sobre os principais tópicos que constavam da MP 1.172/23 e as suas alterações em relação à MP 1.171/23. Ainda será necessário avaliar, no entanto, se o texto do PL das offshores apresentado ao Congresso é igual ao texto inicial da MP 1.172/23 no que diz respeito à tributação de rendimentos obtidos no exterior (antes de o tema ser retirado da medida).


– Com relação à tributação de rendimentos obtidos no exterior por brasileiros (pessoas físicas), quais são as mudanças trazidas pela MP 1.172/23, em relação ao que estabelecia a MP 1.171/23? Qual é a sua impressão sobre as mudanças?

Thiago Braichi e Anna Laura Lacerda: A Medida Provisória elimina a diferenciação entre ganho de capital e rendimento de aplicações financeiras. A partir do novo texto, ambos serão tributados de acordo com a progressividade de 0%, 15% e 22,5%. 

            Além disso, podemos destacar as seguintes mudanças: 

(i)          Ampliação do conceito de ativo financeiro para inclusão dos criptoativos e carteiras digitais; 

(ii)         Variação cambial sobre depósito não remunerados passam a ser isentos (anteriormente sujeita a alíquota progressiva de até 22,5%); 

(iii)        Ganhos de variação cambial que excederem US$ 5 mil serão tributados até 22,5% (anteriormente qualquer valor seria tributado); e 

(iv)        Possibilidade de tomada de crédito do IR pago no exterior sobre o rendimento de aplicação financeira, desde que atendidos alguns requisitos.   

A nova Medida Provisória, apesar de trazer mudanças ao texto da MP 1.171, nos aparenta “compensar” onerações com isenções. Apesar de passar a tratar criptoativos como ativos financeiros, e consequentemente tributá-los como tais, concede isenções para variações cambiais sobre depósitos de cartões de débito e crédito no exterior, institui limite mínimo para tributação de ganho de variações cambiais e permite a tomada de crédito tributário no exterior. De toda forma, entendemos que ainda é difícil medir os efeitos das alterações e definir as vantagens e desvantagens para os contribuintes. 

Giovanna Milana e Michel Siqueira Batista: Ao ser aprovado em Comissão Mista do Congresso Nacional no dia 08/08/2023, o parecer da MP nº 1.172/23, que aumenta o salário-mínimo, incorporou o texto da MP nº 1.171/23 com algumas modificações e esclarecimentos, dentre outros temas, no que tange à tributação de investimentos de pessoas físicas no exterior, incluindo em offshores e situações envolvendo trusts. 

A nova redação garante que a variação cambial não será tributada nos casos de depósitos não remunerados (sejam eles detidos em conta corrente ou em recursos alocados por meio de cartões de crédito ou débito), bem como no caso de moeda estrangeira em espécie, até o limite de alienação da moeda no ano-calendário equivalente a US$ 5 mil. Caso o valor de alienação exceda este limite, eventual ganho de variação cambial ficará sujeito ao IRPF à alíquota máxima de até 22,5%. 

Os criptoativos e as carteiras digitais também foram incluídos na definição de ativos financeiros por meio dessa nova redação, assim como ficou definido que as apólices de seguro consideradas aplicações financeiras seriam aquelas cujo principal e rendimentos sejam resgatáveis pelo segurado ou por beneficiários. 

Por fim, foi expressamente incluída a possibilidade de compensação do valor de IRPF devido no Brasil com eventual imposto pago no país de origem dos rendimentos (desde que esteja fundamentada em acordo ou convenção internacional firmados com o país em questão ou que haja reciprocidade de tratamento, bem como que o imposto recolhido no exterior não tenha sido objeto de compensação, restituição, reembolso ou ressarcimento no exterior). 

Entendemos que as mudanças em questão tomaram como base algumas recomendações e emendas que resultaram em ajustes na versão original, trazendo maiores esclarecimentos para pontos que ainda eram objeto de questionamento. Além disso, as mudanças foram positivas em relação à inclusão da não tributação da variação cambial e da possibilidade de compensação do imposto recolhido no exterior com o devido no Brasil, pontos estes que foram muito criticados quando da publicação da versão original. 


– E com relação à tributação dos investimentos feitos em entidades controladas no exterior, o que muda? As mudanças são positivas ou não?

Thiago Braichi e Anna Laura Lacerda:  Entendemos que a principal mudança é o aumento do limite de renda passiva para fins de tributação dos lucros das entidades estrangeiras, sociedades, fundo de investimento e fundação estrangeira. Com a nova regra, os lucros de entidades estrangeiras controladas direta ou indiretamente por pessoas físicas brasileiras, com renda passiva superior a 40%, serão tributados ao final de cada ano, conforme as alíquotas progressivas, no momento da efetiva disponibilização. No entanto, a MP 1.172 excluiu os juros de instituições financeiras, as rendas oriundas de participações em empresas operacionais e a renda imobiliária do conceito de renda passiva.

