Especialistas apontam superficialidade em divulgação dos benefícios fiscais

Informações que vêm a público não trazem informação sobre o contexto que gerou o incentivo nem sobre seus efeitos

0

A Receita Federal do Brasil (RFB) já começou a divulgar listas de empresas que recebem benefícios fiscais federais. O objetivo, segundo o governo, é dar transparência sobre quanto o Estado deixa de arrecadar por conta dos benefícios e provocar uma discussão sobre essas políticas de incentivos, combatendo o déficit fiscal. Para regulamentar a matéria, a RFB publicou em maio a Portaria 319, que dividiu em cinco categorias de informações de incentivo, renúncia, benefício ou imunidade recebidas por pessoas jurídicas em 2021.

“Do ponto de vista da transparência, a medida tem caráter salutar, visto que propicia um debate amplo sobre a estrutura de benefícios fiscais concedidos no País, em diferentes regiões e para diferentes setores”, avaliam Rafael Amorim e Priscila Generoso, sócio e associada do Vieira Rezende Advogados.

Apesar de considerarem o objetivo salutar, eles acreditam que a informação deveria ser divulgada de forma mais qualificada para que se permita um debate mais produtivo sobre o assunto. “Contudo, da análise das informações divulgadas até o momento, verificamos que a RFB divulgou planilhas contendo dados de milhares de pessoas jurídicas de forma superficial, sem, entretanto, demonstrar ou informar critérios utilizados para divulgação de valores ou o contexto da concessão de determinado benefício, por exemplo. Muitas vezes, se o incentivo concedido atingir os objetivos pretendidos (desenvolvimento regional, geração de empregos e infraestrutura, inclusão social, dentre outros), sua importância pode compensar a perda de arrecadação. Portanto, a simples divulgação, sem que venha acompanhada de detalhes, pode ser prejudicial não só às empresas como à sociedade como um todo.”

Amorim e Generoso apontam também para a publicidade de dados eventualmente incorretos ou incompletos, que pode gerar efeitos adversos de natureza econômica, concorrencial e tributária. “Além disso, é de se debater o limite do sigilo fiscal das pessoas jurídicas, tema que poderá gerar um contencioso específico.”

A medida está relacionada à intenção do governo de reduzir o déficit fiscal, presente em outras medidas anunciadas desde o início do ano como o programa Litígio Zero, a reinstituição do voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e a exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos do Pis e da Cofins.

Na entrevista abaixo, Amorim e Generoso abordam a divulgação dos dados relativos a benefícios fiscais recebidos do governo federal.


– Quais informações sobre benefícios fiscais recebidos por empresas serão divulgados pela Receita Federal, conforme a Portaria 319?

Rafael Amorim e Priscila Generoso: A Portaria RFB 319, de 11 de maio de 2023 (Portaria 319), estabeleceu a divulgação de cinco categorias de informações de incentivo, renúncia, benefício ou imunidade (IRBI), detalhadas nos anexos I a V, todas de natureza tributária cujo beneficiário seja pessoa jurídica e relativas ao ano-calendário 2021. A saber:

  • IRBI – Declarados na Escrituração Contábil Fiscal (ECF) do contribuinte (exemplos: dedução de IRPJ e CSLL para emissoras de rádio e televisão obrigadas a cedência de horário eleitoral gratuito; isenção/redução de IRPJ para instituições que aderem ao Prouni; isenção/redução do IRPJ para Sudam/Sudene (desenvolvimento da região amazônica); dedução de IRPJ e CSLL no Programa Rota 2030 (desenvolvimento do setor automotivo), entre outros);
  • IRBI – Imunes e Isentas (exemplos: imunidade ou isenção de IRPJ para entidades sem fins lucrativos de assistência social e saúde, associação civil e cultural, além de previdência privada fechada e entidades religiosas);
  • IRBI – PIS/Cofins vinculados à Importação (exemplos: bens importados sob o regime aduaneiro especial de drawback/Isenção, bens submetidos ao Repes, Reporto e Regimes Aduaneiros Especiais; eventos Copa do Mundo, Jogos Olímpicos e Paralímpicos 2016 (inclusive bens admitidos sob regime de admissão temporária); gás natural importado da Bolívia, produtos farmacêuticos, entre outros);
  • IRBI – Imposto de Importação e IPI (exemplos: drawback isenção e suspensão; autopeças não produzidas para industrialização – Bk (bens de capital) ou Bit (bens de informática e telecomunicações); montadoras e fabricantes de veículos, tratores, carrocerias etc., Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; Repetro, entre outros); e
  • Pessoas jurídicas habilitadas perante a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil – Benefícios Fiscais e Regimes Especiais de Tributação (exemplos: Repetro; Reporto; Recap; Recof; RET; Reidi, entre outros).