Além disso, é possível destacar as seguintes mudanças:

(i)          Inclusão de novos institutos no conceito de entidades controladas no exterior, ampliando a base tributável;

(ii)         Previsão expressa sobre a metodologia de apuração das entidades controladas no exterior – que passam a seguir a legislação nacional, facilitando a declaração e tributação pelo governo brasileiro (anteriormente não havia previsão);

(iii)        Previsão expressa sobre a possibilidade de dedução dos lucros das entidades controladas no Brasil para fins de apuração do IR, desde que tributados pelo IRPF por alíquota igual ou maior que 22,5%; e

(iv)        Inclusão de esclarecimento sobre as regras de apuração do ganho de capital na devolução de capital.

Entendemos que a MP 1.172 trouxe importantes esclarecimentos – o que contribui para uma maior segurança jurídica sobre o tratamento de determinadas informações, como regras de apuração de ganho de capital e metodologia de apuração de lucros – o que vemos como algo positivo.

Giovanna Milana e Michel Siqueira Batista: Em relação às entidades controladas no exterior, com a alteração do texto original da MP nº 1.171/2023, foi esclarecido que no caso de sociedades, fundos de investimento e demais entidades no exterior com classes de cotas ou ações com patrimônios segregados, cada classe será considerada uma entidade separada.

Ademais, foram implementados alguns ajustes e esclarecimentos em relação ao enquadramento das entidades na regra de tributação automática de lucros (isto é, independentemente de sua disponibilização) prevista na redação original. De acordo com a nova redação, as controladas no exterior devem ter receita de renda passiva superior a 40% da receita bruta total (na redação original esse percentual era de 20%), além da hipótese de estarem localizadas em país ou dependência com tributação favorecida ou serem beneficiárias de regime fiscal privilegiado.

Sobre o conceito de renda passiva para fins de verificação no enquadramento desta regra, foram excluídos desta definição: os juros de instituições financeiras autorizadas a funcionar no exterior; as rendas oriundas de participações em empresas operacionais; e a renda imobiliária, se a empresa tiver, como atividade principal, atuação comercial com construção ou incorporação imobiliária no exterior.

Também houve a inclusão da possibilidade de dedução de quaisquer rendimentos auferidos no Brasil do lucro da pessoa jurídica controlada, desde que tais rendimentos tenham sido tributados pelo IRPF na alíquota máxima de 22,5%.

Foi definido que a variação cambial do principal aplicado na entidade no exterior comporá o ganho de capital no momento da alienação, baixa ou liquidação do investimento, inclusive por meio de devolução de capital, bem como que a forma de tributação deverá seguir o disposto no art. 21 da Lei nº 8.981/1995.

Por fim, foi esclarecido que a apuração do lucro da entidade controlada no exterior deve ter como parâmetro a legislação comercial brasileira.

Uma das críticas em relação às alterações da tributação das controladas e coligadas foi o fato de que os seus resultados deverão ser tributados de forma separada (ou seja, elas deverão ser consideradas entidades separadas), e tal previsão impede compensações em lucros e prejuízos entre as entidades.

Por fim, outros pontos altamente questionáveis e que talvez suscitem medidas judiciais são a tributação da variação cambial sobre os investimentos realizados em moeda estrangeira e, sobretudo, a tributação das offshores decorrentes de resultados não realizados (por exemplo, de juros acruados, em investimentos em bonds e outros títulos).


– Sobre os trusts, quais foram as alterações e como você as avalia? 

Thiago Braichi e Anna Laura Lacerda: Entendemos que as principais mudanças foram:

(i)          No caso de trust irrevogável, a MP passar a prever expressamente que o bem passaria ao beneficiário no momento da transferência do patrimônio ao trust, e não no momento do falecimento do instituidor;

(ii)         O trustee passa a estar obrigado a fornecer recursos financeiros e informações necessárias para o cumprimento das obrigações tributárias pelo instituidor ou beneficiário; e

(iii)        Aplicação das mesmas regras do trust para outros contratos similares, como algumas fundações americanas.

As regulamentações dos trusts trazidas primeiramente pela MP 1.171/23 foram relevantes dos pontos de vista contratual e tributário, principalmente para evitar a bitributação e dupla não tributação pelo Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Doações (ITCD).