É de se destacar que as informações dos anexos I a V da Portaria 319 já se encontram disponíveis em https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/planilhas/beneficios-fiscais.

Além disso, informações relativas ao CNPJ, razão social, atividade econômica, valores declarados relativos ao IRBI, e datas dos benefícios, também foram disponibilizados.


– Para as empresas, quais são os efeitos dessa divulgação? Há algum ponto que levante preocupação?

Rafael Amorim e Priscila Generoso: Inicialmente, vale destacar que o contexto de abertura de detalhes de concessão de benefícios fiscais a empresas foi trazido como parte dos esforços do governo de conter o déficit fiscal mediante reavaliação das políticas públicas tributárias.

Dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco) mostram que “até o final de 2023, o governo federal deixará de arrecadar R$ 440,5 bilhões com a concessão de privilégios tributários”.

Do ponto de vista legal, é de se destacar que não é vedada a divulgação de informações relativas a incentivo, renúncia, benefício ou imunidade de natureza tributária cujo beneficiário seja pessoa jurídica, conforme previsão no inciso IV do § 3º do artigo 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN).

No entanto, a própria Receita Federal, através dos artigos 3º e 4º da Portaria 319, estabeleceu que as informações serão periodicamente reavaliadas e ampliadas gradativamente, inclusive incorrendo em dados eventualmente incompletos, inexatos ou desatualizados. Vejamos:

“Art. 3º Compete à Subsecretaria de Arrecadação, Cadastros e Atendimento (Suara):

I – reavaliar as informações, com periodicidade máxima de 6 (seis) meses, com o objetivo de ampliá-las gradativamente, considerando, sempre que possível, a capacidade operacional e aspectos orçamentários e financeiros da RFB; e

II – coordenar as ações necessárias para a atualização semestral a que se refere o inciso II do caput do art. 2º.

Art. 4º O titular dos dados poderá obter, mediante requisição, a correção de dados eventualmente incompletos, inexatos ou desatualizados, por meio da Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação (Fala.BR). (…)”

Ou seja, a nosso ver, a publicidade de dados eventualmente incorretos ou incompletos é um ponto de atenção para o contribuinte, que poderá, inclusive, gerar efeitos adversos de natureza econômica, concorrencial e tributária. Além disso, é de se debater o limite do sigilo fiscal das pessoas jurídicas, tema que poderá gerar um contencioso específico.


– De que forma os dados divulgados poderão ser úteis para a sociedade?

Rafael Amorim e Priscila Generoso: Em relação à utilidade para a sociedade, a despeito dos potenciais efeitos adversos para as pessoas jurídicas que já tiveram e ainda terão seus dados de benefícios fiscais descortinados, a divulgação das informações previstas na Portaria 319 poderá propiciar a identificação dos contribuintes que recebem tratamento tributário diferenciado e gerar um ambiente de maior participação nas contas públicas e de maior transparência.


– Qual é a sua avaliação sobre a medida?

Rafael Amorim e Priscila Generoso: Do ponto de vista da transparência, a medida tem caráter salutar, visto que propicia um debate amplo sobre a estrutura de benefícios fiscais concedidos no país, em diferentes regiões e para diferentes setores. Adicionalmente, essa medida pode aumentar a “massa crítica” em torno de eventuais assimetrias na concessão desses benefícios, eventualmente privilegiando setores ou regiões em detrimento de outros.

Contudo, da análise das informações divulgadas até o momento, verificamos que a RFB divulgou planilhas contendo dados de milhares de pessoas jurídicas de forma superficial, sem, entretanto, demonstrar ou informar critérios utilizados para divulgação de valores ou do contexto da concessão de determinado benefício, por exemplo. Muitas vezes, se o incentivo concedido atingir os objetivos pretendidos (desenvolvimento regional, geração de empregos e infraestrutura, inclusão social, dentre outros), sua importância pode compensar a perda de arrecadação. Portanto, a simples divulgação, sem que venha acompanhada de detalhes, pode ser prejudicial não só às empresas como à sociedade como um todo.

Nesse sentido, para que se cumpra o objetivo de dar efetiva transparência e promover o desenvolvimento da boa governança e prestação de contas de governo, será necessário o aprofundamento das determinações da nova medida, a fim de garantir a informação precisa, didática e que respeite as garantias fundamentais dos milhares de contribuintes que tiveram suas informações fiscais divulgadas.


Leia também

Litígio Zero pode ser benéfico, mas ficar aquém do esperado

Mudanças no Carf: o tiro vai sair pela culatra?

MP restringe créditos do PIS e da Cofins

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.