Quanto à obrigação de fornecer recursos financeiros e informações para cumprimentos das obrigações tributárias no Brasil, a nosso ver, o legislador visou proteger a capacidade contributiva do beneficiário. Apesar do direito de receber bens por meio do trust, não necessariamente o beneficiário tem condições de arcar com as despesas tributárias provenientes deste, que podem ser elevadas, considerando que as alíquotas do IR no Brasil podem chegar à 27,5%.

Giovanna Milana e Michel Siqueira Batista:  Apesar de não ter sanado todas as dúvidas em relação aos trusts, um dos principais pontos das alterações promovidas com a nova redação da MP nº 1.171/23 que foi incorporada na MP nº 1.172/23 foram os esclarecimentos que ela trouxe para esse instituto.

Em relação ao trust irrevogável, incluiu-se a hipótese de que a transmissão ao beneficiário poderá ser reputada ocorrida em momento anterior ao falecimento do instituidor caso este abdique, em caráter irrevogável, a direito sobre parcela do patrimônio do trust.

Houve também a inclusão de um dispositivo que impõe determinadas obrigações ao trustee (administrador do trust). De acordo com a nova redação, o trustee terá a obrigação de fornecer recursos financeiros e informações necessárias para o cumprimento das obrigações tributárias pelo instituidor ou beneficiário. No entanto, o ato de impor tais obrigações à uma figura da relação contratual do trust que atua no exterior pode vir a ser considerada uma usurpação de competência do fisco brasileiro por ultrapassar a sua própria jurisdição. Na prática, muito provavelmente essa obrigação será conferida ao próprio instituidor ou beneficiário do trust.

Por fim, a nova redação definiu que as mesmas regras instituídas para o trust serão igualmente aplicáveis para contratos similares, como, por exemplo, algumas fundações americanas que anteriormente não estavam previstas na redação original.


– A MP também prevê a atualização dos ativos detidos no exterior. Com relação à MP anterior, o que mudou? Como você avalia essas mudanças: são favoráveis ou desfavoráveis ao contribuinte?

Thiago Braichi e Anna Laura Lacerda: Vale ressaltar que o novo texto manteve a regra trazida pela MP 1.171, que determina que a pessoa física residente no Brasil poderá atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na sua Declaração de Ajuste Anual para o valor de mercado e tributar o incremento de valor à alíquota definitiva de 10%.

O novo texto traz as seguintes mudanças:

(i)          Depósitos em contas correntes e cartões de débito e crédito, não remunerados, passam a estar incluídos dentre os ativos passíveis de atualização;

(ii)         Alteração da utilização da cotação do câmbio para 30 de junho de 2023, ou seja, mais próxima da data da publicação das novas regras (em vez de 31.12.2022); e

(iii)        Previsão expressa da isenção sobre a parcela da variação cambial do rendimento auferido originariamente em moeda estrangeira.

Acreditamos que as mudanças se deram no objetivo de atualizar as regras ao cenário mais recente da economia brasileira. A utilização da cotação de câmbio da data de 30 de junho, que apresenta reduções quando comparadas com 31 de dezembro do ano passado, tende a reduzir o ganho por variação cambial do contribuinte. 

Giovanna Milana e Michel Siqueira Batista: Houve duas alterações em relação à forma de atualização dos ativos detidos no exterior na Declaração de IRPF que se trata basicamente da taxa de câmbio a ser utilizada e da forma de conversão que, a princípio, não trazem grandes impactos.

Primeiramente, a nova redação esclareceu que, para fins de conversão e atualização do ativo na ficha de Bens e Direitos, deve ser utilizada a cotação do câmbio na data mais próxima a qual a lei foi publicada (i.e., 30/06/2023 em vez de 31/12/2022).

Por fim, houve a inclusão de esclarecimento acerca da taxa de câmbio para fins de atualização do custo de aquisição de controladas no exterior. Foi definido que, especificamente nos casos em que há a atualização do custo de aquisição de controladas no exterior para o período de 01/01/2023 a 31/12/2023, deverá ser utilizada a taxa de câmbio de 31/12/2023.

A depender dos objetivos a médio e longo prazo, a possibilidade de atualização do valo dos ativos pode ser vantajosa, pois os ganhos ficariam sujeitos a uma tributação antecipada de 10% contra uma potencial tributação no futuro de até 22,5%.

No cálculo do custo/benefício, além dos objetivos a médio e longo do prazo do investidor, devem ser levados em conta o custo de oportunidade em antecipar a tributação e também potenciais impactos em teses jurídicas, em especial para aqueles que pretenderem discutir judicialmente algum aspecto da nova sistemática.


Leia também

Projeto aborda tributação de trusts

Projeto visa regulamentar o trust no Brasil

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.